domingo, 12 de novembro de 2023

Homenagem a Dilson Gomes de Almeida na Instalação do Consistório de Príncipes do Real Segredo, no Vale de Xinguara, Estado do Pará

 

Resp e Pod Ir Valby Ferreira Camargo, Grande Inspetor Litúrgico da 3.ª Região do Estado do Pará do Supremo Conselho do Grau 33 do REAA da Maçonaria para a República Federativa do Brasil, IIr Presidentes de Corpos, demais IIr∴, Cunhadas, Sobrinhas, Sobrinhos, Senhoras e Senhores convidados!

Foi da vontade santa, bendita e soberana do GADU, que é Deus, estarmos aqui reunidos nesta hora para esta homenagem ao nosso Ir Dilson Gomes de Almeida, que, partindo para a eternidade, nos deixou em 4 de junho de 2020, vitimado que foi pela covid-19, na pandemia que feriu gravemente e assustou a humanidade, levando a óbito milhões de pessoas em todo o mundo. Pandemia, evidentemente, é sempre mundial. O que faz a diferença é o número de mortos.

Nosso homenageado, Dilson Gomes de Almeida, filho do casal de lavradores José Gomes de Almeida e Antonia de Queiroz Almeida, era natural de Boninal, Estado da Bahia, onde nasceu em 6 de maio de 1945. Viveu a infância e adolescência na zona rural, na propriedade da família, lavrando a terra e cuidando dos animais. Ainda menor, deixando os pais na Bahia, mudou-se para São Paulo, onde ficou por vários anos. Voltou para a Bahia após da morte da mãe e por fim, em 1977, veio para o Estado do Pará, onde faleceu nesta cidade de Xinguara, no já citado dia 4 de junho de 2020.

Sabia ler e escrever, apesar de não ter seguido estudos regulares. Foi casado com dona Vera, com quem teve dois filhos. Exerceu várias profissões na vida. Foi lavrador, servente de pedreiro, motorista, comerciante e produtor rural, formas pelas quais contribuiu, desde tenra idade, para o desenvolvimento econômico-social do país. Trabalhou a vida inteira, honesta e ordeiramente, por onde passou. Era modesto, muito discreto e, naturalmente, de pouca conversa. Falava, porém, mansa e educadamente.

Com todos esses predicados, era de se esperar que logo se tornasse, como se tornou, membro da Maçonaria. Iniciado nos augustos mistérios de nossa Sublime Ordem, no dia 13 de novembro de 1981, recebeu o grau de aprendiz maçom na ARLS União e Fraternidade Xinguarense n.º 45, foi elevado ao grau de companheiro maçom no dia 10 de dezembro de 1982 e exaltado ao grau de mestre maçom em 17 de maio de 1983, sempre na mesma Loja. Era mestre instalado e, como maçom muito dedicado, galgou todos os graus do REAA, chegando, por conseguinte, ao grau 33, qual seja, o grau de Grande Inspetor Geral.

Além disso, Dilson Gomes de Almeida era evangélico, membro efetivo da Igreja Presbiteriana do Brasil, na qual foi ordenado presbítero, cargo que nessa igreja é vitalício. Vale registrar, aliás, que a Igreja Presbiteriana do Brasil, não obstante de uns anos para cá, tal como fazem as demais igrejas evangélicas, perseguir os membros maçons, ainda é a igreja evangélica no Brasil que tem o maior número de maçons. Existe, inclusivamente, por causa dessa perseguição, o livro intitulado O Evangelho e a Maçonaria: uma parceria que deu certo no Brasil, de autoria do Dr. Athos Vieira de Andrade, presbítero e maçom, tal qual presbítero e maçom – perseguido, é lógico – é este Irque lhes fala.   

Em apertada síntese, foi esse, meus RResp e PPod IIr, o nosso homenageado, sobre quem me foi dada a incumbência de falar nesta solenidade. A honra, naturalmente, é grande. A alegria, também. A alegria só poderia ser maior evidentemente se não fora, como é, in memoriam, ou seja, se o nosso Ir Dilson, vivo, estivesse aqui conosco. Diante disso, conquanto se trate de um dia de festa, permitam-me que, antes de encerrar, faça uma ligeira reflexão sobre a morte. É, por incrível que pareça, muito oportuna para este momento alegre e festivo. Começo, pois, pela definição de morte que dou em um dos meus livros (SOUZA, 2018, p. 31):

 

