segunda-feira, 27 de outubro de 2008

APENAS PARA CONVERSAR

Como escreveu Innocêncio de Jesus Viégas (assim mesmo: com dois “n”), “é bom ser amigo de alguém e ter a satisfação de ser reconhecido como tal”. Viégas, que escreveu essas palavras (bonitas e de significado profundo) na crônica “A Sabedoria do Mendigo”, publicada no jornal maçônico O Esquadro e, depois, no livro de crônicas Contos, Cantos e Encantos, meu irmão maçom e amigo caríssimo, é membro da Academia de Letras do Distrito Federal e da Academia Maçônica de Letras do Distrito Federal. Maranhense radicado em Brasília, membro da Igreja Anglicana, também é teólogo e economista.

Pois bem. É domingo, 26 de outubro de 2008, 23h22. Acabo de jantar, após chegar da igreja (Igreja Presbiteriana do Brasil, denominação a que pertenço). Com saudade, pego o telefone e ligo para o Rev. Hideraldo Cordeiro de Melo, que foi meu pastor em Marabá e, já faz quase um ano, foi para Pacajá, cidade que, para quem porventura não sabe, também fica no Pará. Papo vai, papo vem. Notícia de lá, notícia de cá. Conversamos por mais de vinte minutos sobre assuntos diversos: família (a dele e a minha), igreja, projetos dele, minhas crônicas, meus blogs, minha saúde, enfim, sobre assuntos de amigos crentes.

Como de costume o faço, liguei apenas para conversar com o irmão, sem assunto específico. Sinto a necessidade, de vez em quando, de fazer isso. Pego o telefone e ligo (para irmãos de fé, irmãos maçons e amigos), sem assunto específico, apenas para conversar. Para mim é extremamente gratificante conversar, desinteressadamente, com meus colegas e amigos, pessoas que me são caras, pessoalmente ou por telefone. É um luxo que o telefone me permite. Tão prazeroso quanto ler um bom livro ou escrever uma crônica.

O Rev. Hideraldo, que, em Marabá, pastoreou a Igreja Presbiteriana Filadélfia durante alguns anos, é muito amigo e tem sido instrumento de Deus para me abençoar, a mim e a minha família. Os pastores evangélicos são, na medida das limitações humanas, o porto seguro dos fiéis nas necessidades mais diversas, nas horas de dor. Aliás, corrigindo minha afirmação, não sei se nas demais denominações cristãs e em outras religiões é assim, mas em igrejas evangélicas como a minha os pastores têm real proximidade com os fiéis e compartilham de suas alegrias, suas dores, problemas e necessidades. Creio que nas demais igrejas e religiões seja do mesmo jeito.

Minha mulher e meus filhos estão deitados, talvez já dormindo, parece que somente eu estou acordado. Desligo o telefone e fico, ao computador, meditando nas coisas boas da vida, nos pessoas de bem. A vida é boa, ruim é o outro, quase sempre. Existem pessoas (para mim, a maioria) que, em vez de buscar fazer o bem, gastam inutilmente a maior parte de seu tempo, quando não o tempo todo, fazendo ou pensando em fazer mal aos outros. As maiores complicações do ser humano não vêm da natureza em si, o maior problema do homem são as pessoas ruins. Mal vizinho, então?... Misericórdia! Inimigos?... Coisa do diabo! Eu que o diga, com experiência, pelos maus vizinhos e inimigos gratuitos que tenho! A Bíblia me manda orar por eles, mas, como homem de carne e osso, tenho às vezes a vontade de matá-los à bala.

Consulto livros de Direito e obras diversas da nossa literatura, permanecendo absorto por longo tempo. Quando olho a hora no computador, vejo, espantado, que já são 3h12 pelo horário brasileiro de verão, ou seja, 2h12 em Marabá. Preocupado com a hora já adiantada, vou dormir. Ah, sim!... O Viégas tinha um galo muito estimado, o Pavaroti, também carinhosamente chamado “Velho Pava”, e uma galinha, a Edith Piaf, os quais foram cruelmente mortos por uma cadela enfurecida, como Viégas chorosamente contou na crônica “Do Pavaroti e da Piaf... só saudades”. Mas isso já é outra história.

sábado, 25 de outubro de 2008

IMPUNIDADE E VIOLÊNCIA

“Só o crime se sente em segurança.” Essa frase, hoje mais verdadeira do que nunca antes, é de Rachel de Queiroz, encerrando a crônica “Os salteadores à solta na floresta urbana”, publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, de 2 de novembro de 1990, e pela Revista da Academia Brasileira de Letras (ano 90, volume 160), edição de julho a dezembro de 1990. É a penúltima frase do texto, com a qual Rachel protesta contra a violência impune dos maus a que estão submetidos os bons.

Dias depois, Abgar Renault, imortal da Academia Brasileira de Letras como Rachel, faria menção especial dessa crônica, na sessão de 21 de novembro de 1990 da Academia, dedicada à comemoração dos 80 anos de idade da autora. Ele, aliás, não apenas mencionou a crônica “Os salteadores à solta na floresta urbana”. Fez mais do que isso: ele a leu. E, do alto da sua autoridade de imortal, a classificou literariamente, dizendo “que é uma página realmente extraordinária em toda nossa literatura, embora tenha sido escrita como uma crônica”.

É fato, e contra fatos não há argumentos. Na crônica, após sumariar a insegurança que reinou em todos os sentidos nos séculos passados, Rachel de Queiroz, indignada, fala da insegurança e da violência geradas pela impunidade de nossos dias. Semelhantemente, 2.700 anos atrás (por volta de 710 antes de Cristo), como diz a Bíblia, falou o profeta Oséias: “O que prevalece é perjurar, mentir, matar, furtar e adulterar, e há arrombamentos e homicídios sobre homicídios” (Oséias 4.2).

Rachel chora o choro de todos nós, brasileiros do século XXI: “A casa do cidadão deixou de ser o seu castelo. Os transportes públicos são mais vulneráveis a ladrões e assassinos que outrora as florestas infestadas de salteadores. O assaltante vem te buscar na tua cama, na cozinha, no escritório. O recesso do lar passou a ser uma metáfora cômica. As prodigiosas invenções da ciência não nos protegem em nada. O homem anda no espaço sideral com menos risco do que tomando um ônibus na sua rua. Não há habitante de qualquer cidade que não tenha a contar suas experiências pessoais de violência, assalto, tiros, facadas, seqüestro.”

