domingo, 27 de fevereiro de 2011

De preferência, uma noite



“Das coisas terríveis, a mais terrível é a morte, porque é uma, porque é certa e porque é imprevisível”, diz o escritor Genival Veloso de França, que é médico, na sua já consagrada obra Medicina Legal. Puxa vida, a morte – porque é terrível e porque é imprevisível – levou-nos o romancista, contista, cronista e ensaísta Moacyr Scliar, que também era médico. Está de luto a Academia Brasileira de Letras, como de luto estão a Literatura Brasileira, a Literatura Portuguesa e a Medicina. Também de luto estamos todos nós, os admiradores das suas letras.

Nascido em 1937, tinha quase a idade do meu pai, que era de 1935. Assim, se o tivesse conhecido pessoalmente, certamente tê-lo-ia admirado muito e seria seu amigo. Pelo que conheço de sua obra, presumo que era uma pessoa de fino trato, de boa convivência.  Embora, é claro, a obra de ficção não faça necessariamente conhecidas a índole e a personalidade do escritor, diz a Bíblia que pelo fruto se conhece a árvore. Vem daí a minha convicção, do conhecer em parte a sua obra. Anoto, aliás, por julgar oportuno, que Moacyr Scliar gostava de escrever, mesmo na literatura de ficção, sobre temas e personagens da Bíblia.

Tenho livros dele e lia regularmente seus contos e suas crônicas, como frequentador assíduo da “Sala de Imprensa”, no site da Academia Brasileira de Letras, que reproduz os textos dos imortais publicados nos grandes jornais brasileiros. Os contos ele publicava no jornal Folha de S. Paulo; as crônicas, no jornal Zero  Hora, de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, sua terra natal. Guardo no meu fichário de citações está frase dele, imortalizada na crônica “Negar, não. Ignorar, sim”, publicada no jornal Zero Hora, edição de 17 de outubro de 2010: “Sonhar não é impróprio para maiores de idade.” Moacyr sonhava, como eu e tantas outras pessoas, de todas as idades, sonhamos.

Agora, ele está morto. Não podemos negar isso, velado que é neste momento, ao testemunho de muitos, o seu corpo sem vida. A despeito de, como médico, haver muitas vezes afugentado a morte e salvado vidas, um acidente vascular cerebral o levou. Moacyr Scliar morreu, como é natural morrerem todos os viventes. Podemos dizer, todavia, que ele continuará vivo conosco, na obra memorável que escreveu, nos mais de setenta livros publicados, alguns deles traduzidos em várias línguas. Sim, ele era imortal da Academia Brasileira de Letras, onde ocupava a cadeira 31, para a qual foi eleito em 2003. Sua obra, como a de Machado de Assis, de Clarice Lispector e de tantos outros, fá-lo-á conhecido e amado pela posteridade.

Propositadamente, agora, no momento em que seu corpo inerte pela ausência da vida física é velado e pranteado em Porto Alegre, no extremo sul do Brasil,  aqui em Marabá, no seio da Amazônia, quase no extremo norte, encerro esta crônica com a primeira frase do primeiro capítulo do romance Manual da Paixão Solitária, que, em 2009, lhe deu (pela terceira vez) o Prêmio Jabuti: “Um dia – ou uma noite, de preferência uma noite, a noite é mais propícia para gente como nós e para a evocação da memória que deixamos – alguém lembrará de mim.” 

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Uma tímida notinha



Está certo: o jornal publica o que quer publicar, ou, mais precisamente, o que tem algum valor e pode despertar o interesse do leitor. Isso não se discute, ou, pelo menos, não se deveria discutir. Mas, ainda assim, não entendi. Sinceramente, não entendi o porquê de o CORREIO DO TOCANTINS haver publicado apenas uma notinha muita tímida sobre as honrarias outorgadas na mais recente sessão solene da Câmara Municipal de Marabá, dia 15 de fevereiro de 2011.

Puxa, vida! Afora a meia página com o deputado federal homenageado Wandenkolk Pasteur Gonçalves e o vereador homenageante Nagib Mutran Neto, saiu apenas uma notinha muito tímida (Caderno 1, página 8, e Caderno 3, página 1, respectivamente).

Estranhei, sinceramente. Para o deputado, em forma de anúncio publicitário, meia página. Para o evento como um todo (a sessão solene em si e os 32 homenageados), apenas isto: “A Câmara Municipal de Marabá iniciou seus trabalhos legislativos de 2011 nesta terça-feira e, logo de cara, homenageou 32 personalidades com títulos de Cidadania e de Honra ao Mérito.”