A morte, que é a morte? A morte, conquanto seja um fenômeno complexo, é, na definição mais simples, a cessação da vida. Terrível, temida e, por isso, indesejada, é a realidade da qual não pode jamais fugir todo ser vivo, até porque, por paradoxal que pareça, ela faz parte do processo vital, completando-o como terminalidade: a morte é o fim da vida. Não é, contudo, um momento, é um processo gradativo. Dir-se-ia até que a morte é um processo gradativo e, não raro, naturalmente silencioso.[1]

 

Todos nós, a cada dia, morremos um pouco. Sem perceber, mas morremos. Com efeito, como médico, diz Genival Veloso de França (2001, p. 343): “Das coisas terríveis, a mais terrível é a morte, porque é uma, porque é certa e porque é imprevisível. Mais grave, porém, que a imprevisibilidade da morte é a certeza da morte certa.”[2]

Do ponto de vista bíblico-teológico, morte significa separação. Para a maioria dos teólogos, separado o corpo da alma ou espírito, tem-se a morte física. Separada a alma ou espírito da presença de Deus, tem-se a morte eterna. A Maçonaria, porém (não nos esqueçamos jamais), crê na imortalidade da alma! E daí vem a nossa esperança em Cristo, a de que não sofreremos a morte eterna!

O apóstolo Paulo, escrevendo aos romanos, pergunta: “Quem nos separará do amor de Cristo” (Rm 8.35). E, logo mais à frente, firmemente ele mesmo responde:

 

Porque eu estou bem certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as coisas do presente, nem do porvir, nem os poderes, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor (Rm 8.38-39).[3]

 

A Bíblia nos assegura, meus RResp e PPod IIr, que a morte será vencida. Para não ser mais cansativo do que estou sendo, citarei aqui apenas uma passagem bíblica. Paulo, escrevendo aos coríntios, diz (negrito nosso):

 

Porque, assim como, em Adão, todos morrem, assim também todos serão vivificados em Cristo. Cada um, porém, por sua própria ordem: Cristo, as primícias; depois, os que são de Cristo, na sua vinda. E, então, virá o fim, quando ele entregar o reino ao Deus e Pai, quando houver destruído todo principado, bem como toda potestade e poder. Porque convém que ele reine até que haja posto todos os inimigos debaixo dos pés. O último inimigo a ser destruído é a morte. (1 Co 15.22-26).

 

 Louvado seja o GADU, que é Deus! Alegremo-nos, tanto em relação ao presente quanto em relação ao futuro. Quanto ao presente, porque perenizamos aqui o nome do nosso Ir Dilson com a designação do corpo filosófico ora instalado, chamando-o oficialmente de Consistório de Príncipes do Real Segredo “Dilson Gomes de Almeida”. Quanto ao futuro, porque cremos que o nosso Ir morreu a morte física, separado que foi seu corpo de seu espírito, mas viverá, como já vive, a vida eterna com Deus em Cristo Jesus.

Viva Dilson Gomes de Almeida!  



[1] SOUZA, Valdinar Monteiro de. Direito de recusa do paciente à transfusão de sangue e a outros procedimentos médicos. Rio de Janeiro: Gramma, 2018.

[2] FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina legal. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001.

[3] BÍBLIA SAGRADA. Bíblia de estudo de Genebra. São Paulo e Barueri: Cultura Cristã e Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.  

 

sábado, 4 de novembro de 2023

Matar leão que nada: correr das antas!

 

 “Matar um leão por dia é fácil, difícil é se desviar das antas”, escreveu uma vez Eugenio Caetano Allegretti Neto, meu irmão de Maçonaria, ao comentar algo que escrevi no Facebook. Já não me lembro do contexto exato nem do assunto em si. Achei, entretanto, interessante o dito espirituoso, que é corrente na linguagem informal do dia a dia e tem um fundo de verdade. A gente – sem maldade o digo – vive a esbarrar involuntariamente a todo instante em pessoas insensatas que ignoram a própria insensatez. O perigo mesmo, porém, são os canalhas. Os insensatos são quase sempre inofensivos e, não muito raramente, também vítimas dos canalhas. O azar de deparar insensatos e canalhas me persegue.

