segunda-feira, 18 de abril de 2011

O tempo e a coisa



Estou, mais uma vez, sem assunto para escrever uma crônica, porque tenho assuntos demais. Logo, não estou sem assunto, mas sem assunto preferido dentre os tantos que se me apresentam. Sem assunto, mas com vontade de escrever. Mas escrever o quê? Escrever um texto, ora!

Poderia, se quisesse, escrever números (aliás, números não; numerais, que poderiam ser em algarismos romanos, ou arábicos), ou, ainda, escrever um conjunto inominado de palavras sem nexo, até mesmo de letras soltas, desgarradas, abandonadas ao léu.  Mas, para que e por que fazer isso?  Não teria sentido e seria, demais disso, um desrespeito com o leitor, o que jamais passou pela minha cabeça fazer.

Texto, para ser texto (não confundir com testo, que também existe, mas com outros significados) tem de preencher requisitos, como, por exemplo, o de ter sentido, significado. Isso, aliás, faz lembrar as palavras de Juremir Machado da Silva que citei na crônica “De pé por causa da palavra”, quando me sentei à frente do computador para, aparentemente, escrever baboseiras como faço neste instante: “Um texto só é um texto se ele oculta ao primeiro olhar, ao primeiro encontro, a lei de sua composição e a regra do seu jogo.”

E a diferença entre número e numeral? Bom, é interessante. Aprendi no meu livro, lá em 1970, quando fui alfabetizado, e nunca esqueci, conquanto tenha esquecido o nome do autor (o nome do livro era Meu Nordeste). Número é a ideia, o que você pensa; numeral é que você fala ou escreve. Já faz tanto tempo, mas, se não estiver enganado, lembro-me de que o Meu Nordeste dizia: “Você pensou, é um número; escreveu ou falou, é um numeral.”

Até hoje não sei por que eu – um menino do Norte, em plena Amazônia – estudei em livro de menino do Nordeste. Como teria vindo para em São Domingos do Araguaia aquele livro que meu pai comprou? Quem o teria trazido? São perguntas para as quais não tenho resposta, embora quisesse muito responder a elas. Coisas da história da minha formação, que foi irregular.

Com efeito, dizer que minha formação foi irregular é pouco. Pobre e filho de pai e mãe analfabetos, comecei estudar em casa, com professor particular, aos 10 anos, na zona rural. Estudei o abecê, a tabuada, a cartilha e primeiro ano, tudo isso em 1970. Aos 16, fui para a escola regular – onde, registre-se, fiquei apenas um ano –, mas já entrei na quarta série. Pelo teste que fiz, poderia entrar na quinta série, mas naquele ano não seria ofertada a quinta série e eu, por nunca ter estudado na escola, queria estudar de qualquer jeito. Depois estudei por correspondência o equivalente ao ensino fundamental e ao ensino médio de hoje. E, anos mais tarde – aos 36 anos, para ser exato – entrei para a Faculdade de Direito, da Universidade Federal do Pará, que concluí com brilhantismo.

“O tempo não precisa de tempo para ser tempo.” Quem o disse (aliás, escreveu) foi o mestre Carlos Heitor Cony, na crônica “O tempo do tempo”, que li no sítio (a gente sempre diz site) da Academia Brasileira de Letras. “Uma coisa é uma coisa, outra coisa é coisa.” Quem o disse – sem pretensão de originalidade, pois, embora encerre profundo ensinamento filosófico, se trata de um adágio popular – foi o escriba aqui. E uma leitora lá de Campinas, São Paulo, a quem muito estimo, discordou, por achar que a frase é infantil. Tudo bem.  Deixemos isso para lá, embora eu não saiba onde fica esse lá para o qual se deixam de tantas coisas!

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