domingo, 28 de julho de 2024

O neologismo letrólogo

 


Quem estuda Arqueologia é arqueólogo. Quem estuda Antropologia é antropólogo, quem estuda Geografia é geógrafo. Pois bem, quem estuda Letras é letrólogo, mas muitos talvez até pensem que não existe essa palavra e, mais do que isso, a profissão de letrólogo. Existe, sim. Eu, porém, entendo a dúvida de quem pensa não existir. É porque, até recentemente, para designar esse profissional, se usava apenas a expressão licenciado em Letras.

 

Mudou. A palavra letrólogo está registrada como substantivo masculino no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras. E também com a devida definição na seção Novas Palavras do site da Academia, aba Nossa Língua: “Profissional graduado em Letras.” E acrescenta-se entre colchetes: “Como a área de atuação é muito ampla, o letrólogo normalmente adota a designação referente a sua especialidade ou atividade profissional (linguista, filólogo, gramático, lexicógrafo, tradutor, crítico literário, etc.).” Estranho não iniciar a enumeração com professor de português.

 

Trata-se, com efeito, de lista exemplificativa. Não há dúvida de que está contemplada na abreviatura etc. (do latim et cetera) da definição em apreço a profissão de professor de português. Penso, no entanto, com a devida vênia, que não foi boa a ideia do redator do verbete. Se fora eu, teria explicitado entre as demais atividades profissionais citadas a de professor de português, que ainda é, salvo engano do cronista, a profissão da maioria dos letrólogos, principalmente quando recém-saídos da graduação.

 

Por falar em etc., é fato que, embora muito usada, muitas pessoas não sabem o significado dessa abreviatura. E, menos ainda, sabem escrevê-la por extenso. Alguns afoitos, inventam coisas do arco-da-velha, como, por exemplo, dizer que etc. é abreviatura de “este texto continua”. Engana-se quem o faz. Não é isso. O significado de etc. (sempre com o ponto, por ser abreviatura), tradução de et cetera, é “e outras coisas”, “e outros da mesma espécie”, “e o resto”, “e assim por diante”.

 

Quanto à escrita por extenso do que está abreviado, há divergências. Uns dizem que é et caetera. Outros, que é et coetera. E outros, ainda, que é et cetera. Napoleão Mendes de Almeida, no seu Dicionário de Questões Vernáculas e na sua Gramática Latina, diz que o correto é et cetera. E acrescenta: “Não se escreve caetera nem muito menos coetera.” Napoleão, nosso latinista maior, foi, por algum tempo, meu professor de português. Sigo, é claro, a lição do meu mestre, que, aliás, também explica e fundamenta a pronúncia “éd cétera”. Isso, contudo, é assunto para a crônica de outro dia.  


sábado, 20 de julho de 2024

Beleza e valor do canto de página

 

O escritor baiano Antônio Torres, romancista de renome internacional e imortal da Academia Brasileira de Letras, se diz um fascinado por título. E, como bom literato, à guisa de intertextualidade, brinca em alusão à famosa frase do personagem de Shakespeare: “Um título! Meu reino por um título!” Na minha biblioteca, tenho livros que me fascinam já pelo título. Um deles é Jornalismo e literatura: a sedução da palavra, que trata, como se vê, de jornalismo e literatura. E, sem prejuízo de outros gêneros, vai a fundo na história da crônica.

A história da crônica é fascinante. A crônica de jornal praticada por Machado de Assis, nos anos de 1859 a 1862, por exemplo, era bem mais extensa do que a de Carlos Heitor Cony, Moacyr Scliar, Otto Lara Resende, Ruy Castro e outros cronistas de nossos dias. A beleza e a essência, contudo, são iguais. Reduzida ao canto de página, a crônica perdeu espaço para o texto e diminuiu o número de palavras, modernamente falando, número de toques, mas, por demandar menos tempo de leitura, ganhou em atração do leitor. Que maravilha era o canto de página de Otto Lara Resende na Folha de S. Paulo, de 1991 a 1992: crônica impecavelmente com cinco parágrafos e sempre mais ou menos o mesmo número de palavras, tudo adequado ao exíguo espaço determinado.