Não raramente, termina em aborrecimentos o contato com quem – seja por maldade, seja por estultice – perde a oportunidade de ficar calado e mete o pé pelas mãos. Não sou contra, por exemplo, dizer ou escrever o óbvio, porque estilisticamente, às vezes, isso é necessário e não ofende. Gosto mesmo de dizer ou escrever o óbvio. Nem tudo que parece ser óbvio realmente o é. Detesto, contudo, quem diz ou escreve o óbvio apenas para ferir ou aborrecer o interlocutor, assim como tenho dó de quem o faz por mera tolice ou insensatez. Ih, como já tive dissabores desnecessários por causa disso! Não, não é falta de serenidade, é repúdio puro e simples à ignorância voluntária e à desonestidade.

Isso me traz à lembrança a Dr.ª Clarissa de Cerqueira Pereira, quando, brincando, me disse certa vez, na Câmara Municipal de Marabá, onde trabalhávamos como advogados: “Doutor, eu estou ficando com medo do senhor!” É que eu, volta e meia, contava histórias das minhas brigas pela vida afora (ou adentro, neste caso, tanto faz) com os canalhas e os insensatos que, para meu dissabor e tristeza, me atravessaram o caminho. Brincadeira dela, claro. Jamais vou brigar com a doutora Clarissa. Ela, a elegância em pessoa, não é canalha nem insensata. Colega da seara jurídica, amiga e minha sobrinha de Maçonaria, ela tem lugar cativo no meu coração.

Sempre vivi, sim, às turras com os canalhas ou calhordas, mas também com muitos insensatos – com muitas antas, como diz o Eugenio. O serviço público, por exemplo, mas não somente ele, está cheio de ambas as categorias, que infestam, como praga, todos os lugares e instituições. Em se falando de pulhas, não são somente os reconhecidamente canalhas. Mais perigosos e piores do que esses – que, sendo visíveis, são até certo ponto evitáveis – são os mascarados. Esses, que sempre existiram, mas aumentaram sobremaneira nos últimos anos, dentre outras mentiras deslavadas, se autodeclaram cidadão de bem, defensor do interesse público, defensor da liberdade, defensor da democracia, posam de autoridade, e assim por diante.  

Sou homem e, por isso, imperfeito. É como há muito me defino. Tenho convicção das minhas imperfeições, que são muitas, e, assim, embora tenha errado muitas vezes na vida e, por certo, continuarei errando enquanto viver, procuro seguir os caminhos que julgo corretos. Isso, porém, nunca me foi suficiente para evitar os canalhas, idiotas, imbecis ou coisa que o valha. Há sempre o infeliz que – se não se manifesta em vez de ficar calado –, no mínimo, passa de onde deveria fazer o ponto final. Ignora onde deveria parar. E aí causa aborrecimentos inúteis e desnecessários. Cruz-credo!


sexta-feira, 13 de outubro de 2023

Você gosta de coentro? E de chicória?

 

“Cozidos, gosto de faséolo com eríngio”, escrevi.  “Eu não estou nesse nível de erudição, meu amigo!”, respondeu-me a interlocutora. Brincadeira de amigos. Um agradável diálogo pelo WhatsApp, um dia desses (aliás, para ser exato, foi no dia 11 de setembro de 2023), entre mim e a advogada Carla Lobo, minha ex-colega do Departamento Jurídico da Câmara Municipal de Marabá. Amo, quem me acompanha sabe, a boa conversa com parentes ou amigos. Presencial, por telefone, pelo WhatsApp ou por qualquer outra rede social, não obstante, obviamente, a melhor de todas seja a conversação presencial. 

Julgo oportuno dizer (para quem ainda não sabe, claro, pois não ignoro que quase todo mundo já sabe) que WhatsApp vem da expressão inglesa What’s up?, contração de What is up?, uma gíria cuja tradução para o português são os nossos E aí?, Beleza?, Tudo em cima?, Tudo em ordem?, e assim por diante. A tradução literal (quase sempre desaconselhável em qualquer caso, como seria neste) seria: O que está em cima? Sem sentido, pois, no contexto de uma saudação. Aí está. Conquanto se saiba ser ligeiramente diferente a pronúncia de WhatsApp da pronúncia de What’s up?, a gíria foi um passo para a brincadeira na designação do aplicativo. 

Sim, eu gosto de coentro e de chicória, mas que tem que ver no caso a história de faséolo com eríngio? Explico. A colega publicara em um grupo nosso de WhatsApp o link do artigo “O estado do Pará, eu e a síndrome do coentro”, de autoria do geógrafo Ubiraney Silva, texto que discorre, dentre outros assuntos, especialmente sobre o uso de coentro nos pratos da culinária paraense. Com efeito, paraense que não foge a suas origens, Dr.ª Carla Lobo, ao compartilhar o link, escrevera: “Boa noite, achei legal esse artigo sobre o Pará e decidi compartilhar com os colegas!” Claro, fui logo ler. E também gostei muito. Daí o espirituoso diálogo que entabulamos. 

