sexta-feira, 24 de outubro de 2008

OS ANOS CORROMPEM O SONHO

Li Saudades Mortas, de José Saney, imortal da Academia Brasileira de Letras. É um livro de poemas e sublinhei com caneta vermelha, como sempre faço, inúmeros versos, frases, orações, períodos. Faço isso já há alguns anos. Meus livros são riscados de caneta vermelha, com o que acrescento realce àquilo que me chama a atenção ou entendo ser essencial no texto que leio. De Sarney, também estou lendo os livros de crônicas Canto de Página e Sexta-feira, Folha. A crônica é o meu gênero literário preferido, e gosto de Sarney como cronista.

Uma frase que muito me chamou a atenção em Saudades Mortas foi esta: “Os anos corrompem o sonho.” É um verso do poema "A menina do retrato". Essa frase, que também é oração e período simples (lembrando aqui o trivial da Gramática: nem toda frase é oração, nem todo período é simples), tem significado profundo, dentro e fora do contexto.

Os anos têm-me corrompido os sonhos, e sonho corrompido não é sonho; pelo menos deixa de ser sonho puro em qualquer das acepções da palavra. Os anos matam os sonhos, quando não os concretizam. E muitos dos meus sonhos têm morrido, dia após dia, até porque o ser humano muda de idéia com a idade, não só porque se desilude, mas também porque amadurece. “Vaidade de vaidades, tudo é vaidade”, disse na profundeza de sua angústia, desilusão e também sabedoria, ao que tudo indica, no fim da vida, o escritor de Eclesiastes.

Triste do homem, da mulher ou, genericamente, do ser humano que já não tem sonhos vivos, para vivê-los. Ter os sonhos mortos dia após dia é também morrer com eles, pois somente na busca de realização dos sonhos é que o ser humano se encontra, vive. Daí a imensidade (imensidão, se alguém assim o prefere) dos que se perdem! Deixar de sonhar é deixar de ser humano, no mínimo, deixar de ser um ser humano normal.

Eu tenho sonhos, ainda os tenho. Mas, às vezes, me vejo entediado e desiludido com as pessoas, o discurso religioso, o discurso político, o bandido que se faz passar por autoridade com laivos de pureza e honestidade de propósitos, e que é reconhecido como tal, como autoridade. Há muito, tenho ao mesmo tempo medo e vergonha do Estado, sentimentos estes que me atormentam em duas dimensões, saber: como agente do governo e como povo. Sem hipocrisia, sem falso moralismo, mas também sem ingenuidade, sem covardia, sem papas na língua: o Brasil não é um país sério!

Estado é povo, governo e território. E, por causa disso, algumas pessoas, como é o meu caso, estão ligadas duas vezes ao mesmo tempo a esse tal monstro, tantas vezes imoral, corrupto e omisso. A ele se ligam compulsoriamente como seus habitantes e como seus agentes.

Quem, pelo menos uma vez na vida, não sentiu vergonha de ser brasileiro, diante de tantos desmandos, maldade, corrupção, imoralidade, e omissão? Só mesmo um nefelibata (também se diz nefelíbata), que nem sabe onde vive, porque está sempre no mundo da lua! O Estado brasileiro, na acepção mais ampla do termo (município, estado-membro e União) e suas instituições, também quase sempre imorais, corruptas e omissas, despertam-me, além do medo e do asco que já me são crônicos, sentimentos outros os mais primitivos.

Tenho ojeriza a essa coisa chamada Estado (povo, governo e território), porque ela é culpada, na pessoa do povo e do governo, por quase tudo de ruim que existe. Ao contrário do que ingenuamente se pensa ou hipocritamente se diz, a maioria das pessoas, governantes ou governadas, não são boas e honestas: são imorais, corruptas, covardes e omissas. Negar isso é tentar cobrir o Sol com a peneira, o que, nem é necessário dizer, é impossível.

Nenhum comentário: