sexta-feira, 7 de agosto de 2020

Dois dedos de prosa sobre umas releituras

Resolvi falar superficialmente de duas releituras dentre as mais recentes que fiz, a do livro O Caso dos Exploradores de Cavernas, de Lon L. Fuller, e a da última crônica de Carlos Heitor Cony, “Uma carta e o Natal”. Do livro, a despeito de seu prestígio internacional, não gostei desde a primeira leitura, em 1997. Agora o achei mais sem sentido ainda e paro por aqui, seria assunto para artigo acadêmico. Da crônica, porém, gosto cada vez mais sempre que a leio. Não foi diferente agora.

“Uma carta e o Natal” foi a última crônica publicada na Folha de S. Paulo por Carlos Heitor Cony e também a última de sua vida. Uma obra-prima, como não poderia deixar de ser, foi publicada no dia 31 de dezembro de 2017, e Cony faleceu cinco dias depois. É um texto lindo, carregado de sentimentos, mas sem as despedidas de praxe. Cony não sabia que era a última crônica e por isso não se despediu de sua coluna nem de seus leitores. E, claro, tampouco se despediu da vida.

É comum a despedida formal, pelo colunista, da coluna e dos leitores. Existem despedidas memoráveis, inesquecíveis.  Cony, porém, não o fez: não estava saindo e não sabia que morreria poucos dias depois. Despediu-se, porém, do mito da entrega de presentes de Natal, feita à noite e de forma sorrateira, pelo Papai Noel. Parecia adivinhar o que lhe sucederia poucos dias depois. Creio que foi melhor assim.

Leitor assíduo de Cony, fico emocionado sempre que releio a crônica “Uma carta e o Natal”, não só por saber que ela foi a última crônica escrita pelo grande escritor, mas por ser, para mim, um texto enigmático, próprio de uma despedida e, mais do que isso, uma despedida apaixonada, irremediável e inadiável, uma sentença da qual não cabia apelação. Com efeito, é uma crônica de pouco mais de trezentas palavras, mas é um texto antológico, como se pode ver pelo seu último parágrafo:

 

E apanhei a caneta. Escrevi isto. Não sei, ainda, se deixarei esta carta junto com os demais brinquedos. Porque nisso tudo o mais roubado fui eu. Meu Natal acabou e é triste a gente não poder mais dar água a um velhinho cansado das chaminés e tetos do mundo.

 

Vale a pena ler “Uma carta e o Natal”, penso. E, por isso, recomendo. Já O Caso dos Exploradores de Cavernas, ainda que isto possa até parecer um absurdo para alguns, salvo o gosto de cada um – que não se discute –, é uma leitura que não deveria ser obrigatória como é, penso. Não o recomendo. Os professores de Introdução ao Estudo do Direito, porém, não apenas impõem a sua leitura: como se não bastasse, exigem uma resenha. Que coisa mais abusada!