Trata-se de um grupo especial de ex-colegas que criei. Não estranhe, pois, algum leitor eu empregar ex-colega em relação à amiga e colega de profissão. Sim, ex-colega. Por quê? Porque me aposentei, no início deste ano, do serviço público municipal, mas é uma amiga muito especial, assim como do Departamento Jurídico da Câmara Municipal de Marabá, também são meus grandes amigos e têm um lugar especial no meu coração os ex-colegas (em ordem alfabética) Antonio Júnior, Brenda Assis, Clarissa de Cerqueira e Rômulo Lima. Eles todos sabem da estima que tenha por eles. A boa amizade é para sempre. 

Volto, para finalizar, a eríngio e faséolo. Trata-se da designação científica, respectivamente, do coentro-do-pará (também chamado de chicória, coentro-caboclo e outros nomes) e do feijão. O feijão comum é Phaseolus vulgaris. Há, contudo, várias espécies:  Phaseolus é o gênero. Penso, no caso, que o autor do belo artigo se equivocou: pensava no coentro comum, mas citou foi a chicória. Não queria, certamente, dizer eríngio (Eryngium foetidum), mas coriandro (Coriandrum sativum). Apenas suponho, não afirmo, pois não tenho a autoridade para isso. Autoridade no assunto é mesmo o meu caríssimo amigo Professor Doutor Gutemberg Armando Diniz Guerra, engenheiro agrônomo, doutor, pós-doutor e cronista.


terça-feira, 4 de julho de 2023

 

Brasileirismos que superaram galicismos

 

Brasileirismo típico, criado por Medeiros e Albuquerque, a palavra motorista superou, já faz tempo, o galicismo chofer, que vem de chauffeur. Semelhantemente, a  palavra cardápio, neologismo erudito de Castro Lopes, também suplantou o galicismo menu. Força natural da língua, que é viva, reage e evolui. Epa! Evolui, forma finita de evoluir? Evoluir, de évoluer, é considerado galicismo. Vou ser reprochado. Vixe, de novo! Reprochado é particípio passado de reprochar. Reprochar vem do francês reprocher. Sendo assim, embora não queira, sou galiciparla. Como, dessa forma, não ser tachado de cometer galicismo após galicismo?

 

Faço com isso, logicamente, uma brincadeira de cunho ligeiramente histórico e linguístico, pois trabalho com a palavra, como advogado, escritor e acadêmico de licenciatura em Letras. Sei que, demais disso, que meu leitor é esclarecido e gosta dessas nuanças deleitáveis da língua portuguesa. Eita! Mais uma francesia involuntária. Nuança também é galicismo, vem do francês nuance. É melhor, portanto, mudar para: “Meu leitor é esclarecido e gosta dessas sutilezas deleitáveis da língua portuguesa.”  Isso, isso mesmo! “Quando os homens não podem mudar as coisas, mudam as palavras”, diz o francês (tinha que ser um francês) Jean Jaurès, citado por William Camus, no livro Como Tratar as Mulheres. Claro, mudamos mesmo.

 

As formas galiparla e galiciparla são sinônimas, embora esta seja mais usada que aquela. É a preferida. Ambas, porém, são dicionarizadas e registradas no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. Também lá estão chofer, evoluir, nuança e reprochar, como tantas outras palavras portuguesas vindas de palavras estrangeiras. Galiciparla ou galiparla, para quem não sabe, é quem faz uso de galicismos. Reprochar é exprobrar, censurar, ou coisa que o valha. Na linguagem informal, é jogar na cara. Ninguém saia, pois, por aí a reprochar os outros. Tampouco aceite, caro leitor, que quem quer que seja o reproche por uma coisinha qualquer. Não, de jeito nenhum.

 

Acredite ou, se preferir de outra forma, não duvide. Há pessoas metidas a puristas que, além de tolas, são afoitas. E, com mais frequência do que se pode pensar, metendo o pé pelas mãos, cometem ultracorreção. No português claro e menos técnico: cometem o erro grosseiro de apontar erro alheio que não existe. Vão corrigir erro que não existe e, não dá outra, erram feiamente. Cometem erro grosseiro que, conforme o caso, chamo de erro vicário. Quando, por exemplo, o revisor erra pelo articulista. Até já escrevi, faz anos, uma crônica sobre isso.