O que ela descreve é o atual cotidiano amargurado de todos: a violência que afronta, assusta, humilha e mata, perpetrada por seres indignos da classificação como humanos. Aliás, o indivíduo que, na baixeza de sua sanha cruel e imunda, assalta, estupra ou comete outros delitos da atualidade não pode ser classificado como animal irracional, pois os animais irracionais não cometem tais barbaridades.

Não faz muito tempo, a casa, como a igreja, era tida por lugar seguro, acolhedor e protetor. Prova disso era o dizer popular que já não tem sentido algum: “Em casa, na cama, ou na igreja, rezando, é que não estava.” Dizia-se isso ante a notícia de que algo ruim acontecera a alguém, querendo-se dizer que em casa e na igreja a pessoa estaria a salvo e protegida. Bons tempos aqueles! A casa, em nossos dias, já não é de fato o asilo inviolável, o recanto indevassável e protetor. Além da violência física, que dizer das escutas telefônicas clandestinas? Rachel tinha razão: “Só o crime se sente em segurança.”

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

OS ANOS CORROMPEM O SONHO

Li Saudades Mortas, de José Saney, imortal da Academia Brasileira de Letras. É um livro de poemas e sublinhei com caneta vermelha, como sempre faço, inúmeros versos, frases, orações, períodos. Faço isso já há alguns anos. Meus livros são riscados de caneta vermelha, com o que acrescento realce àquilo que me chama a atenção ou entendo ser essencial no texto que leio. De Sarney, também estou lendo os livros de crônicas Canto de Página e Sexta-feira, Folha. A crônica é o meu gênero literário preferido, e gosto de Sarney como cronista.

Uma frase que muito me chamou a atenção em Saudades Mortas foi esta: “Os anos corrompem o sonho.” É um verso do poema "A menina do retrato". Essa frase, que também é oração e período simples (lembrando aqui o trivial da Gramática: nem toda frase é oração, nem todo período é simples), tem significado profundo, dentro e fora do contexto.

Os anos têm-me corrompido os sonhos, e sonho corrompido não é sonho; pelo menos deixa de ser sonho puro em qualquer das acepções da palavra. Os anos matam os sonhos, quando não os concretizam. E muitos dos meus sonhos têm morrido, dia após dia, até porque o ser humano muda de idéia com a idade, não só porque se desilude, mas também porque amadurece. “Vaidade de vaidades, tudo é vaidade”, disse na profundeza de sua angústia, desilusão e também sabedoria, ao que tudo indica, no fim da vida, o escritor de Eclesiastes.

Triste do homem, da mulher ou, genericamente, do ser humano que já não tem sonhos vivos, para vivê-los. Ter os sonhos mortos dia após dia é também morrer com eles, pois somente na busca de realização dos sonhos é que o ser humano se encontra, vive. Daí a imensidade (imensidão, se alguém assim o prefere) dos que se perdem! Deixar de sonhar é deixar de ser humano, no mínimo, deixar de ser um ser humano normal.

Eu tenho sonhos, ainda os tenho. Mas, às vezes, me vejo entediado e desiludido com as pessoas, o discurso religioso, o discurso político, o bandido que se faz passar por autoridade com laivos de pureza e honestidade de propósitos, e que é reconhecido como tal, como autoridade. Há muito, tenho ao mesmo tempo medo e vergonha do Estado, sentimentos estes que me atormentam em duas dimensões, saber: como agente do governo e como povo. Sem hipocrisia, sem falso moralismo, mas também sem ingenuidade, sem covardia, sem papas na língua: o Brasil não é um país sério!

Estado é povo, governo e território. E, por causa disso, algumas pessoas, como é o meu caso, estão ligadas duas vezes ao mesmo tempo a esse tal monstro, tantas vezes imoral, corrupto e omisso. A ele se ligam compulsoriamente como seus habitantes e como seus agentes.

Quem, pelo menos uma vez na vida, não sentiu vergonha de ser brasileiro, diante de tantos desmandos, maldade, corrupção, imoralidade, e omissão? Só mesmo um nefelibata (também se diz nefelíbata), que nem sabe onde vive, porque está sempre no mundo da lua! O Estado brasileiro, na acepção mais ampla do termo (município, estado-membro e União) e suas instituições, também quase sempre imorais, corruptas e omissas, despertam-me, além do medo e do asco que já me são crônicos, sentimentos outros os mais primitivos.

Tenho ojeriza a essa coisa chamada Estado (povo, governo e território), porque ela é culpada, na pessoa do povo e do governo, por quase tudo de ruim que existe. Ao contrário do que ingenuamente se pensa ou hipocritamente se diz, a maioria das pessoas, governantes ou governadas, não são boas e honestas: são imorais, corruptas, covardes e omissas. Negar isso é tentar cobrir o Sol com a peneira, o que, nem é necessário dizer, é impossível.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

ESQUECIMENTO INVOLUNTÁRIO

Pego na minha biblioteca um exemplar do livro Retalhos de Poesias, de Aziz Mutran Filho, poeta marabaense que se foi do nosso meio, deixando tristeza e saudade. Releio mais uma vez, com um misto de saudade e dor pelo sentimento da perda irreparável, a dedicatória que ele fez para mim, um dia de manhã quando cheguei à Câmara Municipal, onde trabalhávamos e ainda trabalho: “Para o ‘crânio’ desta Casa, Valdinar, meu estimado colega, com humildade. Em, 05-05-00.” Embaixo a sua rubrica.

São 23 horas de um dia qualquer da minha vida: quarta-feira, 15 de outubro de 2008, para ser mais preciso. Fico parado por algum tempo, lucubrando, pensando nas conversas que tivemos como colegas de trabalho, na admiração que ele bondosamente demonstrava pelos meus pobres artigos e crônicas, na sua inesquecível camaradagem, no seu peculiar empenho em servir, na sua hipossuficiência, na sua indisfarçável revolta pela ingratidão de muitos, pelas agruras da vida. De repente me dou conta de que esqueci o dia de seu falecimento e, por conseguinte, tenho de consultar anotações para relembrar que foi o dia 5 de março de 2003. Faz, portanto, mais de cinco anos que ele se foi e nos deixou a todos, parentes e amigos. Que coisa!