Não quero que pensem (e muito menos digam) que minha crônica de reclamação seja apenas porque recebi o título de Cidadão Marabaense e não falaram de mim. É verdade: recebi o título e teria ficado feliz se houvesse sido citado. Mas, de fato, não é só por isso. Caramba! Fiz-me uma série de indagações e fiquei deveras preocupado porque não consegui responder a nem uma delas.

Algumas delas, apenas para exemplificar. Pelo visto, a matéria do deputado foi paga. Tudo bem, nada contra (nem a favor, indiferente). Mas, dentre as 32 personalidades homenageadas, o jornal não encontrou nem uma que julgasse merecedora de algum realce? A escolha dos homenageados pelo Poder Legislativo foi tão desprezível assim? E, se a matéria do deputado não foi paga, por que apenas ele? Claro, deputado é deputado, mas... convenhamos. E a sessão toda em si mesma nada teve que merecesse algumas linhas, algumas considerações, além da tímida notinha? E por aí vão, indagações e mais indagações.

Sem mágoa, mas encabulado, encafifado. Não deu, realmente, para eu entender o que aconteceu. Não somente como homenageado daquela sessão solene,  mas, principalmente, como cronista e cidadão comum, gostaria de entender o que aconteceu.

Ah!... Já sei! Aliás, ainda não me caiu completamente a ficha, mas será que aquele “logo de cara”, da notinha tímida da página 1 do Caderno 3, quer dizer alguma coisa? O que, então? Sei lá!...

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Dietinha medicamentosa

De manhã, ao acordar, tomar digoxina, Ictus, ômega 3, Aradois e Diurisa. E, mais tarde, por volta das 10 horas, não se esquecer do Fluxene. No almoço, Plaketar e ômega 3. No jantar, ômega 3. Por fim, mais ou menos às 20 horas, Ictus. Eis a dieta medicamentosa diária do Dr. Valdinar Monteiro de Souza, paciente cardiopata, que, ainda assim, é feliz da vida, a despeito de, às vezes, ser zangadão. Ou seja, são dez doses diárias de remédio, cuja ingestão se inicia ao acordar e se encerra à noite, por volta das 20 horas. De uns meses para cá, em um dia são dez doses, no outro são nove, no outro são dez, e assim por diante, pois a digoxina passou a ser tomada dia sim, dia não. Ainda bem que as doses são pequeninas.
Esses são todos em decorrência da miocardiopatia, exceto o Fluxene, que é para depressão (embora esta decorra daquela), mas, não muito raramente, ainda ando ingerindo outros mais, sempre sob prescrição médica, se me acomete outra enfermidade. Não sou hipocondríaco, é claro, nem gostaria de ser, é óbvio; sou cardiopata e não me orgulho disso (não sou doido). Alguém pode estranhar e até dizer que vivo para tomar remédios, mas, não; na realidade, tomo remédios para viver. O problema - se é que pode ser visto assim - é que, além da cardiopatia, padeço, por exemplo, de alergia respiratória e reumatismo, apesar de ser um indivíduo até bonitão (risos bem discretos, devidos à modéstia que é grande), e tomo remédios, por ordem médica, para curá-los ou, quando não, aliviá-los.
Desde agosto de 2008, sou cardiopata e consumo diariamente esse amontoado de remédios. Já falei disso muitas vezes a parentes, colegas e amigos; também já o fiz em crônicas, como, por exemplo, “A Droga Minha de Cada Dia”, que publiquei há algum tempo. Estou falando (aliás, escrevendo) de novo. Primeiro, simplesmente porque o quero. Segundo, porque, me lembrando agora de que falei disso ontem a meus irmãos de Maçonaria, resolvi escrever esta crônica sem graça e sem gosto, até para, citando os medicamentos, demonstrar (notadamente a quem porventura duvida) como é que tomo remédio dez vezes por dia ou mais, quase todos os dias.
É remédio que não acaba mais! Já faz algum tempo que, sempre ao ir à consulta com outros médicos e ao laboratório, para fazer exames, levo a receita do cardiologista, para não correr o risco de me esquecer de algum dos remédios que tomo. Às vezes, acho até graça disso. Fazer o quê? É a vida (que continua; nós é que passamos). Most things turn to ashes when burned (todas as coisas viram cinzas quando queimadas). Alguém duvida? Eu duvido: nunca vi cinza de gasolina.
Ah!... Outra coisa, antes que dela me esqueça. O nome do princípio ativo dos medicamentos (como digoxina, por exemplo) é escrito com inicial minúscula; a marca, não; a marca escreve-se com inicial maiúscula. É isso (imitando o Professor Pasquale Cipro Neto, a quem muito admiro, mas não tem a patente nem o direito autoral dessa frase, conquanto goste muito de escrevê-la e dizê-la nos seus programas e nas suas  crônicas sempre muito elegantes).

