domingo, 29 de maio de 2011

Arquitrave e supedâneo



O título em parte nada tem que ver com o assunto. É apenas uma brincadeira minha, um jogo de palavras, para chamar a atenção. A primeira delas, aliás, é de áreas do saber em que sou jejuno: a Arquitetura e a Engenharia. Como mal entendo de Direito, conheço-a tão somente de leitura. Não a conheço da prática porque sou pedreiro apenas na linguagem simbólica ou figurada: sou maçom, pedreiro-livre, construtor, embora claudicante, do edifício social.

Pois bem. Há indivíduos da área jurídica que gostam de jogar para a galera e saem por aí com determinadas críticas infundadas, querendo agradar não sei a quem nem por quê. Outros, de outras áreas, o que é mais condenável, saem repetindo, como se fossem psitacídeos, disparates que veem, ouvem ou leem e pensam que são a verdade absoluta.  

Por duas vezes – a primeira faz alguns anos; a segunda, bem recentemente – fazendo favor a terceiros, escrevi em requerimentos seus a palavra “supedâneo” como sinônimo de base, fundamento, apoio ou amparo e, na hora da leitura de tais documentos, quem os leu dela discordou, por considerar pernóstico ou coisa parecida o seu emprego. Mas, com efeito, em ambos os casos o que houve foi ignorância vernacular de quem lia.

Há pessoas que, sabe-se lá por quê, têm ojeriza ou antipatia e fazem objeção cerrada ao emprego do substantivo “supedâneo” com na acepção a que acima se alude (o significando figuradamente base, fundamento, amparo, apoio). Há mesmo quem, na leitura de um requerimento ou petição, ao se deparar com essa palavra, tem a ousadia de dizer que não gosta de pronunciá-la e, em seguida, continuando a leitura, a substitui pela palavra amparo. Pensa que, o fazendo, age com sabedoria. Ledo engano, pois destrambelho, como sinônimo de disparate ou maluqueira, seria a palavra adequada para descrever tal atitude.

Supedâneo, figuradamente, é base. E base é fundamento. “Fundamento ou fundação é o alicerce sobre o qual se estabelece a construção, em sentido próprio ou figurado”, já dizia Vittorio Bergo. A construção ou argumentação jurídica, em sentido figurado, é feita com base, fundamento, amparo ou supedâneo no artigo x da lei y. Emprego justo e perfeito. Onde está o erro? Por que a ojeriza? Falta de conhecimento, sem dúvida.   

O substantivo masculino português “supedâneo” vem do latim “suppedaneu” e consta do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP). Está, além disso, há muito tempo em bons dicionários como, por exemplo, Dicionário da Língua Portuguesa, da Editora Porto (de Porto, Portugal), Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa e Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, para citar apenas três. Todos eles trazem, além dos significados próprios, o significado figurado de base, dentre outros.

No meio jurídico, é muito usada com essa acepção. Basta dizer que a consulta às decisões do Supremo Tribunal Federal feita nesta data, 29 de maio de 2011, demonstrou que a palavra “supedâneo” foi empregada em 263 atos da corte, dentre informativos (boletim oficial do tribunal), acórdãos, decisões monocráticas e decisões da presidência. Exemplo: “No caso dos autos, o Tribunal de origem, com supedâneo na legislação local (Lei Estadual 5.988/98), consignou que a base de cálculo do adicional agropecuário estava vinculada ao vencimento básico da servidora e não ao salário mínimo” (Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n.º 603242, de Alagoas, relator ministro Ricardo Lewandowski, julgado em 24 de agosto de 2010).

Supedâneo é palavra de uso corriqueiro no ambiente jurídico. Emprego-a, como advogado, frequentemente, falando ou escrevendo, mas principalmente escrevendo em petições, pareceres e demais textos jurídicos. E o faço naturalmente, sem pedantismo ou coisa que o valha, porque a vejo como qualquer outra palavra comum do linguajar culto. Ponho-a sempre no devido contexto, adequadamente, com conhecimento e convicção, não por mera repetição tola ou psitacismo. Papagaio e outros psitacídeos é que repetem o que ouvem sem saber o que significa.

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