Não é ingratidão minha nem descaso, é a realidade da vida: esqueci a data da morte de Aziz porque o homem é falho, falível, imperfeito e se esquece de fatos, pessoas e acontecimentos com naturalidade. É o efeito da perecividade, que é ínsita a todo o ser vivente, a ânsia de morte que persegue o homem e o acompanha do berço à sepultura. Esquecer é também matar e morrer ao mesmo tempo: morrem por um só ato, consciente ou inconscientemente, quem esquece e quem é esquecido. E, como diz o médico e escritor Genival Veloso de França, “a morte não é um momento ou instante, mas um processo gradativo que não se sabe quando se inicia ou quando termina”.

É certo que determinados indivíduos são lembrados pela posteridade durante séculos e séculos, mas isso não é a regra. A regra é o esquecimento com o passar de poucos anos. Para ser lembrado ou, se alguém assim prefere, para não ser esquecido é indispensável fazer por deixar algo que seja mais duradouro do que a própria vida, a qual é muita curta. Nem todo dia, porém, nasce um Sócrates, ou Platão, ou Aristóteles, para não sair da Grécia Antiga; ou um Duque de Caxias, ou Rui Barbosa, para ficar em nosso arraial.

Sic transit gloria mundi! Traduzindo, para quem não sabe: “Assim passa a glória do mundo!” O comandante de hoje será o inativo sem comando de amanhã. Tudo é efêmero, tudo é passageiro, tudo é transitório. Os homens passam, os amigos e parentes os esquecem, e só as instituições ficam, mas também as instituições morrem e, mortas, desaparecem.

Aziz, como ele mesmo dizia, foi um dedicado servidor dos interesses alheios, típica escada humana, sem tempo e sem espaço para se dedicar a si mesmo. Talvez seja por isso que, macabramente, doentiamente, sempre foi um enamorado da morte, que a buscava com paixão e tinha plena consciência disso. Pobre Aziz, de tanto buscar a morte morreu cedo, tresloucadamente!

Dizem muito da sua personalidade, por exemplo, o inédito poema “Amanhã”, de outubro de 2001, e o curriculum vitae, escrito em prosa mais poética do que muitos e muitos poemas e posto à guisa de prefácio do livro Retalhos de Poesias. Analisar isso, no entanto, é outra história e, mais do que a insignificância literária desta crônica, exigiria um longo artigo acadêmico. Oxalá alunos e professores do curso de Letras da Universidade Federal do Pará ainda o façam!

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

SONHOS E COBRANÇAS

Calado, guardei, por mais de seis anos, pensando em pôr num quadro, um cartaz da Editora Vida, com uma jarra de plantas e, dentre outras palavras e expressões, os dizeres de 2 Coríntios 9.6: “O que semeia pouco, pouco também ceifará, e o que semeia com fartura, com fartura também ceifará.” E pus. Demorou, mas mandei fazer o quadro. Sou assim, gosto de pensar calado. Não sei se isso bom ou ruim. É, contudo, o meu jeito de ser. Às vezes, sem comentar com quem quer que seja, fico anos e anos pensando em fazer algo, até coisas simples, que ninguém chega a imaginar. E, quase sempre, faço. Não desisto facilmente dos meus projetos.

É indispensável, contudo, ouvir as pessoas que nos são próximas, pois nem tudo pode ser como se gosta e o que se pensa nem sempre está correto. Vem daí o ser importante e necessário externar a parentes e amigos os sonhos, projetos e coisas que se pensa em fazer, realizar. É o que tenho feito, como ironicamente se diz, “por livre e espontânea pressão”. É que minha mulher me acusava de não pensar sobre o futuro. E, como lhe respondesse que pensava sim, mas pensava calado, ela passou a exigir (com toda a razão, é claro) que lhe declinasse o que pensava sobre este ou aquele assunto. E, assim, foi ficando sabendo que, a despeito de nada haver comentado, já me ocupava do assunto x ou y, havia às vezes cerca de três, quatro ou mais anos.

Todas as pessoas normais têm sonhos: umas sonham mais, outras, menos, mas todas sonham. Sonhar faz bem, porque a vida perde o sentido se já não há sonhos. Aliás, isso me traz à lembrança o verso do poema “A menina do retrato”, de José Sarney, que diz: “Os anos corrompem o sonho.” É verdade. Alguns dos nossos sonhos são realizados, outros são corrompidos ao decorrer dos anos e fenecem, são expungidos de nós. Outros, por sua vez, descem inconclusos à sepultura com que os sonha.

Mas não é só isso. Descobri com o tempo que alguns de meus sonhos não eram, como não são, somente meus, mas também dos parentes e amigos. Isso às vezes estimula e às vezes faz correr um arrepio nos cabelos e um frio na barriga, pelo peso da responsabilidade e da cobrança que o só lembrar representa. Todos nós temos, com efeito, a obrigação de dar contas de nós mesmos aos parentes e amigos, senão também à sociedade, o que sobremaneira me incomoda e assusta.

Meus sonhos não são apenas meus, como os seus, caro leitor, não são apenas seus: são também os sonhos de outras pessoas, muitas das quais em nada ou quase nada contribuem para sua efetiva realização (algumas até atrapalham e muito). A vida é, a um só tempo, cobrar e pagar: cobra-se e cobra-se; paga-se e paga-se, e, não muito raro, ainda se morre devendo. Há cobranças justas e, portanto, devidas, mas há também cobranças injustas, indevidas, ilegais e absurdas. Pais que cobram dos filhos, filhos que cobram dos pais, cônjuges que se cobram mutuamente, amigos que cobram de amigos, sociedade que cobra até de quem nada lhe deve.

