Tem-se visto e ouvido na mídia e em rodadas de amigos os comentários, algumas vezes favoráveis e outras, parece-me que a maioria delas, contrários à decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a Lei da Ficha Limpa, concluída dia 23 de março de 2011, com o voto do ministro Luiz Fux. É que o eminente e corajoso ministro votou pela não aplicação da lei às eleições de 2010, o que redundou em benefício dos fichas-sujas existentes pelo Brasil afora.
Os comentários mais exaltados são geralmente os dos contrários à decisão, não raro pessoas leigas em assuntos jurídicos, as quais dizem que o tribunal votou a favor dos corruptos, rasgou a lei, deu tapa na cara da sociedade, e assim por diante. É compreensível, claro, a visão do leigo, que não sabe (e nunca terá a obrigação de saber) a hierarquia das normas em nosso ordenamento jurídico. Já não digo o mesmo em relação a quem tem formação jurídica, que, por conhecer essa hierarquia, tem obrigação de não misturar as coisas.
As leis são feitas pelo Poder Legislativo com a participação do Poder Executivo (participação esta chamada sanção) e aplicadas pelo Estado como um todo, principalmente, pelos Poderes Executivo e Judiciário, cabendo a este a jurisdição, ou seja, a função de interpretar e aplicar a Constituição e as leis ao caso concreto, como fez agora no caso em questão.
Esses Poderes do Estado (Legislativo, Executivo e Judiciário) são constituídos pelo povo e se materializam em pessoas de carne, osso e sangue (algumas delas até dão a impressão de não ter sangue, mas elas têm sim, o que lhes falta é honestidade e pudor). Tais pessoas que se tornaram autoridades não são alienígenas, não vieram do outro mundo, são daqui mesmo, ascenderam do meio do povo e são gente (ou, pelo menos, se parecem com gente).
Sendo assim, um povo imoral e corrupto como talvez seja a maioria do nosso povo só pode constituir autoridades com as mesmas características, como os mesmos predicados morais (ou imorais). A pessoa é digna, ou indigna, independentemente de cargos. Não é o cargo que confere dignidade a quem quer que seja, conquanto todos os cargos tenham dignidade e liturgia próprias. O corrupto que assume um cargo, por nomeação, eleição ou qualquer outro meio, continuará corrupto e se utilizará do cargo para a consecução de seus maus objetivos. Isso é claro. O cargo, por si só, não muda a índole de quem o assume.
O povo, por tudo isso, precisa assumir sua responsabilidade na escolha e constituição de suas autoridades. Não pode, por exemplo, eleger um corrupto e depois querer que o Poder Judiciário o destitua, cassando-lhe o mandato, sem observar a lei ou, mais ainda, a Constituição, que é a lei maior da República, embora não raro seja tão desrespeitada, rasgada mesmo, pelo próprio Estado, que tem o dever de cumpri-la e fazer que a cumpram.
No caso da Lei da Ficha Limpa, foi louvável a atuação da Justiça, que fez respeitar a Constituição, embora isso beneficie corruptos aqui e acolá, pois, neste caso, infelizmente, não dava para fazer uma coisa sem a outra. Não foram poucos os casos em que, desde o Tribunal Regional, a Justiça Eleitoral negou registro de candidatura aos corruptos. Não se pode, todavia, dizer o mesmo em relação ao povo, pois este elegeu muitos indivíduos que a Justiça Eleitoral, por esta ou aquela razão, declarara inelegíveis. O povo, além de corrupto, é teimoso.
Estão de parabéns neste caso o Supremo Tribunal Federal e, em particular, o ministro Luiz Fux, que, corajosamente, resguardou a Constituição e a segurança jurídica, pois a lei, salvo quando para beneficiar, só se aplica aos fatos acontecidos depois dela. É por isso que a Constituição, no inciso XXXVI do artigo 5.º, diz que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. E tem que ser assim, para a garantia e o bem de todos, sob pena da insegurança jurídica.
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