Fórum do curso de especialização em Direito Constitucional. O professor propõe para debate o tema Direitos Sociais, dirigido mais especificamente para o Capítulo VII do Título VIII da Constituição Federal, capítulo e título estes que são intitulados Da Família, da Criança, do Adolescente e do Idoso, e Da Ordem Social, respectivamente.
Afirma que, pela Constituição, o Estado deveria garantir a todos, sem distinção, educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade, assistência aos desamparados, mas o Brasil não cumpre isso porque os recursos são poucos. E faz indagações: Como equilibrar necessidade das pessoas em efetivamente ter serviços dignos e orçamento disponível do Estado? Numa eventual demanda requerendo o fornecimento de um medicamento, por exemplo, o Poder Judiciário poderia determinar o fornecimento do medicamento pelo Estado mesmo com a alegação governamental de falta de recursos? Não teríamos uma atitude antidemocrática em que um poder estaria interferindo em outro (neste caso Judiciário versus Executivo)? E, por fim, convida para o debate. Eis, a seguir, minha participação.
“O Estado, no Brasil, é um brincalhão”, escreveu Rubem Braga, em 1958, na crônica “Um mundo de papel”. Exatamente por isso, o Poder Judiciário, não raro, entre pompas e sobrepelizes, rapapés e salamaleques de juízes e outros magistrados, se esquece de outra afirmação importantíssima trazida pelo ilustre escritor naquela mesma crônica: “Não basta despachar o papel, é preciso resolver o caso.”
O Poder Judiciário é um aparelho ideológico do Estado, como ensina Louis Althusser, na obra Ideologia e Aparelhos e Ideológicos do Estado. Aliás, Althusser, aí na mesma obra, defende a tese de que a ideologia tem uma existência real e uma existência material, o que parece muito ser a mesma coisa, mas não é, uma vez que o imaginário também é real. E, assim, pode-se dizer, sem cometer injustiça nem exagero, que por grande parcela de culpa do Poder Judiciário os direitos e garantias estabelecidos na Constituição da República são postergados, muito notadamente culpa dos tribunais superiores, os quais, com acentuada frequência, adotam em suas decisões um viés desbragadamente político, passando muito ao largo do jurídico. As decisões sobre mandado de injunção, ao longo de décadas, são exemplo disso. Com a palavra os tribunais superiores da República, para que demonstrem o contrário.
Eis aí a explicação, em parte, por que os direitos sociais, embora sejam garantias fundamentais dadas a toda a sociedade pela Constituição, são reais, mas nem sempre são materiais, para falar no linguajar althusseriano. O provimento ou efetivação dos direitos sociais, dada a sua dimensão essencial de prestações positivas do poder público, sempre esbarrou em diversos empecilhos da parte do Estado, nos Poderes Executivo e Legislativo, que para isso, quase sempre, contaram com a conivência do Poder Judiciário. Palavras e expressões como “precatórios”, “reserva do possível”, “ajustamento do socialmente desejável ao economicamente possível” e coisas que o valham têm lá a sua verdadeira razão de ser, mas ninguém poderá negar que, muito frequentemente, se prestam à negativa e à postergação de direitos sociais que poderiam muito bem ser, de plano, atendidos.
O indispensável equilíbrio entre o orçamento disponível do Estado e a necessidade de que as pessoas tenham efetivamente serviços dignos requer vontade política, real e material, de todos os Poderes da República, que redunda, indiscutivelmente, no cumprimento da Constituição e das leis em relação aos direitos sociais, sem desculpas, sofismas e expedientes quejandos, com o aporte material de recursos orçamentários e financeiros, fiscalização efetiva e combate intransigente à corrupção e aos desvios de recursos.
O Poder Judiciário pode sim (aliás, mais do que isso, deve), sem prejuízo do exame compulsório das peculiaridades de cada caso, determinar, em demandas judiciais, que o Estado forneça medicamento, mesmo diante da alegação governamental de falta de recursos, até porque essa alegação, instrumento corriqueiro da defesa, costuma muitas vezes não corresponder à verdade. E essa determinação não poderá ser tachada de atitude antidemocrática, de interferência de um poder em outro, porque será nada mais nada menos do que o cumprimento da Constituição Federal, base maior de todo o ordenamento jurídico. Chega de ver o Título VIII da Constituição como um aglomerado de normas programáticas relegadas a efetivação incerta e futura.
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