O romance O Sertanejo, de José de Alencar, que tive o prazer de ler em 1979, nos dá um exemplo expressivo desse eterno cobrar e pagar, que acabou em tragédia. O capitão Marcos Antônio Fragoso, um dos personagens, entra em guerra com outro coronel do Nordeste, o capitão-mor Gonçalo Pires Campelo, a pretexto de ter de dar contas de si aos parentes e amigos, defendendo-se de uma afronta recebida, e sofre esmagadora derrota.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

REMINISCÊNCIAS E ROSTOS ANÔNIMOS

Movido por reminiscências que me sacodem as convicções, quero homenagear os anônimos de toda a vida, dizer do valor que eles têm. Meu pai, lavrador já falecido, gostava de citar em abono de suas idéias o ditado: “Ver e não conhecer é ruim, não saber o nome é pior.” Do outro lado do plano intelectual, o erudito juiz federal José Carlos Garcia fala do “rosto coberto do braço impessoal que decepa a cana”, no livro De Sem-rosto a Cidadão, que li em 2004, e Genival Veloso de França, médico, escritor e professor renomado, escreveu, à guisa de capítulos do seu livro Direito Médico, o “Salmo para um cadáver desconhecido” e o “Salmo para um indigente”. É o clamar de três classes a favor do anônimo e contra a teia voraz do descaso e do esquecimento.

Essas reminiscências iam e vinham nas longas reflexões a que me entreguei (ou que tomaram conta de mim) durante a recente internação no Hospital Climec a que fui submetido. Lembranças da infância, adolescência, juventude e da vida inteira até aqui. Coisas que ora me entristeciam, ora me embeveciam a alma e, nos momentos de esperança, faziam aflorar o desejo de escrever uma crônica, várias crônicas, idéia reforçada várias vezes, dia e noite, ao fecharem a porta atrás de si, nas muitas vezes em que me atenderam, as enfermeiras e zeladoras do hospital.

Quase tudo na vida é fruto da união sistemática dos esforços de pessoas diversas, não obstante, com mais freqüência do que se imagina, o agir da maioria passe despercebido e não logre jamais ter reconhecido o mérito de que é credor. Assim é no hospital, na igreja, no quartel, na fábrica, na escola, enfim, em todos os lugares e segmentos da atividade humana. É grande a multidão dos anônimos, massa informe de relegados ao esquecimento, sem-voz, sem-vez e sem-glória, a servirem de escada ou trampolim para os (bem mais poucos) poderosos.

O hospital não funcionaria se não fora o sem-número de pessoas existentes além dos médicos: enfermeiras e enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem, porteiros, atendentes, zeladores e administradores, não necessariamente nessa ordem. E essa é a regra, a valer para os outros segmentos, lugares e instituições. Não se pode esquecer, por certo, de que em todos os lugares há também pessoas ruins, desonestas, criadoras de problemas, que atendem mal e fazem de tudo para dificultar a vida do semelhante. Essas, contudo, são a praga, a erva daninha, indignas, portanto, da nossa lembrança. “O ruim por si mesmo se destrói”, já diz a sabedoria popular.

Os rostos anônimos e braços impessoais de todos os lugares, indivíduos aos quais não se conhece e de quem nem sequer se procura saber o nome, servem com bondade, zelo, amor e dedicação a toda a prova. São pessoas que, não raro, desconhecem a palavra mais-valia e abnegadamente esquecem ou relegam ao segundo plano e em proveito de terceiros, até onde lhes é possível fazê-lo, os próprios dramas do dia-a-dia e problemas pessoais.

O açúcar que adoça o cafezinho é resultado, como produto final, da cana que um dia, em algum lugar, foi plantada, depois decepada e, depois ainda, esmagada pelo mover do braço impessoal de rosto anônimo. Também o é, sem pôr nem tirar, o álcool que faz andar o carro. E assim é em relação a quase tudo na vida. Do nosso conforto, lazer e bem-estar, devemos muito mais do que imaginamos a pessoas que às vezes passam por necessidades e sofrem privações de toda a sorte neste mundo de injustiças e desigualdades a cada dia mais recrudescentes.

Este sentimento de gratidão aos muitos anônimos a quem devemos tanto da nossa vida me faz recorrer a um dentre os muitos livros da minha biblioteca, Correspondência: Linguagem & Comunicação, de Odacir Beltrão, autor que há muito se foi do nosso meio. Essa obra, publicada em 1940 e editada desde 1964 pela Editora Atlas, é de uma atualidade a toda a prova, razão por que continua como obra didática e fonte de pesquisa para estudantes e profissionais. Dela tenho dois exemplares: um da 19.ª edição, de 1995, que comprei em junho de 1996, e outro da 16.ª edição, de 1981, que, após longa procura, comprei da Traça Livraria e Sebo, agora em agosto de 2008.

É desse livro que retiro um dos trechos que já li e reli inúmeras vezes no decorrer dos anos, porque me fala à mente e ao coração. É parte da mensagem comemorativa do Dia do Comerciário, da empresa SAMRIG S.A., página 263 da 16.ª edição e página 273 da 19.ª, que diz: “moça simples... estória importante... Alguém, um dia, contará a tua estória. E dirá que, sem ti, poucas coisas seriam como são. Haveria menos sorrisos nas faces das crianças. E menos conforto dentro dos lares. Porque és o último elo entre o fabricante e a dona de casa. E da tua contribuição dependem o progresso e o bem-estar de milhões.”

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

O CARDIOPATA

Domingo, 31 de agosto de 2008, fui internado no Hospital Climec (é este mesmo o nome que consta do receituário: Hospital Climec), onde fiquei até as 21 horas da terça-feira, 2 de setembro. Raios-X do tórax, remédios injetáveis e comprimidos para sair da crise de hipertensão arterial e do seu natural efeito, a dispnéia ou falta de ar. Muita incerteza, indefinição, angústia e medo, entremeados de momentos de esperança. Somente uma certeza: estava enfermo e necessitava de internação hospitalar sob os cuidados profissionais de médicos e enfermeiros.

Segunda-feira e terça, passada a crise, consulta com o cardiologista, exames de sangue e de urina, eletrocardiograma, ecocardiograma e por fim o diagnóstico terrível e assustador: uma cardiopatia grave, insuficiência cardíaca congestiva (ICC). Meu coração está muito dilatado, crescido, por uma causa ainda desconhecida. Sou ou estou cardiopata? Para mim, estou; para o médico, sou cardiopata, o que faz diferença de ambos os lados. “Quando os homens não podem mudar as coisas, mudam as palavras”, bem escreveu Jean Jaurès, classificado como “um professor, um doutrinador” por Friedrich Engels.