Hoje, bem mais do que antes, essa adequação se impõe. O ser humano – salvo as exceções, que naturalmente são poucas –, a cada dia que passa, se torna mais alienado, porque impaciente e incapaz de se concentrar mais do que por alguns segundos em qualquer leitura. Livro ou qualquer outro texto fora as mensagens de celular? Nem pensar. A mensagem tem que ser curta e, de preferência, alienante. Caso contrário, será tachada de textão e abandonada sem ler. Isso talvez explique, penso, a adoção pela publicidade de técnicas sub-repticiamente dominantes, aliciadoras. Sei lá! Aí já é outra história. Ou não.

Isso deveras me incomoda. Por vários motivos, notadamente como escritor. Embora não viva das insignificâncias literárias que escrevo, quem escreve quer ser lido. Tem valor inestimável a aceitação do leitor. Além disso, fico muito feliz ao ver que algo meu foi citado em um livro de doutrina, artigo acadêmico, trabalho de conclusão de curso, decisão judicial, e assim por diante, ou, ainda, que artigo de minha autoria foi republicado na revista de alguma universidade. Como eu disse, porém, o fato de querer ser lido é apenas um dos motivos.

O que esperar de tão abusiva e dominadoramente alienante relação com a tecnologia? É reversível? Até aonde nos levarão a falta de concentração, a incapacidade para a leitura e a consequente alienação da pessoa? Sem ler, é impossível aprender e se atualizar. Como acompanhar as inovações científicas, tecnológicas, literárias e culturais? E os profissionais malformados e desatualizados pela incapacidade de ler? Perspectivas nada boas. O jornal impresso está desaparecendo. A despeito disso, porém, impresso ou virtual, viva o canto de página, digo, viva a crônica! Ah, sim!... José Sarney tem um livro de crônicas intitulado Canto de página: notas de um brasileiro atento.


quinta-feira, 18 de julho de 2024

Ligeiro meditar de uma bela manhã ensolarada

 

Julho de 2024, verão para nós. Dia 18, às 7 horas. Manhã de uma quinta-feira ensolarada. Apesar de ter dormido a desoras, ou seja, muito tarde, acordei cedo. Marabá está deslumbrantemente banhada de sol. Despertei e, mal escovei os dentes, fui ao banho de sol, na Rua Gaviões, em frente ao templo da Igreja Cristã Maranata, onde, a contemplar a imensidão, gosto de meditar de manhã e à tardinha. Meus pensamentos voam.

Olho o sol e a imensidão do céu, que realçam a minha pequenez. Tudo, lindo e imensamente inspirador, lembra-me o prefácio do livro A Intenção Primeira: um ensaio sobre a natureza do real, de Eduardo Moreira, escrito pelo filósofo e teólogo Leonardo Boff. Fisicamente pequeno, mas denso, de conteúdo profundo, o livro é maravilhoso. Já no prefácio, Boff nos dá, como bofetada, aquela sacudida mental ao mostrar, com ricas e sapientíssimas palavras, a pequenez do ser humano diante do Universo.

O banho de sol foi curto, sufocado (a palavra é exatamente essa) pelo turbilhão dos assuntos que me vêm ao pensamento. Volto para casa, afim de coar café e tomar bons goles, antes de começar a estudar, ler e escrever. Além de ler mais de um livro de cada vez, gosto de ler e escrever ao mesmo tempo. No momento, além da leitura diária de várias crônicas, leio dois livros, A Intenção Primeira: um ensaio sobre a natureza do real, de Eduardo Moreira, e O Pescador Ambicioso e o Peixe Encantado: a busca pela justa medida, de Leonardo Boff.

Recebo pelo WhatsApp mensagem do meu filho Douglas Correia Monteiro, que mora em Belém e, desde a noite de ontem, está em Marabá, a trabalho, como faz de vez em quando. Está estudando hebraico e ficou muito feliz pelo presente que lhe fiz, A Torá Comentada: edição bilíngue hebraico-português, de Brian Kibuuka. E, do terminal rodoviário, a Câmelha, que vai a Conceição do Araguaia, com o Samuel, para um encontro de família, avisa-me que estão saindo. Começa bem o meu dia, graças a Deus!

