sábado, 18 de dezembro de 2010

O Escolhido de Deus e a Segurança do Povo



Muita celeuma se levanta acerca da afirmação de que Maurino é o escolhido de Deus para ser prefeito municipal de Marabá. Uns dizem que é ele que se autointitula o escolhido de Deus, outros dizem ser os evangélicos que o intitulam escolhido de Deus para o cargo. Há, certamente, quem acredite nisso, como há quem não acredite. Há, semelhantemente, quem goste de passar à frente e divulgar a celeuma, como há quem não goste. Não sei quem o diz ou quem o disse, mas, de fato, o blá-blá-blá existe.

Aqui, abro e fecho parêntesis, para lembrar ao leitor que antes do Acordo Ortográfico de 1990, que está em vigor desde 1.º de janeiro de 2009, embora seja facultativo até 31 de dezembro de 2012, escrevia-se “blablablá”. Nós, da comunidade jurídica (e as outras pessoas também, claro), escrevíamos “co-autor”, “contra-razões”, “co-réu”; agora escrevemos “coautor”, “corréu” (que o computador teima em não querer acentuar graficamente), “contrarrazões”, e assim por diante. Eita acordozinho! Aderi a ele desde o primeiro momento – embora não fosse obrigado a fazê-lo imediatamente, pois, como já disse, até o último dia de 2012 será facultativo –, mas, sinceramente, não gosto dele e o julgo desnecessário, conquanto seja obrigatório.

Pois bem. Voltemos ao escolhido de Deus para prefeito de Marabá. Muitas pessoas certamente não sabem, mas sou evangélico protestante, membro da Igreja Presbiteriana do Brasil, denominação que adota a Bíblia Sagrada como única regra de fé e prática, embora subscreva e adote como sistema expositivo das doutrinas bíblicas os chamados Símbolos de Fé ou Padrões Doutrinários elaborados pela Assembleia de Westminster, concílio que funcionou em Londres, na Abadia de Westminster (daí o seu nome), de julho de 1643 a fevereiro de 1649. Esses Símbolos de Fé são três, a Confissão de Fé de Westminster, o Catecismo Maior e o Breve Catecismo. Logo, em se falando de Deus, tenho como autoridade máxima a Bíblia e, em sendo assim, é sob o enfoque bíblico que trato rapidamente do assunto.

A Bíblia na Linguagem de Hoje, versão moderna da Bíblia publicada pela Sociedade Bíblica do Brasil, diz no livro de Romanos, capítulo 13, versículos 1 e 2: “Que todos obedeçam às autoridades. Porque não existe nenhuma autoridade sem a permissão de Deus, e as que existem foram colocadas por ele. Assim quem é contra as autoridades é contra o que Deus mandou, e os que agem desse modo vão trazer condenação para si mesmos.” Em outra versão bem moderna, a Bíblia Nova Versão Internacional, diz a mesma passagem: “Todos devem sujeitar-se às autoridades governamentais, pois não há autoridade que não venha de Deus; as autoridades que existem foram por ele estabelecidas. Portanto, aquele que se rebela contra a autoridade está se colocando contra o que Deus instituiu, e aqueles que assim procedem trazem condenação sobre si mesmos.” Há outras passagens sobre o assunto, mas essa basta para o fim aqui almejado.

Logo mais à frente, mas nesse mesmo texto de Romanos, a Bíblia deixa bem clara a finalidade do Estado, os deveres ou a razão de ser dessas autoridades governamentais, como o deixa em outras passagens: é o cuidado da comunidade, é o bem comum. Diz, aliás,  que essa autoridade governamental é serva de Deus para proteger os que praticam o bem e punir os que praticam o mal. Mas isso não é dito somente pela Bíblia, a Ciência Política e outros ramos do conhecimento moderno também o dizem. Obras como Do Contrato Social, de Jean-Jaques Rousseau, e Do Cidadão, de Thomas Hobbes, para citar apenas duas das bem conhecidas, deixam bem claro isso. Gosto particularmente desta afirmação de Hobbes, quando trata dos deveres daquele que governa: “Estão todos os deveres do governante contidos em única sentença: a segurança do povo é a maior lei.”

Existem, além disso, tanto do ponto de vista bíblico quanto do ponto de vista científico, as formas de reagir contra os que exercem mal a autoridade. O que nem a Bíblia nem as ciências humanas autorizam é a autotutela, ou seja, o fazer justiça com as próprias mãos. Não há aí, todavia, lugar para a pregação de obediência cega às autoridades; há, ao contrário disso, o despertar para a cidadania, sob os auspícios da lei e da razão, para não somente dizer que é cidadão de um Estado, mas ter também a convicção dos próprios direitos e deveres perante esse Estado. Se a autoridade não cumpre a sua função, deve ser apenada ou destituída por quem de direito, observado o devido processo legal.