Como não poderia deixar de ser, foi muito triste para mim a confirmação do diagnóstico. Era noite e eu estava sozinho, pois, forçados pelas circunstâncias e, portanto, à revelia da nossa vontade, nem a Câmelha, minha mulher, nem o Douglas, meu filho de 21 anos, estavam comigo. E, a despeito de todo o zelo do médico, Dr. César Rodriguez Montes, na transmissão das informações e do meu esforço para não demonstrar pânico, a confirmação não deixou de ser sombria e macabra, tão invasiva como se fora um instrumento perfurocontundente a me rasgar o peito naquela fria hora da noite. Habituado, desde criança, a ouvir dizer e mesmo a pensar que doença cardíaca é o fim, senti morrerem ali todos os meus sonhos até então acalentados, sonhos que, aliás, nunca foram somente meus, mas também dos meus parentes e amigos. Nada ao meu redor tinha sentido.

Após me dar as orientações que julgou necessárias, o médico saiu do apartamento, dizendo-me que deixaria com a enfermeira a receita dos medicamentos que deveria tomar e a requisição dos exames que deveriam ser feitos. Como se o mundo ruísse, fiquei quieto, imóvel, estático, como se me sentisse morto.Três minutos? Cinco minutos? Dez, talvez? Sei lá... pareceu uma eternidade. Pensando na existência sofrida do meu pai e do meu irmão Raimundo, que já faleceram, revisitei mentalmente, em um átimo, a minha infância e adolescência em meio às árvores da floresta, minha juventude, meus sonhos, minhas esperanças de toda a vida até aqui. E encontrei muito mais tristezas, sofrimentos e sonhos malogrados do que alegrias e realizações. Éramos eu, o quarto de hospital, a dor e a sensação de impotência e de fracasso!

Bateram na porta e despertei do torpor que tomara conta de mim. Era a enfermeira. Mais um dos amáveis rostos anônimos que, dedicada e bondosamente, cuidaram de mim naqueles dias de internação. Vinha, portando a receita médica e as várias requisições de exame laboratoriais que me entregou, dizer-me que recebera alta e já poderia voltar para casa.

Reagi: não estava morto, como graças a Deus não estou. Estou apenas cardiopata, ainda que em estado grave, como me deixou bem claro o cardiologista, mas a vida continua. Pelo menos, eu espero. “Em tudo na vida, a certeza quase sempre não passa de mero engano”, como diz (aliás, escreveu) sabiamente Pasquale Cipro Neto.

terça-feira, 29 de julho de 2008

AS ELEIÇÕES E A ARTE SOCIAL DE GOVERNAR



Vive-se, em todo o Brasil, o período das eleições municipais de 2008. E este é, com efeito, um período sintomático, com uma sintomática toda sua, muito embora não deixe de causar espécie e admiração (perplexidade seria a palavra adequada) a metamorfose por que passam, de uma hora para a outra, os candidatos aos cargos eleitorais, da mesma forma que é sintomática, muito embora também não deixe de sempre causar espécie e admiração até nos indivíduos mais incautos, a mudança de ideais e, por conseguinte, de comportamento que, muito freqüentemente, acomete os que são eleitos.

Ver-se-ão agora, como sempre foram vistas em eleições anteriores, as promessas, as mentiras e as maroteiras de todo tipo, já tão conhecidas de nossa gente, muito embora essa gente não seja lá tão pura e tão inocente como não raro se quer fazer crer. Os bons e os maus candidatos que lograrem ser eleitos não são alienígenas (que vieram de outros planetas, com virtudes, defeitos, safadezas e maroteiras), são seres terrestres, que ascendem do meio do povo.

Penso (e pensar não é o mesmo que achar) que tempo de eleição é tempo de o eleitor sério, consciente e bem-intencionado, refletir muito sobre tudo aquilo que se ouve dos postulantes aos cargos em disputa (no caso, prefeito, vice-prefeito e vereador). Urge comparar, zelosa e metodicamente, como se comportam agora no período eleitoral e como se comportaram no passado não muito distante (aliás, passado muito recente mesmo) todos os que, em seus discursos e manifestações outras, prometem isto e aquilo, e defendem um comportamento desta ou daquela maneira.

Há postulantes novatos na política, como há os antigos, e o passado de uns como o dos outros não pode deixar de ser medido, avaliado, aquilatado pelo eleitor, que é o maior interessado na coisa, porquanto será o beneficiário direto ou, de outro modo, o maior prejudicado no futuro bem próximo. Ninguém pode se esquecer de que a Marabá de 2009 a 2012 será a conseqüência direta do voto dado (alguns, criminosamente, irão vendê-lo) em 2008, porque, como sempre se disse, o povo tem o governo que merece, assim como o parlamento sempre demonstra de forma inequívoca virtudes, vícios e defeitos do povo que representa. O parlamentar (vereador, deputado ou senador), bom ou ruim que seja, estará sempre a representar a parcela da população que o elegeu. Eis a razão por que políticos corruptos são eleitos e reeleitos por sucessivos e sucessivos mandatos: existe a correspondente parcela da população tão corrupta quanto eles, que os elege e reelege.

Sobejamente conhecido, tanto quanto deletério e vergonhoso, é o mimetismo político dos carreiristas, que, da noite para o dia, mudam de partido e de ideal conforme o vento e as circunstâncias do momento, a saber, o seu interesse particular imediato. E, não raro, ao fazê-lo invocam, aleivosamente, o bem comum: dizem que mudaram em prol dos interesses do povo. Não é que seja condenável a mudança de idéias, condenável na mais forte significação da palavra é o vai-e-vem dos que não param em lugar algum, porque estão sempre a pular de lugar em lugar, ao sabor das circunstâncias pessoais, sempre movidos pelos seus mesquinhos interesses particulares.

Indivíduos que nunca souberam realmente onde estiveram ou por onde passaram (porque não atentaram jamais para isso) não merecem crédito algum do eleitor sério e consciente. Como sabiamente se diz, não é vergonhoso mudar de idéias, vergonhoso é não ter idéias para mudar. Vergonhoso é mudar no atendimento de interesses inconfessáveis, que, por serem inconfessáveis, nunca foram interesses políticos na acepção verdadeira da palavra.

