terça-feira, 31 de agosto de 2010

Certeza? Talvez, sei lá!...


Não sei por que me deu vontade de escrever isto. Sinceramente, não sei, mas o faço. Talvez seja porque não me acode no momento outro assunto, outra ideia para uma crônica. Não, não é. Não é isso, porque ideias e assuntos até os tenho demais. Talvez seja esse o problema. Talvez, mas não é certeza. E aqui vem à memória o que escreveram sobre certeza Pasquale Cipro Neto e Lygia Fagundes Telles, que, aproveitando o ensejo, compartilho com meu leitor, por julgar muito interessante. “Ouça, leitor: tenho poucas certezas nesta incerta vida, tão poucas que poderia enumerá-las nesta breve linha” (Lygia Fagundes Telles, “Então, adeus!”). “Em tudo na vida, a certeza quase sempre não passa de mero engano” (Pasquale Cipro Neto, “Vezeiro, sicrano, supetão”). Caramba!

Algum leitor, a esta altura, talvez esteja a pensar que pretendo dizer ou discutir os conceitos de certeza e de verdade ou até mesmo o de preconceito. Talvez! Enganou-se, todavia, quem o fez. Não os quero conceituar e tampouco discutir-lhes os conceitos existentes. Também não quero, por incrível que pareça, ser amargo. Eu só queria registrar aqui e agora, hic et nunc, o ter muitas incertezas nesta vida incerta, como disse a imortal Lygia Fagundes Telles. Daí usar tanto neste texto, deliberadamente, propositadamente, o advérbio talvez. Eu tenho dúvidas, medos e angústias. Quem não os tem?

Pretendia, demais disso (e ainda não desisti do intento), concitar o leitor a duvidar de certas verdades e certeza absolutas que são apresentadas nos mais variados aspectos da existência e do agir humano. The benefit of doubt, o benefício da dúvida. Não no sentido juridicamente empregado, do in dubio, pro reo, mas filosoficamente. A dúvida, quando sincera, é benéfica e produz bons resultados. O mundo é movido por dúvidas e perguntas, que levam à investigação, embora não necessariamente à verdade ou à certeza absoluta. A Bíblia, para quem nela crê, dá o exemplo da dúvida sincera e benéfica de Tomé.

Duvide, meu leitor, questione, investigue, perquira, pergunte e avalie a resposta! Mas, antes e acima de tudo, saiba ouvir. Seja simpático para com a verdade, a crença e a justiça do outro, pois simpatia, longe de significar concordância, significa negação da discordância cega ou obstinada. Gosto muito, por isso, da “Canção ecumênica”, de autoria do padre Zezinho, interpretada pela cantora Faride, que nos manda “respeitar os ateus”.

Não sou ateu nem cético nem coisa que o valha, mas, há muito, ando a desconfiar e mesmo a desgostar da certeza de muitos. Não raro, verdades, certezas e preconceitos se têm confundido nas sendas tenebrosas da mente obscurecida de quem se julga o suprassumo da sumidade. Como Sócrates, cada dia mais, só sei que nada sei, e tenho medo, muito medo, das certezas e verdades dos que tudo fazem para negar ou fazer calar a certeza ou verdade dos outros. Tenho medo, muito medo, dos donos da verdade.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Fora do ar, desconectado e com saudade

É noite de 24 de agosto de 2010, 19h29, para ser exato. Em casa, na minha sala de estudos, como de costume, estou sozinho. Tudo está diferente, porque estou sem net, (damo-nos o direito de já usar essa redução para internet, que poucos ainda chamam de rede mundial de computadores). Emprestei meu modem a minha mulher, que o levou para a escola e só retornará após as 22h30. Não estou gostando nem um pouco da situação: estou desligado (desconectado, para ser coerente como internauta) das pessoas com quem costumo conversar a esta hora, se não todos, quase todos os dias. Fazer o quê? Estou fora do ar, desconectado e só me resta esperar!

Caramba, como está ruim! Dou-me conta, de repente, do quanto estou viciado em internet e, mais do que isso, de como nós, todos os humanos, nos fazemos dependentes dessa coisa, às vezes boa e às vezes ruim, chamada tecnologia. A tecnologia, não resta dúvida, facilita demasiadamente a nossa vida e, por isso, quando nos vemos privados, ainda que momentaneamente, de certos hábitos proporcionados por ela, ficamos incomodados, impotentes até, e sofremos sobremaneira. Como pode? Eu hein!... Que coisa mais preocupante e assustadora!

Lembrei-me de que antes, ainda não faz muito tempo, desgostava a não mais querer da geringonça engenhosa e utilíssima inventada por Graham Bell. É verdade! Eu simplesmente detestava o telefone e, por isso, resisti até não mais poder a pôr telefone em casa e a usar o celular, embora hoje não viva sem eles. Carrego dois aparelhos celulares o dia inteiro e durmo com eles ligados ao pé da cama. Como pode? Os homens mudam (e as mulheres também, óbvio)! E veja o leitor que, com dois celulares apenas, ainda sou modesto, pois conheço pessoas que não se apartam jamais de três, quatro ou cinco. É mole, ou quer mais?