 

Pois vejam (e corem)! Até Machado de Assis foi acusado de galicismo por usar o substitutivo reproche. Em cartas anônimas. No tempo de Machado de Assis, ainda estava longe de existir o robô bolsonarista, esse ser hediondo que, paradoxalmente, não existe como ser, mas mente tal qual o diabo e propaga, perigosa e criminosamente, as piores mentiras, as coisas mais absurdas que se pode imaginar. Os malfazejos e covardes do tempo de Machado recorriam à carta anônima. Machado de Assis, é claro, respondeu educadamente, mas à altura, aos tais covardes anônimos, nas notas do livro Papéis Avulsos. Isso, porém, é assunto para outra crônica.


sexta-feira, 15 de julho de 2022

O meu celular amanheceu escrevendo grego

 

Foi hoje, 14 de julho de 2022, o dia em que meu celular cismou de amanhecer escrevendo apenas grego – inglês e grego moderno, para ser exato. Levei um susto e fiquei momentaneamente muito agoniado, pois precisava de me comunicar, por escrito e urgentemente, pelo WhatsApp, com a Câmelha, minha mulher, que está em Belém, com o Samuel, nosso caçula, mas não conseguia. A Câmelha não fala nem lê inglês nem grego. Até já lhe tentei ensinar, mas ela não quis aprender e, por isso, não sabe uma palavra sequer de grego. Diga-se, evidentemente, mais ou menos a mesma coisa, do inglês. Danou-se!


Era cedinho, não dava para ligar, porque eu, com minhas agonias tolas de sempre, não dispunha de tempo. Tinha compromisso no Ministério Público, e a She-Ra, minha cadelinha safada, acordara-me madrugada adentro, latindo zangadamente por causa de um gato sobre o muro. Perturbado, demorei-me a pegar no sono novamente e acabei acordando bem mais tarde do que planejara. Não deu outra, como tenho a mania de perseguição com as horas, fiquei desesperado. Eram 7 horas, eu tinha inúmeras coisas para fazer, inclusivamente tirar a barba, e deveria estar às 8h30 no Ministério Público. É aí que, para me completar o desespero, entra o celular bilíngue, mas sem português.


Tomei banho apressadamente, fiz a barba, coei café, joguei milho para as galinhas, pus água para a traquina da cadela, pus paletó e gravata, acordei o Daniel, para que fechasse o portão, e voei para o Ministério Público, onde participaria do evento “Diálogo sobre as eleições 2022”. Estava marcado para as 8h30, e eu cheguei, agoniado, às 8h35. Besteira minha, como sempre. Ainda não começara e, é claro, somente daí a uns 20 minutos ou mais é que começaria. Fiquei aliviado e aproveitei para configurar o idioma do celular.


Já no auditório do evento, em meio às autoridades e aos demais participantes, agora é que não poderia mesmo ligar. Teria que configurar o aparelho em português e enviar mensagem escrita. O problema é que eu não conseguia fazer isso. Na agonia, piorei as coisas: dei um comando atabalhoado e aí ficou tudo, mas tudo mesmo, em grego. Desespero total. Quase a suar no ar condicionado, momentaneamente, me esqueci de que leio e entendo o grego. Alheio a tudo, senti-me inteiramente analfabeto durante uns cinco minutos ou mais, que me pareceram uma eternidade. De tão agoniado, sentia até falta de fôlego.


Parei. Racionei um pouco e me lembrei de que sei grego o suficiente para ler e configurar o celular. Recomecei e consegui, ainda bem. Configurei e, até que enfim, enviei mensagem para a Câmelha, explicando-lhe o que me acontecera. Uf! Que alívio! E tudo isso por quê? Porque, como sou aluno de dois cursos de grego (grego bíblico e grego moderno), baixara à noite o teclado grego no celular, mas não me preocupara de configurar corretamente. Aí deu bode. A mulher e o filho em Belém, ambos em tratamento da saúde, e eu impossibilitado de me comunicar cedinho com ela – por escrito e em português, claro. Que sufoco!   


domingo, 19 de setembro de 2021

Covid lembra cova de defunto e é nome feio

 

Ficar, involuntária e obrigatoriamente, parado é terrível! Eu que o diga, depois de quinze dias de atestado médico e distanciamento social, por causa da covid-19. Febre, tosse, dor no tórax – como se fora nos pulmões – quando tossia, leve rouquidão e garganta inflamada, durante um bom tempo desses quinze dias, foram o meu pesadelo, tanto dormindo quanto acordado, mais acordado do que dormindo. Covid lembra cova de defunto e é nome feio.