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

A despedida do palacete



O dia 22 de dezembro de 2010 foi para mim um dia funcionalmente atípico, conquanto inicialmente tudo parecesse, digamos assim, normal. Despertei um pouco cansado, como ultimamente me tem acontecido. Dormira tarde, como de costume e, demais disso, estava alérgico, com obstrução nasal e muita coceira nos olhos. Preferiria, por tudo isso, ficar mais um pouco na cama, embora, contrariando os reclamos do corpo fisicamente cansado e emocionalmente abalado, não pudesse fazê-lo.

Quase sem querer nem poder, levantei-me. A despeito da indisposição, não poderia deixar de ir para o trabalho, pois precisava responder a um ofício do Ministério Público e, mais do que isso, tinha de esvaziar as gavetas, encaixotar o computador, os livros e demais objetos pessoais para a mudança de prédio: o Poder Legislativo deixaria o Palacete “Augusto Dias”, na Marabá Pioneira, e mudar-se-ia para o novo prédio, bem mais moderno e luxuoso, no bairro do Amapá.

Avesso a mudanças, uma vontade quase mal-agradecida não me permitia ficar alegre. Embora talvez não pareça, sou mesmo um romântico quase incorrigível, excessivamente apegado às coisas, pessoas, lugares e instituições. Sempre fui. Estava por isso um pouco tenso, nostálgico e, conquanto fizesse por dissimular, ligeiramente desanimado, afinal ia deixar definitivamente o lugar que ocupava, desde 1.º de abril de 1998: a salinha contígua ao Plenário “Dr. Demósthenes Azevedo”, no primeiro piso do Palacete “Augusto Dias”, onde na companhia de vários outros colegas (Maria do Carmo, Alda Maria, Aquiles, Débora, Vanessa e Claudinha) sempre trabalhei, primeiro como técnico legislativo, depois como procurador jurídico.

Pois bem. Cheguei à sala e meu estado de ânimo não melhorou, piorou. Tudo estava naturalmente desarrumado: caixas de documentos espalhadas pelo piso, pacote daqui, pacote dali, o computador da Alda já desligado e empacotado, a Alda e a Claudinha rodando de um lado para o outro, meio aflitas como duas baratas tontas. Caramba, mudança é mudança!

Não havia clima para trabalhar, nem adiantaria tentar. Não fiz, portanto, o ofício para o Ministério Público e tive, enfim, que, vencendo a resistência, desligar o computador e encaixotar livros e demais pertences. A Alda e a Claudinha precisaram sair antes e me deixarem sozinho, tal qual gato na tapera ou cachorro sem dono, o que faz aumentar sobremaneira minha angústia, meu desânimo. Se precisava sair de lá, tinha de agir logo para fazer isso. Assim o fiz.

Arrumadas as coisas, deixei a sala, já bem tarde. Ao sair no corredor, lembrei-me de que estava saindo da minha sala pela última vez! Não resisti, voltei lá e, calado, olhei tudo novamente por algum tempo. Não pude deixar de me emocionar: seria a última vez que sairia dali como minha sala! Olhei para o relógio e marquei a hora: eram 13h10. Sentindo um nó na garganta, me retirei. Depois, já na Avenida Antônio Maia, no táxi-lotação que me levaria ao novo prédio, peguei o celular, liguei para a Câmelha, minha mulher, e, com voz embargada, exclamei: Acabo de deixar o Palacete “Augusto Dias”!...

É isso. Foi assim minha nostálgica despedida do velho palacete, da qual falaria à noite, já no prédio novo, ao discursar da tribuna da Câmara, na sessão solene de homenagem aos artistas da terra. Para muitos isso pode parecer tolice ou coisa sem sentido, mas para mim tem significação inexprimível. Mas eu sou assim mesmo: um romântico, cheio de muitas paixões, que, sem ser piegas, muito se apega às pessoas, coisas, lugares e instituições. E gosto de ser assim. Pouco se me dá se há quem pense e aja diferentemente.