Parado, aqui sozinho (meus filhos estão na sala ao lado), fico pensando não só na dependência tecnológica, mas também nas várias outras muletas que fazemos incorporar ao nosso ser e, uma vez sem elas, ficamos de todo atrapalhados e, não raro, impotentes, incapacitados para muitas coisas: o celular, o notebook, o pen drive e outros produtos tecnológicos do mesmo jaez, mas também os óculos (para muitos como eu) e, para não me alongar muito na lista, a chave da gaveta! O homem é mesmo um ser imperfeito. Sou homem e, por isso, um ser imperfeito. É por isso que, tal qual você, eu me faço depender, com ou sem razão, de tantas coisas.

Batem e chamam à porta. Vou ver quem é e interrompo, com alegria, minhas lucubrações, pois é o reverendo Hideraldo Cordeiro de Melo, pastor presbiteriano, meu irmão em Cristo e grande amigo, que já foi meu pastor em Marabá e hoje mora em Macapá, Estado do Amapá! Que alegria! Que coisa boa! Conversamos muito sobre muitas coisas, embora estejamos apressados e preocupados com a exiguidade do tempo, dado que ele terá de ir para o aeroporto às 22h30, retornando para Macapá.

Agora são 21h44. O pastor Hideraldo foi embora, a Câmelha ainda não chegou da escola e eu continuo sem net. Amanhã, às 10h30, tenho consulta com meu cardiologista, Dr. Cesar Antonio Rodriguez Montes, peruano, radicado no Brasil. Fica esta crônica como registro, a qual será publicada nos meus blogues tão logo me chegue às mãos o modem. Tudo valeu a pena, e muito. Só a saudade dos amigos da internet me incomoda muito e dá um aperto no coração.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Cachorro caído

Carlos Heitor Cony, na crônica “Cachorros atropelados”, lembra Manduca, irmão da escritora paraense Eneida de Morais, autora de Aruanda e Banho de Cheiro, dentre outras obras interessantes. Eneida era cronista e infelizmente foi também contemporânea de cárcere do romancista Graciliano Ramos. Tenho por ela admiração profunda, porque soube dignificar o Pará, a exemplo do maestro Waldemar Henrique, como de outros tantos paraenses ilustres.

Pois bem. Cony, com seu jeito invejável de cronicar, diz na crônica que se sente um cachorro caído e vencido na vida, razão pela qual, ainda que não houvesse aprendido de seus ancestrais que não se deve chutar cachorro atropelado, ele, por si mesmo, decerto não o faria. Não chutaria cachorro atropelado nem cachorro caído e vencido pela vida, por ser um deles. Caramba! Sou fã do cronista Cony, como o sou dos cronistas José Sarney, Moacyr Scliar, Ana Miranda e João Ubaldo Ribeiro, dentre outros. A crônica - já o disse inúmeras vezes - é o meu gênero literário preferido.

Misericórdia! Se, de verdade, o Cony, com tanto sucesso, sentir-se um cachorro caído e vencido pela vida, que dizer do cronista meia-tigela que rabisca esta insignificância literária, e de tantos outros reles desconhecidos por aí? Não pode ser. É, com efeito, mais uma das brincadeiras do estilo conyano. Ora, veja bem o leitor que cachorro, no significado etimológico da palavra, não chega nem a ser cão. Cachorro não é cão, etimologicamente falando, cachorro é filhote de cão: cão é cachorro adulto. Danou-se!

Está aí! Cony disse (aliás, disse, não: escreveu) uma coisa que muitos sentem, mas não têm a coragem de dizer: sou um cachorro, ou mesmo um cão, caído e vencido pela vida. Eu mesmo, com tristeza o confesso, tenho pensado isso várias vezes. E, o que é pior, pensei de verdade; não de brincadeirinha como penso que ele o fez. Sei, obviamente, que não sou cachorro: sou um corpo humano alquebrado e amortecido pelos anos. Mas isso, do ponto de vista material, não faz muita diferença, porquanto, biologicamente falando, homem e cachorro ou qualquer outro animal, notadamente quando mortos, são iguais.

Tudo isso me fez relembrar que, na sessão maçônica mais recente, aprendi uma lição simples, mas muito interessante: cada pessoa tem o dever de preencher com dignidade a porção que lhe cabe no Universo. Puxa vida, muitos não se preocupam com isso! E não o fazem porque, da baixeza de sua ignorância, ingenuidade ou coisa que o valha, pensam que são alguma coisa, biologicamente falando, muito além de cães, de gatos e até de outras pessoas (que também são animais). “Tudo pode acontecer na vida de uma pessoa que tem um gato e ele se chama José”, deixou perenizado em uma crônica Eneida de Morais.