Não precisei de ser internado. Consultei-me quatro vezes, duas delas na emergência, mas o tratamento foi feito em casa. Perfurações, outro nome para agulhadas de vários calibres, não faltaram: na emergência e no laboratório. Haja resiliência! O processo foi, como sempre, desagradável, porque minhas veias são muito discretas, quase secretas, aspecto que sobressai mais ainda diante da agulha e do ser de branco que – bondosa, mas sempre assustadoramente – a empunha.


Conquanto já houvesse tomado as duas doses da vacina e, como disse, não tenha sido internado, fiquei deveras preocupado em alguns momentos. A covid – que jamais poderá ser, por quem tenha o mínimo de seriedade, comparada a uma gripezinha –, somente no Brasil, tem levado milhares de pacientes a óbito, de forma traiçoeira, inteiramente inesperada. Paciente que parece estar muito bem, de repente, piora e morre.


A primeira consulta foi na sexta-feira, dia 3 de setembro, mas o abuso do plano de saúde fez que o resultado dos exames saísse somente no domingo, dia 5, ainda assim porque, com febre, tosse e dor no tórax, na manhã do domingo, fui parar na emergência. E, como sempre me atendem mal onde quer que eu vá, lá tive que me aborrecer e reclamar com a firmeza necessária. A médica que me atendeu requisitou novamente os exames requisitados pelo médico anterior, e eu – alto e bom som, vociferando mesmo – avisei que, se não autorizasse logo, o plano de saúde iria ter sérios problemas.


Resultado positivo, atestado médico de quinze dias e vários medicamentos a que se somaram a medicação cardiológica de uso contínuo e os remédios, gratuita e muito zelosamente, trazidos a minha casa por dois amigos advogados. Um trouxe cinco remédios caseiros; o outro, dois remédios da farmácia, industrializados. Tudo isso, é claro, sem cloroquina, hidroxicloroquina nem ivermectina. Ânimo para quase nada e tédio de quase tudo, amanhecia e anoitecia tomando remédios. Penso, contudo, que deu certo. Estou aqui firme e forte, graças a Deus!

quarta-feira, 5 de maio de 2021

Mudanças e as nossas listas no dia a dia

 

Eu, você – todos nós – temos as nossas listas, conscientemente ou não. Refiro-me às listas recomendadas por Oswaldo Montenegro, na música A Lista, obra de cunho existencial e, sem dúvida, uma das mais belas canções do mundo. A Lista me fala, de forma profunda, à mente e ao coração! Creio que o faça a você também, a todo mundo, digo, a todo ser humano em pleno gozo das faculdades mentais, pois é impossível que seja diferente. 

Poderia, entretanto, estar me referindo a outras listas. Por exemplo, à lista dos bons e à lista dos maus, às quais nos remetem, respectivamente, mas não necessariamente nesta ordem, A Lista de Schindler, de Thomas Keneally, e a Lista Negra, de Jon Bokenkamp. Sim, por que não? Todos nós, reconheçamos ou não, temos inúmeras listas. E, para ficarmos aqui apenas em duas dessas tantas, vale a pena refletir sobre o alcance e a finalidade das nossas listas a que nos remetem ambas, A Lista de Schindler e a Lista Negra. 

Como disse, porém, refiro-me às listas que nos encomenda Oswaldo Montenegro, precisamente à dos amigos e à dos sonhos, com os respectivos desdobramentos. Puxa vida, as minhas são enormes, quase intermináveis! E as suas, leitor? Ouça a canção ou, na impossibilidade de fazer isso, leia o poema de Oswaldo Montenegro. Caramba, fenomenal! Daria – aliás, dá – para escrever vários tratados. A cada minuto passado, já não somos quem éramos. Mudamos muito, o tempo todo, do nascimento até a morte. 

A vida tem-me ensinado muito sobre todos os aspectos, não raro, a duras penas. E, muitas vezes, tenho o terrível sentimento – talvez ingrato também – de que isto ou aquilo me foi ensinado demasiadamente tarde por ela. Dúvidas e sentimentos existenciais que violentamente me sacodem, movem e locomovem as convicções. Tenho, cada dia mais acentuadamente, muitas dúvidas das muitas certezas de muitos por aí afora, assim como tenho muito medo dos donos da verdade. 

Faça suas listas. E, mais do que isso, aprenda com elas.