Conclui-se, portanto, que, do ponto de vista bíblico, tanto Maurino Magalhães quanto Sebastião Miranda e os demais prefeitos que vieram antes e virão depois deles foram e serão escolhidos de Deus e aí postos por ele com o dever claro, preciso, determinado de cuidar do bem comum. E do ponto de vista das ciências humanas os direitos e obrigações deles são os mesmos. Em sendo assim, se não agem de acordo com as leis, devem ser submetidos ao devido processo legal e punidos, regra que vale para quaisquer outras autoridades. Eu penso assim, não sei os outros crentes.  


quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Puto me auditum

Já sei: muitos, ao lerem o título, estão pensando erradamente. E – o que é pior – estão pensando que se trata de uma frase pornográfica ou, no mínimo, de mau gosto. Puro engano até do corretor ortográfico do computador, que considerou parte dela como português. A frase está toda em latim e não apenas uma de suas palavras, como faz parecer à leitura apressada – com absoluta convicção o digo – dos mais jejunos na língua em que pontificou Cícero, o inolvidável tribuno romano, embora eu também não saiba latim.

Não sou nenhum depravado na acepção comum conhecida e empregada pelos pudibundos de plantão. Apenas gosto de fazer brincadeiras nas crônicas que, agradando a uns e desagradando a outros, escrevo por escrever. Padeço, sim, da depravação total, como também dela padecem todos os demais seres humanos, mas na acepção teológico-calvinista, o que é outra história e assunto para outra crônica. Ao dizer ou escrever “puto me auditum”, o que calha muito bem após qualquer comunicação solene ou advertência, estou simplesmente me expressando em bom latim, língua a que tanto admiro, conquanto nela não seja versado.

“Puto me auditum” é algo sério, mas dito ou escrito sempre à guisa de brincadeira, para sacudir a poluição da mente dos partidários daquela aluna da Escolinha do Professor Raimundo, a donzela que “só pensa naquilo” e, rubicunda, julga os demais a partir de si mesma. Ela é depravada e, julgando a partir daí, pensa que todos os demais também o são. Faço com essa frase – como já disse – uma brincadeira que só chama a atenção em latim, por causa da maldade latente na cabeça das pessoas. Dita em português, tem o mesmo sentido, mas não tem esse efeito.

“Puto me auditum” é bom latim e quer dizer em bom português “Julgo-me ouvido”, “Penso que fui escutado”, “Julgo que fui claro”, e assim por diante. Não é, portanto, nenhum dito pornográfico nem de mau gosto. É uma brincadeira, com que nesta crônica presto homenagem ao ilustre professor de português e de latim, advogado e gramático Napoleão Mendes de Almeida, de quem aprendi a frase. Doutor Napoleão, há anos infelizmente falecido, foi meu professor; fui aluno de seu curso de português ministrado por correspondência.

Demais disso, a crônica – que escrevi ao me lembrar de uma brincadeira do ambiente de trabalho – vem lembrar a nós todos que não devemos julgar mal os outros, açodadamente, atabalhoadamente. É bom demais conversar descontraidamente e brincar com as pessoas de quem se gosta, numa relação agradável de respeito mútuo. Faz muito bem! “Puto me auditum.”

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Por acaso, mero acaso



O leitor deve estar lembrado de que um dia desses confessei que, nem antes nem depois das eleições, procurara saber o nome do vice da agora presidente eleita, Dilma Rousseff. Não sabia nem procurei saber, mas, hoje, mesmo sem procurar saber, descobri, embora nada tenha mudado com isso, claro. E, se houvesse ficado sabendo antes das eleições, daria no mesmo: para mim, saber quem é o vice-presidente da República não influi nem contribui. Houve tempos em que ainda me preocupava com essas coisas, agora, não. Não me preocupo e tampouco me ocupo disso.

Hoje, contudo, por mero acaso, ao acessar a internet, chamou-me a atenção uma manchete que falava de Temer, Ciro e Dilma. Fui ver o que era, porque sei, embora isso também não me interesse muito, que Michel Temer e Ciro Gomes são deputados federais. Gosto mais de Michel Temer como autor de Elementos de Direito Constitucional, pena que tenha debandado para a política e abandonado a cátedra de Direito. Creio que abandonou.

Abandonando ou não, se tivera ido para a Política, tudo bem, mas não foi, até porque a cada dia mais me convenço de que essa Política, com “p” maiúsculo, quase (eu disse quase) não existe fora de algumas cabeças que se pensam cabeças de intelectuais. O que mais existe mesmo é a política, com “p” minúsculo, do pé-de-meia, da roubalheira.