No quintal, as árvores e as réstias de sol que lhe atravessam a folhagem formam belíssima paisagem pelo misto de sol e sombra – mais sombra do que sol – sob o alegre cantar dos passarinhos, inclusivamente de algumas curicas, que sobrevoam bem alto. Bem diz a Bíblia: “Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras de suas mãos” (Sl 19.1). Aleluia! Vou tomar o meu café.


domingo, 14 de julho de 2024

Sou mesmo, às vezes, um fracote

 

Eu sou fracote mesmo. Às vezes. Nem sempre. Certo? Outra coisa. Fracote, sim, mas não como aquele indivíduo da fraquejada. Que ninguém venha confundir as coisas. Por que sou fracote? Porque, às vezes, vacilo diante de certas situações, mesmo em relação a algo que fiz sem maldade e propositadamente, refletidamente. É natural isso? Penso que é. Sou homem e, por isso, sinto medo, fico em dúvida, hesito, e assim por diante. Sou homem e, por isso, imperfeito. Tenho muito medo dos donos da verdade, mas – estou convicto – eles não existem. Ainda bem! 


Escolhi propositadamente o título da minha crônica mais recente, “Coisa, coisar e colear”. Sou, como advogado, um profissional da palavra. Além disso, sou cronista e, se não bastara, concluí em junho o segundo ano da graduação em Letras – Português e Inglês. Estou cursando Letras porque amo a Língua Portuguesa. Gosto, por tudo isso, de brincar com as palavras. Daí a escolha de muitos títulos de crônica e, não raramente, as construções gramaticais que alguns, talvez muitos, acham estranhos. Muitos, aliás, vão além: pensam que me enganei ou, sei lá, até dizem que tenho mau gosto. 


Bastou, pois, que alguém muito famoso me questionasse agora há pouco pelo WhatsApp, para que eu imediatamente vacilasse e até pensasse que fizera besteira com o título dado à crônica – o qual, repito, foi escolhido propositadamente. Hesitei. Tive, momentaneamente, receio do ridículo. Depois, exultei ao pensar comigo mesmo: “Que nada! Sou advogado e cronista, um profissional da palavra. Se alguns não gostam de brincar com as palavras, o problema não é meu. Minhas brincadeiras até podem ser sem graça, mas aí já é outra história. Tudo bem com o título.” Falta de bom senso ou autocrítica? Não. Apenas convicção. 


Qual foi o questionamento? Este: “O que é Coisa, coisar, colear? Um livro? De quem?”, escrevera o amigo. Quando vi a mensagem, ele estava off-line. Respondi: “Boa tarde! É o título da minha crônica de hoje.” Fui cozinhar o arroz do almoço com o episódio na cabeça. Lá, resolvi escrever a crônica, ou seja, mais uma insignificância literária vem a lume. Como o diálogo foi apenas esse aí, não sei se a pergunta do amigo decorreu de estranhamento ou não. Talvez tenha me assustado irrefletidamente. Vai que ele nem havia achado estranho o título. Sei lá. Gostei porque me rendeu mais uma crônica. Maravilha! 


Quanto ao verbo colear, já o conheço não é de agora. Amo as abonações literárias. Otto Lara Resende, no quarto e penúltimo parágrafo da crônica “A rua, a fila, o acaso”, deixou esta bela abonação: “Quando dei comigo de volta, estava espiando uma fila que coleava pela calçada.” De Augusto dos Anjos, colho este rasgo: “No chão coleia a lagartixa.” E de Eduardo Frieiro este: “Um córrego de águas límpidas coleia em amplas curvas sobre um leito de pedras.” Os dois últimos exemplos são do Aurélio, que, além dessas, dá várias outras abonações. Colear, por sinal, tem além desse outros significados. 


Coisa, coisar e colear

    

Colear. Eu coleio, tu coleias, ele coleia, nós coleamos, vós coleais, eles coleiam. Que coleada ou coleação é essa? Ah, nada. Nada de mais nem de menos. É só mesmo para coisar. Só para puxar conversa fiada. Eu coiso, tu coisas, ele coisa, nós coisamos, vós coisais, eles coisam. Coisar é palavra-ônibus. Substitui aquela palavra que você não sabe dizer qual é. Coisa é substantivo deverbal de coisar. “Coisa é tudo e não é nada”, diz Gabriel Perissé, no livro Ler, Pensar e Escrever. De colear, ele não fala. Claro, nada que ver uma coisa com a outra. Não vou explicar o que é colear nas suas várias acepções, mas muitos coleiam, embora não saibam que estão coleando.

