terça-feira, 24 de julho de 2012

O sentimento do mundo


Andei afastado esses dias do escrever: a crônica mais recente que escrevi e publiquei foi “As Exéquias de Valdeíra”, que saiu no Correio do Tocantins, edição 2.393, de 19 e 20 de julho de 2012. A imediatamente anterior foi “Meu erro, aliás, um deles”, publicada nos blogues em 13 de junho e no Correio do Tocantins, edição 2.378, de 14 e 15 de junho. Entre as duas, escrevi e publiquei nos blogues, dia 1.º de julho, o soneto “Reminiscências e desilusão”, que não saiu no jornal. Também publicado no Facebook.

Uma vontade quase mal-agradecida e sentimentos inconfessáveis impediram-me esses dias de produzir uma insignificância literária que fosse. Nada escrevi, nada publiquei. Ler, também li muito pouco, porque não tinha vontade e concentração, pelos mesmos motivos também inconfessáveis, embora não sejam lá tão escabrosos, como, por certo, o leitor estará a pensar. São pecadilhos, que não chegam a pôr em perigo a existência da humanidade, conquanto, bíblica e teologicamente falando, todo o pecado seja condenável. Que ouse atirar-me a primeira pedra o santo que não tem pecados. Isso também é bíblico.

Não gosto de políticos bandidos e desonestos, mas eles pululam e dão as cartas na minha cidade, no meu estado e no meu país – Marabá, Pará e Brasil, para ser exato. Não gosto de autoridades omissas e corruptas, sejam elas de que segmento forem, mas elas vivem a dar as cartas e trombar fisicamente umas nas outras, tão assustadoramente grande é o seu número. Evocando, por isso, os belíssimos versos de Luís Vaz de Camões, “calar-me-ei somente / que meu mal nem ouvir se me consente.”

Pois bem. Até para dar uma luzinha (no fim ou no começo do túnel, sei lá), vou confessar que, por exemplo, às vezes tenho uma vontade quase incontrolável de matar gente sem-vergonha, miserável, ordinária mesmo, que vive a meditar sobre como fazer o mal e prejudicar o próximo. Sim, é verdade! Mas não sou o único a sentir isso e esse não é o meu único pecado, claro. Há muitos outros, talvez considerados mais cabeludos. Eu sou um poço de imperfeições, confesso. O apóstolo Paulo, aliás, dizia-se o pior e mais miserável dos pecadores (1 Tm 1.15).

Não sou, com efeito, melhor do que Paulo, o apóstolo dos gentios. Aliás, tenho a convicção de que não seria digno de lhe desatar a correia das alpercatas. Vivo por mim, pelos meus (parentes e amigos, claro), próximos e distantes. “Tenho apenas duas mãos / e o sentimento do mundo”, como dizem os versos drummondianos do poema “Sentimento do mundo”, que tanto aprecio. “Vivo sem vontade neste admirável mundo de heróis e vilões”, para tomar emprestada aqui a bela afirmação de Carlos Heitor Cony, na crônica “Admirável mundo antigo”. Pouco, muito pouco mesmo, se me dá que quem quer que seja aja e pense diferentemente.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

As Exéquias de Valdeíra


Cheguei: moro aqui, estou em casa. Essa é, para mim – como creio ser para todas as demais pessoas – a etapa mais aprazível de toda e qualquer viagem. É a alegria do retorno, que se faz acompanhar pela segurança do estar em casa. Nada é melhor do que isso, claro: nem mesmo as descobertas e emoções da melhor viagem do mundo.

Pois bem. Fui a Imperatriz, Estado do Maranhão, sábado, dia 14, anteontem e voltei hoje, dia 16, desembarcando exatamente às 14h28min, no Terminal Rodoviário “Miguel Pernambuco”. Viagem triste para mim, porque fui participar do velório e sepultamento de Valdeíra Guimarães, filha de Francisco Rodrigues Tavares, meu amigo e mais que um irmão.

Valdeíra era uma jovem senhora, que morou e trabalhou em Portugal durante uns sete anos e agora resolvera regressar, voltando para o Brasil. Não teve, contudo, o prazer de dizer o “cheguei: moro aqui, estou em casa”, porque faleceu lá. Adoeceu em dezembro de 2011, uma semana antes de voltar e, depois de aproximadamente sete meses em coma, faleceu em Caldas da Rainha. Deixou marido e filhos com o legado da tristeza que já não pode ser consolada.

Valdeíra e seu pai almoçaram em minha casa, em julho de 2005, dois dias antes da ida dela a Portugal. E, embora eu nunca mais a visse com vida, voltou ao Brasil, depois disso, algumas vezes, sempre alegre, cheia de vida e de muita esperança. Não teve, todavia, o prazer do regresso definitivo com vida para junto dos seus: voltou morta, encerrando tristemente sua existência e deixando-nos a sofrer por sua ida de nosso meio.

O féretro chegou a Imperatriz seis dias após o óbito. Começamos o velório exatamente às 2h35min, já na madrugada de domingo, dia 15. Choramos a dor inconsolável de seu desenlace, porque inconsolável é sempre a morte de entes queridos, e a sepultamos. O sepultamento – sete dias após o desenlace – foi pouco depois das 17 horas, encerrando o hercúleo e de todo louvável esforço da família, capitaneada pelo Dr. Jetete Guimarães Tavares, irmão dela, para trazê-la de Portugal e sepultá-la entre os seus.

Valdeíra, filha de Francisco com dona Lídia, pertencia a três grupos de irmãos, a saber: os irmãos apenas de mãe, do primeiro relacionamento de Lídia; os irmãos de pai e mãe, frutos do primeiro casamento de seu pai, dentre os quais sobressai o Dr. Jetete Guimarães; os irmãos de pai, gerados do segundo casamento do Francisco.

Sou, com honra indizível, amigo do último grupo familiar citado, ou seja, dos filhos do Francisco com a Vera, falecida há dois anos: Héber Sansão, Priscila, Áurea Lúcia e Hete Maom. Amo esses meninos (já nem tão meninos assim, mas homens e mulheres), porque, como amigo dos pais deles, acompanhei-lhes a gestação e os vi nascer e crescer. Eis aí a razão da minha dor e, por conseguinte, da viagem unicamente para participar das exéquias, em outra cidade e outro Estado.

Saí de Imperatriz sem abraçar a Priscila e a Áurea, porque ainda dormiam. Abraçando, contudo, o Francisco e o Hete, pedi a eles que as abraçassem por mim. Acompanhado por eles até o embarque, a despeito da vontade imensa de voltar para os meus em casa, não pude deixar de – emotivo – evocar silenciosamente as palavras de Khalil Gibran, em O Profeta: “Como partirei em paz e sem sofrimento? Não, não deixarei esta cidade sem uma ferida na alma.”