Há, por outro lado, os muitos que, às vezes, até são sinceros, mas nem sequer sabem o que dizem. Vale dizer, não sabem onde estão nem aonde querem ir. Como dar crédito ao indivíduo que, inescrupulosamente, especula a respeito das estrelas, sem antes ter a preocupação de ao menos olhar o lugar imediatamente abaixo de seus pés? Como entregar a coisa pública a quem nem sequer tem clareza das atribuições do cargo que quer ocupar? Com efeito, é de se recordar aqui o pensamento dos gregos, expresso nas palavras de Aquiles, herói da guerra de Tróia (Livro I, XVIII, Da República, de Marco Túlio Cícero): “O astrônomo olha os signos celestiais; determina o ponto em que a Cabra, a Ursa e as outras constelações se encontram, e investiga o que acha nas alturas, descuidando talvez o que se encontra sob seus próprios pés.”

Obviamente, não sou contra os astrônomos, que são sábios conscientes de sua responsabilidade também para com a Terra. Sou, todavia, veementemente contra (e aqui me refiro tão-somente a eles) os candidatos prometedores do que jamais poderão cumprir, seja porque o prometido não se enquadra nas atribuições do cargo postulado, seja porque olham apenas para o futuro e se esquecem do presente. Cícero (Da República, Livro I, XIX) já dizia que “o que temos diante dos olhos deve ser examinado de preferência a tudo mais”. É preciso contemplar o futuro e trabalhar por ele, sim, mas sem descuidar do presente.

Quem vai observar as nuvens e contemplar os céus deve antes olhar com precisão para o lugar onde pisa. Candidato a prefeito não pode apresentar plataforma de candidato a governador de Estado ou a presidente da República, assim como candidato a vereador não pode ter plataforma de candidato a deputado estadual ou a membro do Congresso Nacional. Quais são realmente, segundo a Constituição e as leis, as atribuições do vereador? E as do prefeito?... Bom, isso é assunto para outro artigo, que poderá vir a ser escrito ou não. É proveitoso por enquanto que o eleitor sério e consciente não se esqueça da fina e elegante ironia de Eneida de Morais, quando escreveu: “Tudo pode acontecer na vida de uma pessoa que tem um gato e ele se chama José.”

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Profiteroles



Ainda não conheço profiteroles e Deus me livre do exitus letalis, muito embora uma coisa nada tenha que ver com a outra. Aliás, exitus letalis, como homem de carne e osso que sou, só desejo para os inimigos incorrigíveis. E, mesmo assim, somente quando a carne, ou seja, o velho homem fala mais alto, pois a Bíblia diz que devemos amar nossos inimigos e desejar-lhes o bem, sejam eles a nosso ver corrigíveis ou não. Logo, exitus letalis não é coisa que se deseje a ninguém, nem mesmo aos inimigos. Já o profiteroles, não: pode, sim, ser desejado e oferecido aos amigos.

Pode não ser tão óbvio assim, mas profiteroles e exitus letalis não são sequer parentes entre si. Apenas o fim de seus nomes é parecido, até porque, pela pronúncia, profiteroles bem que poderia ser profiterolis, ou profiterólis. Digo isso, contudo, considerando apenas a pronúncia. Não fui atrás da etimologia. Profiterolis, sem acento agudo no segundo o, seria latim. Já profiterólis, com acento agudo no o da penúltima sílaba, poderia ser transliteração de palavra grega, como pólis, palavra transliterada do grego, que significa cidade. Mas, repito, não fui atrás da etimologia da palavra profiteroles: estou apenas brincando como cronista de meia-tigela que sou.

Pois bem. Nossa ignorância, que jamais poderá ser entendida como nossa estupidez, é infinitamente superior ao nosso conhecimento. “Só sei que nada sei”, a velha lição de Sócrates, jamais deverá ser esquecida. Logo, não saber o que é ou quer dizer profiteroles ou exitus letalis não é demérito para quem quer que seja.

Profiteroles, como aprendi recentemente, é um tipo de bolo, a respeito do qual vim a saber depois, ao consultar a enciclopédia eletrônica Wikipédia, que é sobremesa muito apreciada na França. Exitus letalis, por sua vez, é uma expressão latina que significa resultado letal. Ou seja, exitus letalis é óbito, ocisão ou morte. Aliás, ocisão, palavra que aprendi em 1991 ao ler um artigo acadêmico sobre a pena de morte, creio que também seja desconhecida por muitos falantes bem informados da última flor do Lácio.

Ao saber da origem francesa do profiteroles, lembrei-me logo do meu amigo professor doutor Gutemberg Guerra, professor da Universidade Federal do Pará, no campus de Belém, cujo doutoramento se deu em Paris e que, certamente, deve ser apreciador do profiteroles, como pessoa de bom gosto que é.

Pois sim, aprendi o que é profiteroles ao participar, nos dias 21 e 22 de fevereiro do 2008, do fórum “A Regularização Fundiária Urbana no Pará”, evento que se realizou em Marabá devido a um convênio celebrado entre a União e o Estado do Pará, que tem como objeto um ciclo de capacitação e assistência técnica para a implementação dos instrumentos do Estatuto da Cidade na regularização fundiária urbana. Foi, na realidade, o primeiro de três encontros a que se denominou Oficinas Microrregionais, em que a União é representada pelo Ministério das Cidades, e o Estado do Pará, pela Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano e Regional (Sedurb), Instituto de Terras do Pará (Iterpa) e outros órgãos estaduais.

Foi na palestra do doutor José Ackel, arquiteto da Sedurb. E aí, quando ele falou em profiteroles, eu fiz uma brincadeira. Escrevi, como se fora aluno travesso, um bilhete que passei ao doutor Ramiro Gomes, advogado militante em Marabá e procurador jurídico da Superintendência de Desenvolvimento Urbano de Marabá (SDU), no qual dizia: “O profiteroles deve ser primo do exitus letalis.”

No fim da palestra (por sinal muito boa, porquanto o expositor pareceu-me um professor nato), falei da minha brincadeira e expliquei que a expressão latina exitus letalis foi objeto de uma crônica do cronista e romancista carioca Rubem Fonseca. É que o escritor Rubem Fonseca tem, como eu também tenho, a mania de ler bulas de remédio. E, lendo ele a bula de certo medicamento, encontrou a pérola exitus letalis, empregada como eufemismo para resultado morte. Não falei na ocasião, porque estava premido pelo tempo, mas existe também um livro com o título Exitus Letalis, que fala sobre a eutanásia e coisas parecidas.