E palavra-valise? Que que é isso? Bom, poderia, tal qual fiz com colear, não dizer aqui e recomendar a consulta a bons dicionários, pois é pesquisando que se aprende mais. Vou, contudo, responder em homenagem à Professora Céu Marques, do blogue Língua Portuguesa (https://www.linguaportuguesa.blog.br): “É uma palavra formada pela união de partes de duas outras existentes na língua. Geralmente se usa o início de uma palavra e o final de outra.” Exemplos: chafé, namorido, portunhol, sapatênis, telemóvel.

Não sei qual seu estado emocional hoje, mas a vida precisa ter sentido. A partir das pequenas coisas. As férias, mal começaram, estão acabando. Julho está indo embora. O tempo passa, queira-se ou não queira. Não deixe de fazer algo só por saber que será demorado, pois, fazendo ou não fazendo, o tempo passará. É tempo de mais? Que nada! A Bíblia diz, no livro de Salmos, capítulo 90, versículo 10, parte final, que “tudo passa rapidamente, e nós voamos”. Se você decidir estudar, viajar, fazer qualquer coisa. Ler um livro, fazer um curso, por exemplo, o tempo passará. Se você não fizer, passará igualmente, e você não fez. Deixou passar a oportunidade.

Já que o tempo vai passar, faça algo. Deixe o tempo fluir, mas faça alguma coisa. Ele fluirá de qualquer maneira, por mais tolo que pareça dizer isso. O problema não está em o tempo passar, pois ele não pode ser parado, mas em você o deixar correr in albis, como diz a linguagem jurídica, sem fazer coisa alguma. Vale lembrar aqui outra lição da Bíblia. Diz Eclesiastes, capítulo 3, versículo 1: “Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo propósito debaixo do céu.” Não se trata de fatalismo, mas de uso racional do tempo. É isso. Faça o tempo em sua vida ter sentido.

A caminhada, seja longa ou seja curta, começa com o primeiro passo. Isso é óbvio? Sim, é. É melhor, todavia, do que ser paradoxal. Nunca vi problema algum em dizer o óbvio. É, às vezes, até necessário. Se é óbvio, todos sabem. É necessário, porém, aqui e acolá, ser relembrado. Lembrar isso na hora do cansaço ou do desânimo fará a diferença na vida de qualquer um. Se não der o primeiro passo, não caminhará. A caminhada, longa ou curta, começará com o primeiro passo e terminará com o derradeiro. No meio, entre eles, estará a persistência. E assim é em relação a tudo na vida. 

segunda-feira, 8 de julho de 2024

É bom ser lembrado por alguém!

 

É bom ser lembrado por alguém. Gosto, por isso, de citar uma frase antológica de Innocêncio de Jesus Viégas, na crônica “A sabedoria do mendigo”, publicada na edição de setembro de 1996 (ano XIX – n.º 5) do jornal maçônico de circulação mensal O Esquadro. O jornal, infelizmente, sofreu solução de continuidade. Salvo engano meu, a última edição saiu em março de 2001, quando deixou de circular. A lição, contudo, ficou guardada, insculpida no meu pensamento, a moldar-me a personalidade. Diz: “É bom ser amigo de alguém e ter a satisfação de ser reconhecido como tal.”

São 8 de julho de 2024, 10h19, quando me sento para escrever. Marabá está agradavelmente nublada, sob chuva fina, que vai molhando a terra lentamente. Choveu grosso mais cedo. Chuva forte, mas, graças a Deus, mansa e pacífica. Sem relampos e trovões. É a chuva do caju, como dizem. E o dia está muito lindo. Escrevi relampo propositadamente. “Pra tirar onda, meu irmão!”, como diz a música “Motoboy”, de Pepe Moreno. A palavra está no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, e, claro, é dicionarizada. Muitos, porém, não sabem disso.

