sábado, 15 de junho de 2013

Roupa de carregação




Um dia desses, eu conversava sobre assuntos diversos com o Ismael Lima, um amigo de longa data e de muitos papos, lá no seu laboratório de prótese dentária, quando ele, puxando bem lá do fundo do baú, usou a palavra “carregação”. Não me lembro exatamente da frase em que a empregou, mas, pelo contexto, o correto (ou, melhor dizendo, o até agora dicionarizado) seria “de carregação”. É que falávamos de aparelho celular e ele disse que determinado celular era mesmo uma carregação, não valia quase nada.

Lembrei imediatamente de que no passado eu bem conhecera o emprego dessa palavra. Comentei com ele que, fazia muito tempo, me esquecera dela completamente, mas em família ela me fora muito comum: vira e ouvira muitas vezes, ao longo da infância, adolescência e juventude, meus pais, meu avô materno e meus tios empregarem-na, geralmente em relação a tecidos ou confecções, com o significado de qualidade inferior, tecido ou roupa bem fraca, sem durabilidade.

Tenho predileção por palavras, locuções e expressões do linguajar dos meus pais e parentes, as quais, hoje quase sempre esquecidas, ao serem ditas me lembram da vida na zona rural, mormente do meu tempo de criança e adolescente. São elas, não muito raramente, palavras, locuções e expressões oriundas, direta ou indiretamente do linguajar nordestino, já que sou filho de pai piauiense e mãe maranhense.

Era um bom motivo para ir aos dicionários, como tanto gosto de fazer. Prometi, pois, ao Ismael que pesquisaria sobre o assunto e verificaria a correção desse emprego. De fato, o fiz. Consultei o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, o Novíssimo Aulete Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa, o Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa, de Domingos Paschoal Cegalla, e, por fim, o Dicionário da Língua Portuguesa (este, da Editora Porto, de Portugal). Não era necessário tudo isso, claro, mas o fiz por diletantismo.

Pois bem. Não é correto (pelo menos, não é dicionarizado) o emprego nesse contexto da palavra “carregação”, mas, sim, da locução “de carregação”. Todos os dicionários consultados, exceto o da Editora Porto, registram a locução “de carregação”, atribuindo-lhe o significado de malfeito, mal-acabado ou de qualidade inferior. Antônio Houaiss completa sua definição dizendo, à guisa de explicação: “por ter sido feito às pressas ou ser de qualidade inferior”. Paschoal Cegalla vai, mais ou menos, no mesmo sentido ao dar, ao lado de malfeito, o significado de “mal-acabado por ter sido feito às pressas”.

No que diz respeito às abonações da Literatura, que particularmente muito aprecio nos bons dicionários, o Aurélio, na quinta edição – por sinal, a edição comemorativa do centenário de nascimento do autor –, traz em abonação um exemplo tirado do romance Fogo Morto, de José Lins do Rego. Cegalla, por sua vez, o faz com exemplo do romance Infância, de Graciliano Ramos, que transcrevo: “Jerônimo Barreto me desviou para as obras de carregação.”

De resto, quanto ao emprego popular apenas da palavra “carregação” em vez da locução “de carregação”, penso que, embora não se trate de haplologia sintática, talvez se explique pela tendência linguística natural de simplificação. É o emprego sempre riquíssimo da nossa – linda, mas de muito poucos bem-amada – Língua Portuguesa, que tanto me fascina! Não sou, todavia, linguista nem gramático, razão por que me falece autoridade acadêmica para discutir o assunto.    

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Singela homenagem a duas leitoras


Acabo de reler, no blogue http://valdinar.blogspot.com, a crônica “Dia de sol”, que escrevi e publiquei nos meus blogues dia 17 de maio de 2013. Confesso que gostei muito mais dela hoje do que no dia em que a escrevi: ficou muito boa! Bom, eu, pelo menos, gostei muito. Espero que da mesma sorte dela tenham gostado os leitores que a leram e venham gostar os que a lerem. Reli também outras crônicas recentes, dentre elas “Despertar de uma linda manhã”.

 

Meu objetivo principal com a crônica de hoje é homenagear duas leitoras muito especiais para mim, ao mesmo tempo em que lhes agradeço o carinho de sua admiração pelo meu pobre e claudicante cronicar. Uma é a Jane da Silva Palmeira, colega de trabalho na Câmara Municipal de Marabá, a quem me referi na crônica “A leitora e as minhas insignificâncias literárias”, escrita e publicada dia 22 de dezembro de 2012. A outra é a leitora Maria Selma, do Rio de Janeiro, de quem tomei conhecimento recentemente.

 

Jane, como eu disse, é colega de trabalho e sempre me fala das minhas crônicas. Fez isso hoje, por exemplo, durante a sessão da Câmara, ao me cumprimentar pela primeira vez após as férias de maio agora, quando fez elogios à crônica “Despertar de uma linda manhã”, escrita e publicada na manhã de 15 de maio de 2013. Maria Selma, para minha surpresa e alegria, me informa que mora no Rio de Janeiro e faz parte de um grande grupo de amigos que se comunicam por “e-mail” e que, assim, ela recebe semanalmente uma das minhas crônicas, que ama ler.

 

Fiquei emocionado, não posso negar, ao ler os comentários de Maria Selma, no blogue http://valdinar.zip.net, feitos na crônica “Viagens e leituras ou releituras”, nos dias 25 e 30 de maio de 2013. Dia 25, ela, dentre outras coisas, escreveu: “É um prazer ler suas crônicas. Recebo semanalmente por ‘e-mail’, tenho um círculo de amigos que trocam ‘e-mails’ e sempre vem uma crônica sua que adoro.” Também me pediu que não me esquecesse de um dia escrever uma crônica sobre a importância da troca de “e-mails”. E, como lhe perguntei, via comentário, se poderia homenageá-la citando-lhe o nome na crônica, respondeu-me, dia 30, que sim, informando-me, por sinal, que recebera por “e-mail” naquela tarde a crônica “O Dia do Leitor” (publicada dia 7 de janeiro de 2013).

 

Lembro-me sempre nessas ocasiões do que escreveu Ana Miranda na crônica “O leitor”: “Vivo só, como quase todos os escritores, eles estão sempre sozinhos mesmo quando cercados de pessoas ...” Lembro-me e digo, silenciosamente: “Não, Ana. Tu não vives só, não! Teus leitores que têm uma relação apaixonada contigo, dentre os quais me incluo, estão sempre contigo, porque te carregam na mente e no coração.” Alegra-me profundamente pensar que os meus fazem a mesma coisa comigo, embora eu nem seja escritor.

 

Jane e Maria Selma, muito obrigado! E continuem. Continuem a ler. “Quem lê poesia, romances, peças de teatro, ensaios, crônicas, de fato está lendo a vida. Aprender a ler, então, é como aprender a viver: não termina nunca”, escreve Leandro Konder. Aceitem, pois, e recebam, por favor, o beijo e o abraço do cronista, com muito afeto e profundo respeito.