sexta-feira, 26 de junho de 2009

FICOU PINEL

“Danou-se. Ficou pinel!...”, eis a frase tantas vezes ouvida por todos nós. Algumas vezes, é proferida por mera brincadeira. Outras vezes, não: é solta para expressar ira de quem a profere contra alguém que o ofendeu, importunou ou fez coisa parecida. Mas, afinal, o que é “ficar pinel”? De onde vem essa palavra hoje empregada como sinônimo de louco, doido, maluco? Vem do nome de um médico psiquiatra francês, o Dr. Philippe Pinel, nascido em 20 de abril de 1745 e falecido em 25 de outubro de 1826.

A expressão “ficar pinel”, por sinal, é dicionarizada, constando, v.g., do Novo Dicionário da Língua Portuguesa, de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, que também registra o verbo “pinelar”. Escrevi “v.g.” e, por isso, devo explicar a quem não sabe (com o sincero pedido de tolerância a quem sabe), “v.g.” é abreviatura do latim “verbi gratia” e significa “por exemplo”, da mesma forma que “e.g.” é de “exempli gratia”, também significando “por exemplo”, assim como com “i.e.” abrevia-se a expressão latina “id est”, que quer dizer “isto é”.

“Mas, afinal, o que é que tudo isso tem que ver com pinel?” – alguém pode perguntar. “Nada que ver” – respondo. É que gosto dessas particularidades da escrita que nem sempre chamam a atenção de muitos leitores e, por isso, são lidas, durante anos a fio, sem o conhecimento do que significam. Gosto de ler e saber o que estou lendo, razão por que, ao me deparar com uma palavra ou expressão desconhecida, vou logo pesquisar-lhe o significado.

A propósito, não leio dicionário somente quando estou pesquisando o significado de alguma palavra ou expressão. Quando tenho tempo, gosto de ficar horas e horas lendo dicionário. Esquisitice? Pode até ser. Penso, contudo, que não. Vejo mais como questão de gosto. Para quem gostava de ler bula de remédio (hoje não leio porque não tenho tempo), ler dicionário, conquanto seja feito com gosto, pode até ser mera consequência ou necessidade. E estou com o até hoje inexcedível Rui Barbosa, que dizia: “E se me declinam da autoridade coercitiva dos dicionários, apelo para os clássicos modernos.”

Estou falando de “ficou pinel”, porque tenho um amigo que muito gosta de usar a expressão. E sobre as abreviaturas i.e., e.g. e v.g., porque, domingo agora, dia 21 de junho de 2009, falei de tais abreviaturas e respectivos significados aos meus alunos da escola bíblica dominical, na Igreja Presbiteriana (minha denominação). Os conhecimentos aprendidos nas mais diversas disciplinas estudadas devem ser relacionados entre si, i.e., as lições de Português não devem ficar na aula de Português, como também os da aula de Matemática, de História, de Direito, de Teologia, e assim por diante.

A origem de “greve”, “sabotagem” e “sósia”, com efeito, me foi ensinada por ciências ou disciplinas diferentes. No Direito do Trabalho, aprendi que “greve” vem do nome de um logradouro francês. Da mesma língua nos vem “sabotagem”, que não se refere a calçado, mas deriva do francês “sabot”, tamanco de madeira que, insatisfeitos, os operários atiravam propositadamente na engrenagem das máquinas industriais. E “sósia”, aquele indivíduo que se parece tanto com outro, a ponto de enganar até a própria polícia? Bom, isso eu poderia ter aprendido – estudando os clássicos gregos – que vem do antropônimo “Sósia”, personagem da comédia Anfitrião, de Plauto, mas o aprendi da Medicina Legal.

Lembro-me agora de que um dia, brincando, eu disse a uma colega que não sou ginecologista, mas estudei Medicina Legal e por isso posso examinar “mulher bandida”. Chocarrices e brincadeiras à parte, o grande mestre Hélio Gomes deixou imortalizado que “o jurista deve saber tudo que lhe seja possível saber em matéria de Medicina Legal”. Caramba! Só sei que quase nada sei!