O evento foi coroado de pleno êxito (a propósito, êxito vem do latim exitu e quer dizer resultado). Deverá haver mais dois, em todos eles, envolvidos os Municípios de Eldorado do Carajás, Parauapebas e Rondon do Pará, tendo Marabá como município-pólo. Deixo, contudo, de falar mais sobre os outros aspectos por não ser esse meu objetivo. Não se trata de uma reportagem sobre o evento, mas de uma crônica sobre a palavra e a expressão discutidas, que julguei interessante escrever. Eu gostei; espero que outros também gostem!

Ah, sim! Na mesma ocasião houve quem tivesse dúvida se a palavra pólo, no sentido empregado, é ou não é acentuada graficamente. Respondo, como respondi, que não há dúvida: é acentuada graficamente sim. Leva, no primeiro o, o sinal diacrítico a que se chama acento agudo. Isso, contudo, já é assunto de outra crônica.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

É bom ser amigo de alguém



“... é bom ser amigo de alguém e ter a satisfação de ser reconhecido como tal”, escreveu o cronista maranhense radicado em Brasília, Distrito Federal, Innocêncio de Jesus Viégas (assim mesmo, Innocêncio, com dois “n”), na crônica “A Sabedoria do Mendigo”, publicada no livro Contos, Cantos e Encantos. Verdade. É bom, muito bom, ter amigos e deles ter o reconhecimento.

Recebi hoje, 8 de janeiro de 2008, na Procuradoria Jurídico-Legislativa da Câmara Municipal de Marabá, Estado do Pará, a visita dos irmãos Nilson, Nilton e Nilza Gomes Carneiro, ex-xinguarenses como eu, que desde os anos 1990 (o Nilson, até um pouco antes disso) residem em Goiânia, Estado de Goiás. Não tenho palavras para exprimir a alegria que tomou conta de mim! Por razões diversas, é óbvio. São pessoas a quem estimo no mais profundo significado dessa palavra, muito embora conhecesse pessoalmente, desde os anos 1990, apenas o Nilton.

Eles (como eu, minha mulher e algumas outras pessoas em situação semelhante à época), contrariando o destino que nos fora imposto por fatores e circunstâncias diversos (principalmente o fato de sermos pobres e morarmos em Xinguara, Estado do Pará, na década de 1980), conseguiram romper as barreiras e empecilhos de toda a sorte e lograr concluir a formação superior. A despeito daquela perspectiva sombria, terrível e ameaçadora, Nilson e Nilza são advogados como eu, Nilton é contador e acadêmico de Direito. Nilza também é licenciada em Letras. “Uma vez libertos da dificuldade, é grato relembrar os perigos”, diz Eurípides, na Andrômeda, citado por Aristóteles, na Arte Retórica.

Nilton sempre me falou dos irmãos dele, com admiração profunda e contagiante. Falava a mim e à Câmelha, minha mulher, que foi colega dele no curso de Magistério, em Xinguara, notadamente do Nilson, irmão mais velho, que, sonhador e por isso mesmo inconformado com a situação, fora para Goiânia. Não somente foi. Foi e depois levou irmãos e até amigos, por incentivar a todos, incutindo-lhes a necessidade de buscar em outros lugares educação, saber, cultura e melhor condição de vida que o meio não oferecia.

Na década de 1990, éramos funcionários da Prefeitura Municipal de Xinguara, quando Nilton foi para Goiânia, em 1993 ou 1994, cursar Ciências Contábeis, e eu mais a Câmelha viemos para Marabá, em 1996. Eu vim já para cursar Direito, na Universidade Federal do Pará; a Câmelha depois viria a cursar Pedagogia.

Ainda que distantes geograficamente, continuamos amigos e nos comunicávamos por telefone. Foi assim por vários anos, até que, devido a mudanças dele em Goiânia, a comunicação cessou, teve solução de continuidade. Daí, agora, a alegria indizível do reencontro, que me fez lhes enviar este e-mail (nesta acepção, em Português, correio eletrônico):

“Nilton, Nilson, Nilza:

Vocês não imaginam (e eu não consigo expressar) a alegria que me proporcionaram com sua visita hoje: alegria por saber que estão indo bem na vida; alegria por rever o Nilton e conhecer os demais, de quem ele sempre me falava com admiração; alegria de saber que agora estaremos muito mais perto e jamais voltaremos a perder o contato; alegria de saber que virão para a região atuar profissionalmente; alegria pela amizade sincera que nos une a todos! Ganhei o dia!

Daí o escrever agora, profundamente emocionado, este e-mail (que certamente transformarei em uma crônica, pois para mim tudo dá uma boa crônica). Escrevo para registrar o momento e demais disso para, reforçando, lhes informar meus telefones, endereços eletrônicos e endereços dos blogs, telefones e endereços nos quais estarei, com imensa alegria, sempre à disposição.

Meus telefones (código de área 94) são: ... (residência), 3321-1684 (Procuradoria Jurídico-Legislativa da Câmara Municipal de Marabá), e os celulares ... e ... Os e-mails (prefiro dizer, em Português, endereços eletrônicos): dr.valdinar@bol.com.br, dr.valdinar@uol.com.br, dr.valdinar@gmail.com, dr.valdinar@hotmail.com e dr.valdinar@yahoo.com.br. E os endereços dos blogs: http://valdinar.zip.net/, http://adv.vms.zip.net/, http://vms.uniblog.com.br/ e http://valdinar.blogspot.com/. E também http://adv.vms.zip.net/, que foi meu primeiro blog, a respeito de cujo nome escrevi a crônica ‘Esotérico demais: fim da picada!’.

Como lhes falei, publico nesses blogs meus artigos e crônicas também publicados nos jornais marabaenses (Correio do Tocantins e Opinião). Acessem os blogs, leiam os textos e, querendo, façam comentários. Comentários de leitores são sempre bem-vindos. E vindo de vocês então nem é necessário falar da importância que terão sempre para mim.

Muito obrigado pela visita. E um abraço todo especial.”

