Brasileirismos que superaram
galicismos
Brasileirismo típico,
criado por Medeiros e Albuquerque, a palavra motorista superou, já faz tempo, o
galicismo chofer, que vem de chauffeur.
Semelhantemente, a palavra cardápio,
neologismo erudito de Castro Lopes, também suplantou o galicismo menu. Força natural da língua, que é
viva, reage e evolui. Epa! Evolui, forma finita de evoluir? Evoluir, de évoluer, é considerado galicismo. Vou ser
reprochado. Vixe, de novo! Reprochado é particípio passado de reprochar.
Reprochar vem do francês reprocher. Sendo
assim, embora não queira, sou galiciparla. Como, dessa forma, não ser tachado
de cometer galicismo após galicismo?
Faço com isso,
logicamente, uma brincadeira de cunho ligeiramente histórico e linguístico,
pois trabalho com a palavra, como advogado, escritor e acadêmico de
licenciatura em Letras. Sei que, demais disso, que meu leitor é esclarecido e
gosta dessas nuanças deleitáveis da língua portuguesa. Eita! Mais uma francesia
involuntária. Nuança também é galicismo, vem do francês nuance. É melhor, portanto, mudar para: “Meu leitor é esclarecido e
gosta dessas sutilezas deleitáveis da língua portuguesa.” Isso, isso mesmo! “Quando os homens não podem
mudar as coisas, mudam as palavras”, diz o francês (tinha que ser um francês) Jean
Jaurès, citado por William Camus, no livro Como
Tratar as Mulheres. Claro, mudamos mesmo.
As formas galiparla
e galiciparla são sinônimas, embora esta seja mais usada que aquela. É a
preferida. Ambas, porém, são dicionarizadas e registradas no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa.
Também lá estão chofer, evoluir, nuança e reprochar, como tantas outras
palavras portuguesas vindas de palavras estrangeiras. Galiciparla ou galiparla,
para quem não sabe, é quem faz uso de galicismos. Reprochar é exprobrar,
censurar, ou coisa que o valha. Na linguagem informal, é jogar na cara. Ninguém
saia, pois, por aí a reprochar os outros. Tampouco aceite, caro leitor, que
quem quer que seja o reproche por uma coisinha qualquer. Não, de jeito nenhum.
Acredite ou, se preferir
de outra forma, não duvide. Há pessoas metidas a puristas que, além de tolas,
são afoitas. E, com mais frequência do que se pode pensar, metendo o pé pelas
mãos, cometem ultracorreção. No português claro e menos técnico: cometem o erro
grosseiro de apontar erro alheio que não existe. Vão corrigir erro que não
existe e, não dá outra, erram feiamente. Cometem erro grosseiro que, conforme o
caso, chamo de erro vicário. Quando, por exemplo, o revisor erra pelo
articulista. Até já escrevi, faz anos, uma crônica sobre isso.
Pois vejam (e corem)!
Até Machado de Assis foi acusado de galicismo por usar o substitutivo reproche.
Em cartas anônimas. No tempo de Machado de Assis, ainda estava longe de existir
o robô bolsonarista, esse ser hediondo que, paradoxalmente, não existe como
ser, mas mente tal qual o diabo e propaga, perigosa e criminosamente, as piores
mentiras, as coisas mais absurdas que se pode imaginar. Os malfazejos e
covardes do tempo de Machado recorriam à carta anônima. Machado de Assis, é
claro, respondeu educadamente, mas à altura, aos tais covardes anônimos, nas notas
do livro Papéis Avulsos. Isso, porém,
é assunto para outra crônica.
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