Andando pela Praça Duque de Caxias, logo após terminar meu expediente na Câmara Municipal, passei por duas mulheres jovens que, em frente à Inspetoria Litúrgica do Supremo Conselho da Maçonaria, conversavam entre si sobre não sei o quê. Pude, contudo, ouvir nitidamente quando uma delas disse para a outra: “A mesma coisa é direito, curso de advogado: não tem utilidade nenhuma para as pessoas.” Passei calado, é óbvio, até porque elas não sabiam que sou advogado. Demais disso, diz a Bíblia (Provérbios, capítulo 26, versículo 17): “O que, passando, se mete em questão alheia, é como aquele que toma um cão pelas orelhas.” Fiquei, todavia, pensando nos equívocos e preconceitos dessa afirmação da moça (dita, a seu ver, com laivos de sabedoria). Puxa vida, são tantos, que o espaço de uma crônica é muito pequeno para dissecá-los! Darei aqui, no entanto, umas pinceladas de leve.
Para inicio da conversa, curso de Direito não é curso de advogado, pois Advocacia não é formação acadêmica, é profissão jurídica, como profissão jurídica também é, por exemplo, a Magistratura. Ninguém vai para a faculdade estudar Advocacia, vai-se estudar o Direito. Quem conclui o bacharelado em Direito – também chamado de bacharelado em Ciências Jurídicas e Sociais – não é advogado; advogado é somente o bacharel em Direito que, após ser aprovado no exame de ordem, é inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil. É bom que se diga, entretanto, que essa confusão do leigo não se dá por acaso, sua razão de ser é a importância do advogado entre os diversos profissionais do Direito (juízes, promotores, delegados e assim por diante). Partindo desse raciocínio, um a zero para os advogados.
Outra coisa. Onde houver sociedade, onde houver gente, haverá regras de comportamento, ou seja, haverá necessariamente o Direito. Como ensina Antonio Junho Anastasia, na apresentação do livro Técnica Legislativa, de Kildare Gonçalves Carvalho, “é a norma jurídica que impõe os padrões normativos de conduta humana, permitindo o convívio entre os homens”. Logo, o curso de Direito em si e todos os profissionais do Direito – não só os advogados – têm sim muita utilidade para as pessoas. Não é sem razão que, no seu artigo 133, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a mais democrática das constituições brasileiras, diz que “o advogado é indispensável à administração da justiça”. Sem advogado, não se faz justiça. E o anseio por justiça vem de Deus. “Não há justiça sem Deus”, já deixou imortalizado Rui Barbosa, na Oração aos Moços.
“A lei é dura, mas é lei”, diz a máxima bem conhecida e ora invocada com boas, ora com más intenções. É verdade, a lei é dura, mas é lei. Existem, contudo, leis boas e leis ruins, umas feitas com boas intenções, as outras, com más intenções. E, se não bastasse disso tudo, a lei nem sempre coincide com a vontade do legislador, uma vez que, não muito raramente, por desconhecimento ou até inobservância voluntária da técnica legislativa, o legislador pensa em escrever uma coisa e acaba escrevendo algo diverso ou mesmo oposto do que desejava. Isso acontece muito mais do que o leigo pode imaginar, infelizmente, nos casos de boa intenção e felizmente, nos demais casos. Logo, não pode nem deve jamais prevalecer toda e qualquer lei, simplesmente por ser lei. Os romanos já diziam que nem tudo que é legal é também moral. Quase todo o mundo sabe disso, não é privilégio só dos profissionais do Direito.
Mas não é só isso. A lei é fruto da técnica jurídica e fonte direta ou imediata do Direito, conquanto não se confunda necessariamente com ele, da mesma forma que o direito não se confunde com a justiça. Lei é lei, direito é direito, justiça é justiça, não necessariamente nessa ordem. A técnica jurídica se divide em técnica legislativa, que é a arte de fazer a lei, e hermenêutica, que é a técnica de interpretá-la e aplicá-la. Aprender o Direito não é decorar o texto da lei, saber a lei não é decorar-lhe as palavras, como ingenuamente muitos pensam e alguns, mais do que isso, preconceituosamente o dizem. Decorar a lei qualquer um pode, mas para interpretá-la e aplicá-la é necessário ser um profissional, acadêmica e legalmente habilitado. É por isso que existem os profissionais do Direito e o advogado é indispensável para a administração da justiça.
“Bona est lex, si quis ea legitime utatur” (“boa é a lei, se alguém a utiliza legitimamente”), ou seja, se a aplica com retidão. Isso, aliás, é bíblico e tem, por isso, valor incalculável para os cristãos. É uma redução do versículo 8 do capítulo 1 da Primeira Epístola de Paulo a Timóteo, em latim: “Scimus autem quia bona est lex, si quis ea legitime utatur” (Epistula I ad Timotheum, I.VIII). É isso. Tenho orgulho de ser advogado, porque sei da nossa utilidade para o bom convívio entre os homens (e as mulheres também, claro).
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