Que fique bem claro para o leitor: a roubalheira de que falo é roubalheira mesmo, é o roubo de bens do Estado, do patrimônio público, do erário. É isso que os desonestos chamam de “fazer o pé-de-meia”, frasezinha que deveras me aborrece quando é dita por partidários de político ladrão. E olhe que já a ouvi muitas vezes, e sei que, vivendo no Brasil (e, mais precisamente, no Pará de Jader Barbalho et caterva, que poderia ser também o Maranhão de José Sarney et caterva, ou a Bahia de Antônio Carlos Magalhães et caterva, ou São Paulo de Paulo Maluf et caterva, ou o...), o privilégio não é somente meu.

Mas, voltando, em matéria de vice, como da política eleitoral como um todo, há muito tempo ando mesmo desinteressado, porque desanimado. Ou seria desanimado, porque desinteressado? Seja uma coisa ou a outra, que me aproveitaria ser informado? Mudaria alguma coisa? Claro que não: a eleição do titular importará sempre a do vice. E pronto.

Mas não é só isso. O vice é substituto, nos casos de impedimento, e sucessor, no caso de vaga, bem o sabemos, mas, salvo acidente de percurso, não sucede. E, dependendo dos desentendimentos com o titular, também não substitui. Danou-se!

Falando nisso, lembrei-me agora mesmo de que não sei o nome do vice de Simão Jatene, governador eleito do Pará em 2010. Caramba! Mas, que me aproveitaria saber? Mudaria alguma coisa? Sinceramente, penso que não. Aliás, esse caso aí é indiferente, penso. Há, contudo, muitas coisas da política, dessa do pé-de-meia, que é melhor mesmo a gente nem saber.

sábado, 11 de dezembro de 2010

Atos, fatos, leituras


Sebastião Ferreira Neto, o Ferreirinha, é meu conhecido desde o dia 1.º de abril de 1998, quando, nomeado e empossado, entrei no exercício do cargo de Técnico Legislativo, do quadro de pessoal permanente da Câmara Municipal de Marabá, Estado do Pará. Ferreirinha era vereador e foi presidente da Casa. Trabalhamos muito tempo juntos, principalmente nas comissões temáticas permanentes, antes e depois da minha atuação como procurador jurídico-legislativo.

Cerca de 10 para 11 horas de 10 de dezembro de 2010. Na rua (mais precisamente, dentro de um táxi-lotação), ouço, pelo rádio, que Ferreirinha foi preso pela Polícia Federal. Prisão provisória decretada pela juíza federal Hind Ghassan Kayath, de Belém. Entrevista do advogado de defesa, Dr. Antônio Quaresma. Mais tarde, já na Câmara, novamente pelo rádio, ouço entrevista do delegado de Polícia Federal, Antônio Carlos Beaubraun Júnior, que cumpriu o mandado de prisão. Vou à internet e leio no Quardouro, blogue do Ademir Braz, que Ferreirinha já está no Centro de Recuperação Agrícola “Mariano Antunes” (Crama).

Inquieto-me. Não me omito e, não me contendo, deixo um comentário no blogue. Ressalvo, por dever da formação jurídica, que desconheço o processo, mas não deixo escapar a oportunidade de expressar minha crença na inocência do acusado e, de público, hipotecar a ele e sua família minha solidariedade. Bem ao depois, já quase às 18 horas, encontro um colega blogueiro no Banco do Brasil, que faz alusão ao meu comentário do Quaradouro. Em seguida, na banca de revista, mais alusões à prisão. Em ambos os lugares, no banco e na banca, reafirmo minha defesa intransigente do princípio de presunção da inocência. Não gosto de esconder o que penso em situações como esta.

À noite, em casa, leitura do Alcorão, para variar. Falam-me alto os versículos 42 a 44 da sura 10: “E entre eles, há os que te escutam. Mas podes fazer ouvir os surdos? E há os que olham para ti. Mas podes guiar os cegos? Deus não oprime os homens: eles se oprimem a si mesmos.” Texto fora do contexto, lógico. Mas... Lembro-me de Ferreirinha e da situação em que, não sei, injusta ou justamente se encontra.

Depois, leitura de crônicas (Diogo Mainardi, Iris Abravanel, Carlos Heitor Cony, José Sarney, Rubem Braga). A crônica – sempre gosto de dizer – é meu gênero e passatempo preferido. Leio crônicas, se não todos, quase todos os dias, no site da Academia Brasileira de Letras e nos muitos livros do gênero que possuo. Escrever crônica é narrar jornalisticamente o que se vivenciou de forma literária. É isso que diz o jornalista Caio Mario Britto, no prefácio do livro Recados Disfarçados, de Iris Abravanel. Leitura também de Direito Penal e Processual Penal. Leitura da Bíblia, as bem-aventuranças (Mateus 5.1-11).

