sexta-feira, 19 de julho de 2013

Não o fiz porque não o quis




Produzi quase nada, escrevi quase nada este ano. Até agora, escrevi menos do que o fiz no mesmo período do ano passado. Por que isso? Não sei. Não sei por que nem o porquê. O mais sensato é dizer que não escrevi porque não quis, faltou-me a vontade de escrever. “Não fi-lo porque qui-lo”, diria. Di-lo-ia assim por mera brincadeira, é claro. Se fosse escrever ou dizer isso seriamente, escreveria ou diria conforme as regras de colocação pronominal. Assim, com próclise: “Não o fiz porque não o quis.”

Faço essa brincadeira por me lembrar de que atribuem a Jânio Quadros o dizer: “Fi-lo porque qui-lo.” É lógico que, exímio conhecedor da Língua Portuguesa como era, Jânio Quadros jamais diria isso, a não ser que o fizesse por mera brincadeira. É que, como se sabe, o “não” aí nesse período, em ambas as orações, tal qual no período com que brinquei acima, exerce atração sobre o pronome oblíquo átono “o”, fazendo-o, de rigor, ficar proclítico, jamais enclítico.

Falar disso faz lembrar um episódio da época da ditadura. A imprensa (de Brasília, se não me engano) publicou manchete com declaração atribuída a um coronel, mais ou menos, assim: “‘Ruim comigo, pior sem eu’, diz Rieth.” Não deu outra: já na edição seguinte (ou, se não, em edição bem próxima), um general, ex-professor de Português do coronel, saiu em defesa deste, dizendo que tal afirmação jamais poderia ser dele, pois o bom aluno de Português que fora na Escola Militar não cometeria tal erro gramatical e, com certeza, diria corretamente: “Ruim comigo, pior sem mim.” Elegantíssima a defesa do ex-aluno pelo mestre. Quanta convicção, hein! Gostei.

Muito bem, seu moço, por ora, é só isso. Uma singela homenagem ao Rafael Porto, meu leitor lá da cidade do Rio de Janeiro, com esta rápida, porém muito agradável digressão sobre a sintaxe de colocação pronominal e o emprego correto dos pronomes do caso reto e do caso oblíquo, coisas simples do emprego escorreito do Português de que já são poucos os que se ocupam, porque para muitos cada vez mais se tornam bicho-papão, ou, melhor dizendo, bichos-papões.

Pronto. Não o fiz porque não o quis, mas não o quis não sei por quê. Sim, “não sei por quê”. Não é “não sei porquê”, conquanto possa ser “não sei o porquê”. Tanto faz dizer e escrever de um jeito como do outro, pois aí ambas as formas estão corretas, não obstante “por quê” e “porquê” pertençam a classes gramaticais diferentes.