Lembrei-me de Raymundo Netto, cronista do jornal cearense O Povo, jornalista e escritor, autor de Crônicas absurdas de segunda, obra de fôlego que, embora seja um livro de crônicas, enriquece a literatura brasileira. Raymundo Netto é muito culto, escreve bem, e o livro, por tudo isso, é riquíssimo e enriquecedor literariamente de quem, por felicidade, o lê. Falo ligeiramente de ambos – do autor e do livro – na minha crônica “A crítica abalizada das visagens literárias”. Pois é, Netto também escreve relampo.

O pensamento da gente voa. Falar de Raymundo Netto me fez lembrar de dois amigos meus muito queridos, a Dr.ª Clarissa de Cerqueira Pereira, ex-advogada da Câmara Municipal de Marabá, hoje servidora de carreira do Ministério Público de Contas Estado do Pará, e o Dr. Carlos Magno Gomes de Oliveira, também meu ex-colega de Câmara Municipal de Marabá e hoje juiz de direito do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, um magistrado que, com retidão de caráter e dedicação aos estudos e ao trabalho, honra  e engrandece a Magistratura.

A Dr.ª Clarissa, em 4 de fevereiro de 2023, teve a delicadeza de fotografar o belíssimo cajueiro de Humberto de Campos, em Parnaíba, Piauí, e me enviar pelo WhatsApp. O cajueiro – agora com 128 anos – foi plantado, em 1896, pelo menino Humberto de Campos Veras que se tornaria imortal da Academia Brasileira de Letras. O Dr. Carlos Magno, em 16 de junho próximo passado, muito gentilmente, enviou-me, também pelo WhatsApp, uma foto ao lado de uma estátua. Embaixo, a mensagem: “Bom dia, meu amigo! Estou em Maceió, e, ao passar em frente à estátua de Aurélio Buarque de Holanda, não resisti fazer o registro e lhe enviar! Vou seguir a caminhada!” Gestos como esses são impagáveis. É bom ser lembrado por alguém!    

domingo, 7 de julho de 2024

O passado não deve ser esquecido

 

Na crônica “Mas isto fala!”, de 30 junho de 2024, Ruy Castro, imortal da Academia Brasileira de Letras, relembra a ligação de Alexander Graham Bell para D. Pedro II. Leio as crônicas de Ruy na Folha de S. Paulo e na página da academia, seção Artigos da aba Acadêmicos. São dois locais virtuais em que também lia Carlos Heitor Cony. Eu era também leitor cativo, aos domingos, de João Ubaldo Ribeiro, na página da academia e na versão online do jornal O Globo. Anos antes da internet, aliás, eu já lia Cony, Ribeiro, Carlos Chagas e outros cronistas famosos na Manchete, revista impressa. Na revista Caros Amigos, também impressa, lia Ana Miranda e Frei Betto.  

Sou inconformado com a perecibilidade das coisas, das pessoas e das instituições. Deus “pôs a eternidade no coração do homem”, diz a Bíblia em Eclesiastes, capítulo 3, versículo 11. Está explicado. Existem divergências quanto à tradução desse versículo, mas, polêmicas à parte, prefiro a versão revista e atualizada (conhecida pela sigla ARA) da tradução de João Ferreira de Almeida. Esta: “Tudo fez Deus formoso no seu devido tempo; também pôs a eternidade no coração do homem, sem que este possa descobrir as obras que Deus fez desde o princípio até ao fim” (Ec 3.11).

As coisas, as instituições e as pessoas se vão, aceitemos ou não, mas não devemos nos esquecer delas. Não se deve jamais esquecer o passado: se foi bom, deve ser lembrado porque foi bom; se foi ruim, deve ser lembrado para que não se repita. Oportuna mais uma lição bíblica sobre olhar o passado. O breve relato da criação traz uma lição à qual gosto de recorrer (Gênesis, capítulo 1, versículo 31, parte a): “Viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era muito bom.” Eu gosto de olhar para o passado. Ruy Castro também gosta.