Eu disse “quase nada”. Sei, portanto, alguma coisa. A musa latrinalis não é a musa inspiradora de nenhum poeta, é outra coisa, que não vou dizer aqui. Identidade não é o mesmo que identificação: são institutos diferentes. Os himenólatras e os misimenistas se distinguem pela preferência em relação ao hímen: aqueles o idolatram, estes o menosprezam. Mas não é só isso. Tenho certeza de que jamais faria como fez um delegado a que alude Hélio Gomes: enviou ofício ao Instituto Médico-Legal pedindo que a perícia esclarecesse “se o esperma era de homem ou de mulher”. Este, sim, ficou pinel!

sábado, 6 de junho de 2009

FUMARATO DE CETOTIFENO

Olhei atentamente para a caixa de remédio que me era exibida no balcão da farmácia e vi lá, escrito abaixo do nome comercial: fumarato de cetotifeno. É o nome do fármaco ou princípio farmacologicamente ativo do medicamento, não obstante se pareça mais com expressão de baixo calão. Tentei telefonar para a pediatra (médica amiga que gostaria de homenagear aqui, citando-lhe o nome, mas deixo de fazê-lo, ante o receio de desagradar). Não consegui e, por fim, me decidi pela compra, sob garantia do balconista de que se tratava do mesmo remédio receitado, diferença apenas de nome comercial.

Faz alguns dias que isso aconteceu, mas hoje me lembrei do caso e de duas belas crônicas de Rubem Fonseca (“Exitus letalis” e “Loja de Botox a varejo”), publicadas no livro O romance morreu, e então resolvi escrever sobre o assunto. Já li e reli essas duas crônicas, que são muito interessantes. Demais disso, já tive o hábito de ler e colecionar bulas de remédio, o que, segundo confessa em “Exitus letalis”, também fazia o escritor Rubem Fonseca.


Pois bem. Com efeito, alguns leitores podem se perguntar qual seria a razão para alguém gostar de ler bulas de remédio. E, com certeza, podem existir várias razões. Eu, por exemplo, lia mais por achar admirável o estilo empregado: bulas de remédio são bem escritas. Também por achar interessante o nome do princípio ativo de cada medicamento, que quase sempre, como não poderia deixar de ser, é bem diferente das palavras comuns do cotidiano da maioria dos viventes. E, se isso já não bastasse, a gente aprende muito lendo bulas de remédio. Bulas papais também, é óbvio, mas estas são muito mais difíceis, porque escritas em Latim.


Mas não é só isso. Falando em remédio, vivo a me empanturrar diariamente com carvedilol, espironolactona e outros fármacos que sou compelido a ingerir todos os dias (e noites também), não pelo médico, mas pela vida. Como diz a Bíblia, “nem só de pão vive o homem”. É verdade. Eu que o diga! Todos os dias, tomo: captopril, uma vez; carvedilol, duas vezes; furosemida, uma vez; ácido acetilsalicílico, uma vez; digoxina, uma vez; e espironolactona, uma vez. E, nos últimos dois meses, acrescentaram-se aos já citados (que são devidos à miocardiopatia), mais dois: calcipotriol e Pill Food, receitados pelo dermatologista.

Hipocondria? Não! Não sou hipocondríaco, sou cardiopata e me pareço com uma drogaria andante. Minha rotina é começar a tomar medicamentos logo que acordo, pela manhã, e só parar, mais ou menos às 20 horas, quando tomo a última dose diária (pela hora, noturna) de Ictus, nome comercial do carvedilol. Mas isso é bom. Só toma remédios quem está vivo, conquanto esteja doente. Minha sincera gratidão a Deus porque ainda posso tomar remédios e porque estes têm surtido os efeitos desejados.

Ah, sim!... Antes que me acusem de erro, heresia ou coisa parecida, reconheço que o “nem só de pão vive o homem” foi dito (aliás, escrito) na Bíblia em outro contexto, porém, não é nenhum pecado citá-lo em abono de outro pensamento, como fiz acima. Pelo menos eu vejo assim, não sei os outros crentes.