sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Um Dia das Crianças Diferente


 


Corria o ano de 2000, já quase no fim. Já não sei ao certo se 12 de outubro ou a véspera desse dia, cerca das 15 horas. Eu, já pai de dois filhos, morava detrás da Escola Estadual de Ensino Médio e Fundamental “Luzia Nunes Fernandes” e do Supermercado Marabá, Folha 28, bairro Nova Marabá, e voltava da Universidade Federal do Pará, onde cursava o penúltimo ano de Direito. Fora, como sempre, acudir às muitas atividades acadêmicas: estava cansado e um pouco desanimado, sob um sol ligeiramente nublado e aparentemente apático.

Uma rua e três casas antes da minha, encontrei uma criança, de mais ou menos dez anos, um menino, que chorava na via pública. Não gosto de ver criança chorando e logo me acerquei dele, indagando-lhe por que chorava, qual seu nome e onde morava. Jeferson era seu nome, morava na Folha 33 e estava indo à escola, mas entrara no Supermercado Marabá, para comprar uma borracha e caíra em desgraça: com fome, pegara um pacote de biscoitos e escondera na mochila, mas, pilhado pelos empregados do comércio, tivera apreendida a mochila, com cadernos e livros. E, para a devolução, exigiam-lhe – disse-me – o pagamento dos biscoitos ou a presença de seus pais.

Estava naturalmente aflito e, com instância, rogava-me a ajuda: não poderia faltar à escola naquele dia nem voltar para casa sem bolsa, porque o pai o castigaria severamente. Emotivo, quase chorei também. Era Dia das Crianças e ele deveria ganhar brinquedo, como tantas outras crianças. Mas, em vez disso, estava ali, humilhado e chorando. E o mais triste de tudo: não pegara um carrinho ou qualquer outro brinquedo, pegara biscoitos, sob o mover da fome, na sua inocência de criança!

Furto famélico? Crime de bagatela? Ah, nem isso! Apenas uma inofensiva e momentaneamente desventurada criança. O instinto paternal, embora nunca a tivesse visto antes, me fez sentir vontade de abraçá-la e confortá-la, mas me contive. Disse-lhe que se acalmasse e, dando-lhe o dinheiro para o pagamento, fiquei parado, no meio da rua, a aguardar o desfecho. Mas, que nada! Ele voltou, mais assustado ainda, porque não lhe aceitaram o dinheiro e queriam saber quem lho dera.   

Acompanhei-o ao supermercado, disposto a tomar-lhe as dores. A moça, toda afoita, veio logo me dizendo que ele furtara o biscoito e perguntando-me se era o pai dele. Respondi-lhe que morava ali perto e nunca o vira antes, mas lhe dera o dinheiro para pagar os biscoitos, porque o encontrara aos prantos na rua e não gosto de ver criança chorando. Além disso, com a gravidade necessária, chamei-lhe a atenção para os matizes cruéis do incidente. Era apenas uma criança e, naturalmente, poderia ter lançado mão de brinquedos, mas não fizera isso, apanhara tão somente comida, porque estava faminta.

Resolvido a comprar a briga, exigi a presença de um dos donos do estabelecimento, que eu conhecia de vista, e, enquanto aguardava, deliberei que, se houvesse qualquer resistência de sua parte, identificar-me-ia como estagiário de Direito, dir-lhe-ia que estávamos diante de um furto famélico e por isso eu lhe exigia a imediata liberação da criança, sob pena de eu chamar a Polícia e levar o caso ao Ministério Público da Infância da Juventude.

Felizmente, não foi necessário. A proprietária do supermercado concordou comigo e prontificou-se a levar de carro o menino à casa dos pais, não sem antes me garantir – diante da exigência que lhe fiz – dizer ao pai que, embora envergonhado, não castigasse a criança, mas apenas a aconselhasse devidamente e velasse para que não viesse a cair na reincidência. Nunca mais vi aquela criança, não sei se ainda vive nem o que faz na vida. Foi, contudo, uma experiência inesquecível.

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