sábado, 7 de abril de 2012

Esperança malograda

Era 25 de junho de 1996. Recém-aprovado no vestibular para Direito da Universidade Federal do Pará – campus de Marabá, eu aguardava na Prefeitura Municipal de Xinguara o início das aulas, quando mudaria residência para Marabá, a fim de estudar.
 
Já planejara e combinara tudo. Com os professores Nilsa Brito Ribeiro e Carlos Henrique Lopes de Souza, coordenadora e vice-coordenador do campus de Marabá, respectivamente, e com o prefeito de Xinguara, Elviro Faria Arantes. Seríamos – eu e a Câmelha, minha mulher – cedidos à União, com ônus para o Município, para trabalhar na Universidade, em Marabá.
 
Era assessor técnico do Gabinete do Prefeito e acumulava o cargo de chefe de Gabinete, optando pela remuneração deste, que era maior. A Câmelha, servidora concursada, era minha secretária. Éramos recém-casados. Casáramos, na amada Igreja Presbiteriana do Brasil, em 16 de dezembro de 1995.
 
Por volta das 10 horas, após trabalhar desde as 7 na sala fechada de ar condicionado, saio – como faço todos os dias – até o átrio do prédio, onde há uma linda e acolhedora mangueira, que vi crescer ao longo dos anos. Vou tomar fôlego contemplando o jardim, como costumo dizer à secretária, minha mulher. Nascido e criado na roça, em meio às árvores da floresta, onde vivi até os 20 anos, amo contemplar a Natureza, que tão bem se expressa na beleza das árvores, dos animais, da amplidão dos céus.

Saindo, vejo na recepção – onde me demoro um pouco para conversar com a agente de portaria (a Jeonildes Dourado de Sousa) – um exemplar do jornal Correio do Tocantins, no qual leio o anúncio das inscrições para cargos de atividade-meio e atividade-fim do Ministério Público Federal (Procuradoria da República), com vagas para várias localidades do país, incluindo Marabá.

O encerramento das inscrições – diz o jornal – dar-se-á no dia seguinte, 26 de junho. Ato contínuo, telefono para Brasília e sou informado acerca dos cargos. Por não poder ler o edital, escolho o cargo pelo nome e, por conseguinte, opto pelo cargo de assistente administrativo. A funcionária que me atende pondera que há apenas uma vaga para esse cargo. Confiante, digo-lhe que não há problema, pois necessito apenas de uma vaga, ao que ela responde com uma risada.

Encerrado o expediente – trabalhávamos das 7 às 13 horas –, compro passagem e viajo, à noite, para Marabá, a fim de inscrever-me. Chegando a Marabá, faço a inscrição às pressas, sem tempo de ler o edital para me informar sobre os vencimentos e as atribuições do cargo. Não faz mal – pensava. Afinal, assistente administrativo tem, sem dúvida, atribuições administrativas, e os vencimentos do Ministério Público Federal não devem ser ruins. Para que me preocupar com edital, já que nem tempo teria para a sua leitura?

Grande decepção me esperava!

Chegada a data da prova, sou o primeiro a chegar ao portão da Universidade Federal do Pará – campus de Marabá, até porque estou sem relógio. Concurso realizado pelo Centro de Seleção e Promoção de Eventos (CESPE), da Universidade de Brasília. Prova dificílima. Meu segundo vestibular, sem dúvida.

Os dias e meses seguintes foram de expectativa. Considerava-me prejudicado porque, como fizera a prova sem relógio, precipitara-me pensando que o tempo se esgotara e, por isso – apressado –, entregara a prova antes do tempo. Mesmo assim, tinha certa confiança, pois achava muito difícil alguém ter-se saído melhor do que eu naquela prova.

Quando sai o resultado, a alegria: fora aprovado em primeiro lugar!
 
Março de 1997. Dia 25. Sai a minha convocação no Diário Oficial da União. Devo apresentar-me dentro de trinta dias, portando a documentação exigida, para tomar posse e daí, até trinta dias, entrar no exercício do cargo.

Agora a desilusão!

A descrição das atribuições do cargo, feita pelas Leis n.os 8.428, de 28 de maio de 1992, e 8.628, de 19 de fevereiro de 1993, e repetida – como não poderia deixar de ser – no edital do concurso (que não lera), diz com todas as letras: “atividades de caráter profissional de menor grau de complexidade e responsabilidade, envolvendo tarefas relacionadas com serviços de portaria, telefonia, reprografia, limpeza, conservação, copa e serviços diversos”.

Estupefação. Decepção no mais alto sentido da palavra. Eu, simplesmente, não acreditava no que via a minha frente... Minha esperança fora malograda!... Eu, que deixara de fazer as provas da Justiça Federal meses antes, em 1996, exatamente porque ficara em primeiro lugar no concurso do Ministério Público Federal, agora, não assumiria o cargo! Não sabia fazer serviços de copa, mas, ainda que soubera, não assumiria da mesma sorte, por uma questão de coerência. Estudara Contabilidade e agora estudava Direito. Não estudara culinária ou coisa semelhante.

Jamais vira coisa igual. Como entender aquilo? Entender-se-ia se ao menos o nome do cargo fosse agente de serviços gerais ou auxiliar operacional. Nunca algo que terminasse com a palavra “administrativo”.

Parecia brincadeira de mau gosto. Descrição semelhante vira somente na literatura. A crônica Pequenos anúncios, de Paulo Mendes Campos: “Precisa-se de empregada competente e amante da limpeza para cozinhar, lavar, copeirar, passar, engomar, cuidar das crianças, servir de enfermeira a senhor idoso paralítico, regar o jardim, fazer faxina diária e demais serviços leves.”

É mole, ou quer mais?       

Desisti. Entrou o Josias Pereira Falcão, meu colega do curso de Direito, que fora classificado em segundo lugar. Fiquei triste, porque estava passando por dificuldades financeiras. Não estava recebendo em dia da Prefeitura Municipal de Xinguara e a minha mulher estava grávida, mas desisti.

Graças a Deus, meses depois – agosto de 1997, para ser mais preciso – era novamente classificado em primeiro lugar em outro concurso público, o de técnico legislativo da Câmara Municipal de Marabá, cargo no qual seria empossado no dia 1.º de abril de 1998. Mais uma vez um dos meus colegas do curso de Direito (agora a Bethânia Coutinho) fora classificado em segundo lugar para o mesmo cargo. Para esse havia cinco vagas, não obstante o tempo viesse a mostrar depois que somente o primeiro classificado seria chamado.

Outra coisa. Com essa bênção viria uma provação. Estudava à tarde, das 14 às 18 horas, e, por isso, teria de interromper o curso por exatamente um ano, como de fato interrompi. A Câmara – atentando contra disposição expressa, embora mal redigida, da Lei Orgânica do Município –, negar-me-ia, como realmente negou, o direito de continuar o curso à tarde.

Mas essa já é outra história. Que também mostra como é a vida. E como são os homens.

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