Tenho carinho por tudo que me lembra a pessoa, os falares e costumes do meu avô materno, José Monteiro da Silva – que, aliás, foi o único avô que conheci – e meu pai, João Belizário de Souza, ambos já falecidos. Eram homens diferentes entre si em muitos sentidos; tinham, contudo, muitas características em comum também, dentre elas o serem ambos nordestinos, naturais do Estado do Piauí, não obstante de cidades diferentes.
Paraense nascido em São Domingos do Araguaia e radicado em Marabá que até agora nem sequer viajou para lugar algum do Nordeste, tenho, por paradoxal que pareça, paixão pelo nordestino, até porque meus ancestrais, maternos e paternos, são do Nordeste (Ceará, Piauí e Maranhão). Seu linguajar, característico por palavras em si e pelo sotaque bem acentuado, sempre despertou minha atenção desde criança. Ficava embevecido ouvindo o tio Américo, marido da tia Hosana, contar histórias e mais histórias, enquanto enchia talabardões e cuidava de outros petrechos das suas tropas de burros.
A tia Hosana é irmã da minha mãe, Antônia Monteiro de Souza, e o tio Américo, marido dela, era um cearense pé-rachado, mas muito trabalhador, que chegou ao Pará através do Maranhão. Era tropeiro – chegou a ter várias tropas, de cinco burros cada uma – e atuava no transporte de cargas, de produtos da lavoura (arroz, feijão, milho e farinha) a castanha-do-pará. Muito brincalhão e contador de piadas e histórias espirituosas (às vezes pornográficas), gostava de, brincando, dizer ao meu irmão José, um ano mais novo do que eu: “Vou pegar meu revólver, arredondar seus pés de bala e lhe deixar calçando ouriço.” E eu amava ouvi-lo dizer isso com seu sotaque forte de cearense. Ah, quanta saudade do tio Américo! Ele faleceu em fevereiro de 2007, um mês após o falecimento do meu pai.
Pois bem. Recebi dos meus pais e demais parentes próximos nordestinos (minha mãe e os irmãos dela são de Pedreiras, Estado do Maranhão) rica herança filológica, a despeito de muitos deles – meus pais, por exemplo – serem analfabetos. Alegra-me sobremaneira lembrar-me de palavras do meu tempo de criança e adolescente, na zona rural, como já disse em outras crônicas. Fiel e apegado às minhas raízes, quero falar dos meus antepassados sempre com admiração e muita saudade, notadamente do meu avô e do meu pai, homens pobres e humildes dos quais tenho boas lembranças. Eles se foram deste mundo, mas estarão sempre comigo, no coração.
“Entica”, “emboança”, “semodeza” e tantas outras palavras que me lembram deles, quando nos repreendiam, a mim e meus irmãos. Eis a razão desta crônica: a saudade imensa que tomou conta de mim ao ler, na página da Academia Brasileira de Letras, a crônica “A República, filosoficamente”, de João Ubaldo Ribeiro, também nordestino. É que ele, nessa crônica, com ironia e brincadeiras, fala da sua querida Itaparica e, referindo-se ao emprego do termo “factoide”, afirma tratar-se de um “furto filológico” de que Itaparica foi vítima, pois factoide era palavra empregada já pelo padre Vieira, quando xingava os hereges nas suas prédicas da catedral.
Paraense nascido em São Domingos do Araguaia e radicado em Marabá que até agora nem sequer viajou para lugar algum do Nordeste, tenho, por paradoxal que pareça, paixão pelo nordestino, até porque meus ancestrais, maternos e paternos, são do Nordeste (Ceará, Piauí e Maranhão). Seu linguajar, característico por palavras em si e pelo sotaque bem acentuado, sempre despertou minha atenção desde criança. Ficava embevecido ouvindo o tio Américo, marido da tia Hosana, contar histórias e mais histórias, enquanto enchia talabardões e cuidava de outros petrechos das suas tropas de burros.
A tia Hosana é irmã da minha mãe, Antônia Monteiro de Souza, e o tio Américo, marido dela, era um cearense pé-rachado, mas muito trabalhador, que chegou ao Pará através do Maranhão. Era tropeiro – chegou a ter várias tropas, de cinco burros cada uma – e atuava no transporte de cargas, de produtos da lavoura (arroz, feijão, milho e farinha) a castanha-do-pará. Muito brincalhão e contador de piadas e histórias espirituosas (às vezes pornográficas), gostava de, brincando, dizer ao meu irmão José, um ano mais novo do que eu: “Vou pegar meu revólver, arredondar seus pés de bala e lhe deixar calçando ouriço.” E eu amava ouvi-lo dizer isso com seu sotaque forte de cearense. Ah, quanta saudade do tio Américo! Ele faleceu em fevereiro de 2007, um mês após o falecimento do meu pai.
Pois bem. Recebi dos meus pais e demais parentes próximos nordestinos (minha mãe e os irmãos dela são de Pedreiras, Estado do Maranhão) rica herança filológica, a despeito de muitos deles – meus pais, por exemplo – serem analfabetos. Alegra-me sobremaneira lembrar-me de palavras do meu tempo de criança e adolescente, na zona rural, como já disse em outras crônicas. Fiel e apegado às minhas raízes, quero falar dos meus antepassados sempre com admiração e muita saudade, notadamente do meu avô e do meu pai, homens pobres e humildes dos quais tenho boas lembranças. Eles se foram deste mundo, mas estarão sempre comigo, no coração.
“Entica”, “emboança”, “semodeza” e tantas outras palavras que me lembram deles, quando nos repreendiam, a mim e meus irmãos. Eis a razão desta crônica: a saudade imensa que tomou conta de mim ao ler, na página da Academia Brasileira de Letras, a crônica “A República, filosoficamente”, de João Ubaldo Ribeiro, também nordestino. É que ele, nessa crônica, com ironia e brincadeiras, fala da sua querida Itaparica e, referindo-se ao emprego do termo “factoide”, afirma tratar-se de um “furto filológico” de que Itaparica foi vítima, pois factoide era palavra empregada já pelo padre Vieira, quando xingava os hereges nas suas prédicas da catedral.
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