Não pude, contudo, deixar de escrever alguma coisa, daí esta crônica. As crônicas “Estranhas Sensações” e “Gostinho de Aventura”, da Iris Abravanel, chamaram-me bastante a atenção pela simplicidade, beleza e profundidade. E do muito que sublinhei com a caneta vermelha na leitura do Mainardi, estas palavras dispensam comentários: “É muito mais difícil não escrever do que escrever. [...] Duro mesmo é ficar deitado no sofá, sem escrever nada. Requer uma aceitação filosófica da própria transitoriedade.”

Por último, porque mais importante. Acredito, até prova em contrário, na inocência de Ferreirinha. Concluo com Carlos Heitor Cony: “A natureza é arrogante em sua fecundidade, os homens é que são estéreis em sua finitude.”   

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

A VIDA CONTINUA...

Sempre me preocupei com a brevidade da vida, embora calado o fizesse. Nascemos, crescemos, nos reproduzimos e morremos. Isso quando não ocorre um acidente de percurso, visto que, não muito raramente, esse iter do ser humano, como de todo ser vivo, sofre solução de continuidade antes do tempo natural. A vida é curta, com ou sem acidente de percurso: mal nascemos já estamos morrendo. E, porque a vida é curta, é preciso que nos dediquemos a fazer o bem, a viver bem cada momento, a fazer feliz o próximo, a, pelo menos, não prejudicar deliberadamente os outros. Já dizia Machado de Assis: “O melhor modo de viver em paz é nutrir o amor-próprio dos outros com pedaços do nosso.”



É fato. A vida é curta, mas é bela, embora também seja dura, a depender da perspectiva. O começo pode ser o fim, como o fim pode ser o começo, dependendo de onde se olha. Sei, é claro, que isso é óbvio, mas não é tão óbvio assim. É? Que há de errado em dizer ou escrever o óbvio? Nunca me preocupei com isso, embora faça parecer o contrário. Não tenho a preocupação e, menos ainda, a pretensão de fazer escola. Dizer ou escrever o óbvio deve ser mais proveitoso do que dizer ou escrever o obscuro, o indecifrável, o incompreensível ou enigmático. Quero escrever, falar, viver, só isso.


Vivo doente, uma doença cardíaca, que é crônica e, assim, pelo menos aos olhos da medicina de hodierna, tenho de conviver com ela. Isso, ora me incomoda, me entristece, me desilude, me assombra; ora, não. Melhor assim, claro. E, como se não bastara, hoje tomei conhecimento de algo não muito auspicioso: uma retinografia digital levanta indícios de glaucoma. Sou leigo no assunto (só entendo de direito; não de olho direito, mas da ciência jurídica, o direito com “d” maiúsculo, que também pode, principalmente agora depois do Acordo Ortográfico de 1990, ser escrito com “d” minúsculo), mas sei, como sabe qualquer pessoa, que glaucoma não é coisa boa e pode até levar à cegueira total, conforme o caso, ou, como presumo e espero, o descaso. Logo, de auspicioso aí, em vindo a se confirmar a suspeita, apenas o diagnóstico precoce.


Fiquei preocupado, claro. Logo eu, que sou apaixonado pelo rio, pela praça, pelas árvores, pelos animais, pela natureza, que não consigo ficar sem ler, sem escrever. Meu Deus! Comentei isso com minha mulher, tão logo voltei para casa. Não tenho preconceito com a cegueira, tenho mesmo é medo. Será que alguém não tem? Quero dizer, contudo, que não estou escrevendo isso com tristeza, estou simplesmente aproveitando para reiterar minha paixão pela vida, pelas coisas boas e dizer da minha confiança em qualquer tratamento levado a efeito com disciplina.


Mas não é só isso. A vida continua, até após a morte, ainda que de morte não esteja tratando. Aliás, eu e tantos outros cremos nisso. Há, entretanto, os que não creem, uns expressando sua descrença e outros, não. É fato. Pensemos, contudo, séria e desapaixonadamente: se não existir vida após a morte, como tanto esperamos existir, tudo fica mais sem sentido ainda. “Os céus manifestam a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra das suas mãos”, diz a Bíblia (Salmos 19.1).


“A vida continua, somos nós que não prosseguimos”, disse Valfredo Melo e Souza, na crônica “Vazio existencial”, publicada no jornal maçônico Liberdade e União, de Goiânia (GO), edição de maio-junho de 2009. É verdade, embora não nos acostumemos com a ideia e vivamos mesmo sem nos preocupar com isso. De fato, a vida continua, mas nós passamos. As pessoas passam e as instituições ficam, mas as instituições também passam; somente a vida continua. É preciso viver cada momento como se ele fosse o último, até porque um deles, que não sabemos qual é, o será. E aí... babau, cachimbo de pau!