Além de gostar de escrever crônicas sobre livros, filmes e outras produções do passado, Ruy Castro é biógrafo de personalidades ilustres. Escreveu, que me lembre, as biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues. É, sem dúvida alguma, autoridade no assunto e, ao valorizar tanto o passado, contribui significativamente para nossa cultura. Bem merecida, pois, e muito justa a sua eleição para imortal da Academia Brasileira de Letras.

Carlos Heitor Cony, João Ubaldo Ribeiro, Rachel de Queiroz e Rubem Braga, dentre tantos outros cronistas famosos do passado recente, partiram (involuntariamente, é óbvio) para eternidade e nos deixaram. Sua riquíssima produção, porém, continuará, viva e sedutora, na mente e no coração dos leitores, que com isso só se beneficiam. Graças a quem? Graças aos escritores e editores que, sem descuidar do presente e do futuro, amam e preservam o passado.


segunda-feira, 1 de julho de 2024

Campi é plural de campus

 

“Universidades estão em obras há 16 anos, e Lula promete novos campi”, dizia a manchete de uma reportagem do jornal Folha de S. Paulo, de 23 junho de 2024, manchete que li no BOL Notícias. “O campus de Unaí da UFVJM (Universidade Federal do Vale do Jequitinhonha e Mucuri), em Minas Gerais, completou dez anos de existência na última quinta-feira (20)”, dizia por sua vez a primeira frase do texto. Pois bem. Vê-se aí o emprego de campi e de campus, palavras em latim. O jornal, aliás, não as pôs, como deveria pôr, em itálico, negrito ou entre aspas, já que são palavras estrangeiras.

Gostei. E aproveitei a deixa para escrever uma crônica. Para começo de conversa, deixa é substantivo feminino, de formação regressiva do verbo deixar. Campus é substantivo masculino e seu plural é campi. Campus e campi são palavras latinas que foram cristalizadas em português na forma que elas têm no nominativo em latim. O público em geral, porém, não deve se preocupar com essa explicação. É simples. Basta saber que campi é plural de campus, coisa que muitos não sabem. Embora não saber disso não seja por si só nenhum demérito, é importante saber.

Lembrei-me do que me contou há alguns anos um amigo, ex-aluno, como eu, da querida Universidade Federal do Pará – Campus de Marabá. A Universidade Federal do Pará tem muitos campi. Um deles era o Campus Universitário de Marabá, depois transformado em Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), campus em que cursei o bacharelado em Direito, de 1996 a 2002. Como se vê, um ano a mais do que o convencional. É que, devido a problemas pessoais, fiquei exatamente um ano sem estudar. Coisas da vida.

Na aula – segundo ele –, um aluno perguntou a um dos professores vindos de Belém, se o correto era campus ou se era campi. O professor viajou na maionese e respondeu que a diferença é que campus é da capital e campi é do interior. Explicação errada, claro. Uma universidade pode ter dois ou mais campi na capital e nem um no interior. Bastaria ter dito que campi é o plural de campus. Simples. Ensinou erradamente à classe inteira, e o erro, naturalmente, se propagou no tempo e no espaço. Que pena! Será que foi falta de humildade?

O fato ocorreu faz muitos anos. A regra, porém, continua inalterada. Alguns até defendem, já faz algum tempo, o aportuguesamento de campus para câmpus, palavra esta que ficaria invariável, comum de dois gêneros: o câmpus, os câmpus. É o caso, por exemplo, de um professor que tive, o gramático e latinista Napoleão Mendes de Almeida, no seu famosíssimo Dicionário de questões vernáculas. Tive a honra de ser aluno do seu curso de português, conquanto, por questões financeiras à época, infelizmente não tenha conseguido concluir o curso! Napoleão era imbatível, no português e no latim.

É cientificamente possível esse aportuguesamento. Como aconteceu, por exemplo, com as palavras latinas onus e virus, aportuguesadas, respectivamente, como ônus e vírus. Ele, contudo, ainda não foi adotado pela Academia Brasileira de Letras, que tem oficialmente a autoridade para isso. O Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, na edição atual, inclusivamente na versão eletrônica, continua a registrar apenas a forma campus, substantivo masculino. E, claro, como palavra estrangeira, latim. Para mim, não deve mudar. É tradição da academia. Mexer para quê? Cada um, porém, pense o que quiser. Só não deve ensinar erradamente.