Viva a amizade sincera e desinteresseira! “A amizade de virtude é a verdadeira amizade, a amizade por excelência, pela qual o amigo virtuoso é amável em si e por si: ele não é amado pelo prazer de sua companhia, ou pela utilidade que dele pode emanar, mas pela própria virtude que amamos nele”, diz Aristóteles, na Ética a Nicômaco.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

O Dono da Lua



Andei relendo, dia de Ano-novo, crônicas de Carlos Heitor Cony, Carlos Chagas, Zevi Ghivelder e Josué Montello, em algumas revistas Manchete de 1990 e 1991, que guardo como verdadeiro tesouro. Reli, dentre outras, as crônicas “O hímen idôneo”, “O chá das peruas”, e “Hora e vez da raspadinha”, de Carlos Heitor Cony. De Carlos Chagas, um realce para a crônica “A história de uma ignomínia”, sobre a infame cassação do mandato e dos direitos políticos de Juscelino Kubitschek. De Josué Montello, a crônica “Riso e drama dos pequenos anúncios”. Gosto de reler meus livros, jornais e revistas.

Antes li a Bíblia Sagrada. Minha primeira leitura de 2008 (em casa, ainda durante a madrugada, após a ceia, na Igreja Presbiteriana) foi Efésios 4,4-6, na versão revista e atualizada no Brasil da tradução portuguesa de João Ferreira de Almeida, segunda edição, publicada pela Sociedade Bíblica do Brasil. Dizem esses versículos, em continuação ao texto do versículo 3: “há somente um corpo e um Espírito, como também fostes chamados numa só esperança da vossa vocação; há um só Senhor, uma só fé, um só batismo; um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, age por meio de todos e está em todos.”

E as crônicas? Bom, as crônicas são todas excelentes (sei lá, pelo menos, eu acho), mas não dá para comentá-las aqui, por falta de espaço. Daí, vai apenas um rasgo da crônica “O hímen idôneo” (Manchete de 8 de junho de 1991), que se ocupa do anúncio de um hímen (hímen idôneo, ressalta o anúncio) posto a venda. Uma virgem de Minas Gerais, que se oferece por Cr$ 200.000,00, quantia que (para quem não se lembra da moeda ou não a conheceu) se lê: duzentos mil cruzeiros.

Veja, leitor, a elegante ironia do cronista: “Honestamente, encarei a oferta com naturalidade e, embora sem interesse pessoal na oferta, continuei na minha, muito mais preocupado com os meus problemas do que com a venda de um hímen das Alterosas. Afinal, há discreto comércio de rins, fígados, olhos, pâncreas, piloro (não tenho certeza se vendem piloros no mercado, mas um dia chegaremos lá). Nada de admirar que uma donzela mineira, e idônea ainda por cima, ofereça sua intacta membrana aos potenciais consumidores de um artigo que tradicionalmente tem estoques regularizados.”

Outro texto que reli foi uma pequena reportagem sobre o dono da Lua. Sabia, por acaso, o leitor que a Lua tem proprietário, com registro em cartório de imóveis e tudo? Aliás, nem era preciso falar em registro, já que, ao se falar de proprietário de imóvel, fica sempre implícito que há o registro. “Quem não registra não é dono”, diz a máxima jurídica. Pelo menos no Direito Civil Brasileiro, porquanto, segundo nosso Direito Positivo, a transferência da propriedade imóvel somente se dá com a transcrição da compra e venda no registro de imóveis. “Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis”, diz, por exemplo, o art. 1.245 do Código Civil de 2002, em vigor.

Pois bem. A Lua, que contemplamos de longe (às vezes, até parece muito perto, é verdade; mas é apenas ilusão ótica), o satélite da Terra, é propriedade do advogado, violinista, poeta e escritor chileno Jenaro Gajardo Vera. Está escrito (transcrito, como dizemos no linguajar jurídico) no Registro de Imóveis de Talca, no Chile. Saiu na Manchete de 16 de junho de 1990, sob o título: “O Dono da Lua”. (É lógico. Tinha de ser um advogado. E, ainda por cima, poeta.)

Imagino a perplexidade do tabelião, diante do inusitado pedido de registro. Contudo, por fim, ele se rendeu às evidências e concluiu (diz a Manchete): “Mas o senhor está certo, a Lua tem fronteiras e dimensões, pertence à Terra e ainda não foi registrada. O senhor deve publicar três comunicados no Diário Oficial e se não houver objeção alguma até o terceiro dia, a Lua é sua.” Assim foi feito. E o doutor Jenaro Gajardo Vera tornou-se dono da Lua, mediante registro imobiliário com efeito erga omnes. “Efeito erga omnes”, na linguagem jurídica, quer dizer “efeito oponível contra todos”.

Pois é. Registro com efeito erga omnes, sim senhor! Tanto é que o presidente norte-americano Richard Nixon, em 1969, enviou a Jenaro o seguinte telegrama: “Em nome do povo dos Estados Unidos, lhe peço permissão para os astronautas Aldrin, Collins e Armstrong pousarem no satélite que lhe pertence.” É muita moral, meu! É mole, ou quer mais, mano velho?

Aliás, também reli (não na Manchete, mas na Veja: retrospectiva de um quarto de século, 25 anos, parte integrante da edição 1.311 da revista Veja, de 27 de outubro de 1993), a carta de renúncia de Richard Nixon, enviada ao então Secretário de Estado Henry Kissinger, em 9 de agosto de 1974. Seu texto, abaixo da data e do timbre da Casa Branca: “Dear Mr. Secretary: I hereby resign the Office of President of the United States. Sincerely, Richard Nixon.” Em Português: “Prezado Senhor Secretário: Por este meio, renuncio ao cargo de presidente dos Estados Unidos. Atenciosamente, Richard Nixon.” Como se vê, não foi uma carta, foi um bilhete. Do ponto de vista da dimensão física, é claro.

Por hoje, é só. Como escrevi, em 16 de outubro de 2006, em “Assuntos para meu blog”, comentar minhas leituras pode ser chato, ou porque são muitas, ou porque os assuntos lidos não são amenos para muita gente. E talvez nem sejam interessantes. Há, contudo, leitores que gostam, o que por si só é suficiente.

Feliz 2008 para todos, leitores e não leitores!