terça-feira, 26 de maio de 2009

A LEI, A RAZÃO E O CUIDADO DA COMUNIDADE

Não tive a oportunidade de estudar regularmente o Latim, muito embora sempre tenha nutrido verdadeira paixão por essa língua, que é a língua-mãe do Português. Da mesma sorte, mesmo sendo membro da Igreja Presbiteriana do Brasil, gosto de estudar Direito Canônico, que é o Direito da Igreja Católica Apostólica Romana. Por dois motivos. Primeiro, porque o Direito Canônico, tal qual o Direito Romano, tem muito latim. Segundo, porque do Direito Canônico e do Direito Romano vieram inúmeros institutos do Direito Ocidental ou Direito Romanista, como se diz na linguagem da História do Direito, principalmente institutos do Direito Civil.

Tenho, por isso, uma edição bilíngue (em latim e em português) do atual Código de Direito Canônico (Codex Iuris Canonici), promulgado em 25 de janeiro de 1983, pelo papa João Paulo II, comentado pelo padre Jesús Hortal (assim mesmo, com acento agudo na letra “u”, por ser castelhano), renomado professor universitário, teólogo e canonista de confissão católica apostólica romana. E de estudá-lo tenho aprendido muitas coisas interessantes.

Assim, compartilho aqui com o leitor interessado no assunto (notadamente os da comunidade jurídica) duas das muitas pérolas daí retiradas, uma dos comentários e a outra do código mesmo. Dos comentários, a definição de lei dada por Tomás de Aquino e citada pelo erudito professor Jesús Hortal; do código, um brocado latino que foi positivado no cânon 27 do Codex Iuris Canonici e é muito citado pelos juízes, membros do Ministério Público e advogados que, como eu, apreciam uma citação latina.

Consuetudo est optima legum interpres”, diz o original latino. Em português, traduz-se: “O costume é o melhor intérprete da lei.” Aí o brocardo latino que se tornou o cânon 27 do Codex de 1983 (positivar um brocardo ou um princípio é escrevê-lo expressamente como lei). Aqui a definição: “Lei é uma ordenação da razão para o bem comum, promulgada por aquele que tem o cuidado da comunidade.” É a magistral lição dada por Tomás de Aquino e citada por Jesús Hortal, no comentário ao cânon 7.

Deixo de comentar nesta crônica o brocardo que virou lei canônica (pode até ser que já o fosse no Código de Direito Canônico de 1917; não sei, mas sempre o conheci antes apenas como brocardo). Talvez ainda resolva comentá-lo em outra ocasião. Quero, contudo, comentar rapidamente a definição de lei dada por Tomás de Aquino.

A sábia definição de Tomás de Aquino nos faz lembrar que a lei só será realmente lei se for ordenada pela razão e, por conseguinte, criada para o bem comum. E mais, somente terá esses atributos se for promulgada por quem tem o cuidado da comunidade. Isso lembra as palavras de Jesus Cristo, quando disse que o bom pastor dá a vida pelas ovelhas, porque tem o cuidado delas, mas a ladrão ou mercenário, não. O ladrão ou mercenário não tem o cuidado das ovelhas, não se importa com a sorte delas e, por isso, foge diante do perigo.

É uma pena que muitos parlamentares de todos os níveis (federal, estadual e municipal) não saibam disso e muitos dos que sabem não tenham o cuidado da comunidade, não se preocupem, como de fato não se preocupam, com o bem comum! Está aí razão de tantos absurdos paridos por todos os parlamentos e apelidados de lei, para a desgraça da comunidade. Tais abortos jurídicos podem ser tudo, menos lei!

É por isso que Tomás de Aquino, com muita sabedoria, falava de três tipos de lei: a lei imutável (Lex aeterna), proveniente da razão divina, que dirige os atos e movimentos no cosmos; a lei natural (Lex naturae), razão humana em interação com a lei imutável; e a lei humana (Lex humana), criada pelo homem, para atender ao bem comum. Se a lei humana se corrompe ou degenera, deixa de atender aos princípios de justiça e, assim, pode e deve ser desobedecida, desconsiderada. Lei que não atende ao bem comum não é lei, porque não é criada por quem defende a comunidade e cuida dos interesses dela.

Concordo plenamente com Tomás, pois o que mais existe no Brasil – para ficarmos aqui mesmo, restritos ao nosso arraial - são aberrações, teratologias e abortos jurídicos chamados erroneamente de lei. Também concordo com o filósofo alemão Jahrreiss, que disse: “Legislar é fazer experiências com o destino humano.” Ora, toda experiência científica deve ser feita com zelo e muita responsabilidade. No campo da legislação, no entanto, há milhares de pseudocientistas pelo Brasil afora – na verdade criminosos de todos os matizes – usurpadores da nobre função de parlamentar.

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