sábado, 16 de julho de 2011

Absolvição jurídica e condenação moral

Concluí recentemente a leitura do livro Matar para não morrer: a morte de Euclides da Cunha e a noite sem fim de Dilermando de Assis, de Mary Del Priore (Editora Objetiva), que li em dois dias. Antes, em dezembro de 2008, eu tinha lido Matar ou morrer: o caso Euclides da Cunha, de Luiza Nagib Eluf (Editora Saraiva). Ambas as autoras são escritoras consagradas, a primeira como historiadora, a segunda como jurista.

É provável que já tenha sido dito e escrito tudo o que se deveria dizer e escrever sobre o assunto. Isso, no entanto, não me impede de também escrever despretensiosamente esta crônica, para registrar o sentimento que carreguei durante anos sobre a morte do escritor Euclides Pimenta da Cunha, assassinado pelo tenente da ativa do Exército Dilermando Cândido de Assis, como desfecho de um infeliz triângulo amoroso vivido por dois homens e uma mulher, na época em que a infidelidade feminina, muito mais do que hoje, era simplesmente inaceitável por todos os segmentos sociais e não só podia como devia ser punida com a morte.

Dilermando era amante de Ana Emília Ribeiro, mulher de Euclides, e viu-se obrigado a matá-lo, em legítima defesa própria e de seu irmão, Dinorah. Anos depois, ver-se-ia compelido, mais uma vez e pela mesma causa, a matar para não morrer. Desta vez mataria Euclides da Cunha Filho, que o agrediu e feriu gravemente à bala, na tentativa de vingar a morte do pai. Euclides da Cunha morreu em 15 de agosto de 1909. Seu filho, em 4 de julho de 1916. Mortos pelo mesmo homem, em síntese, por causa da mesma mulher. Coisa terrível, prova indelével da miserabilidade do ser humano.

Tomei conhecimento da história há anos e, a despeito de saber que a Justiça o absolveu nos dois processos, depois de dois julgamentos no primeiro e um no segundo, via com maus olhos a Dilermando de Assis, na minha visão, como na visão de milhões de pessoas, um assassino cruel, que, embora merecesse ser condenado e preso, fora absolvido e solto. Por causa disso, não assisti a toda a minissérie que, há alguns anos, a Rede Globo transmitiu sobre o episódio. Simpatizava com as vítimas, Euclides da Cunha, o marido traído e grande literato a quem sempre admirei, e seu filho, o descendente angustiado que morreu pelo pai; ao mesmo tempo, antipatizava Ana Emília, a adúltera, e Dilermando de Assis, o cruel assassino.

Ao longo de anos tive essa convicção sobre o caso, que agora mudei, após procurar compreendê-lo de forma desapaixonada. Ambos os Euclides, bem como Dilermando e Dinorah, Ana Emília e seus demais filhos foram vítimas e de todas elas a mais desventurada, se é que se pode medir suas desventuras, foi Dilermando, porque foi, fora os filhos, o último deles a morrer fisicamente, mas morreu moralmente junto com Euclides pai. Sua maior desventura foi, não obstante a sua inocência reconhecida e provada pela Justiça, ter sido estigmatizado e considerado culpado pela sociedade a vida inteira. Não morrera a morte física, mas fora assassinado moralmente.

Dilermando não morreu à época como morreram Euclides pai e Euclides filho. Foi, todavia, condenado a despeito de sua absolvição e passou todos os seus dias buscando ser compreendido. Não buscava o perdão, pois tinha a certeza de que não errara; buscava a compreensão. Logrou a absolvição jurídica, mas, incompreendido sempre por todos, sofreu injusta e desmerecida condenação moral. O Direito o soltou, mas a Moral, por equívoco talvez involuntário de poucos e voluntário de muitos, o aprisionou para sempre. Eis aí um caso que demonstra a nós todos da comunidade jurídica a diferença entre a Moral e o Direito. Dilermando foi, após a morte dos Euclides, um prisioneiro morto que apenas parecia estar vivo e ser liberto.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Deixa o padre passar

Um dia desses, saindo de casa para ir à Marabá Pioneira como chamam, passei por umas crianças que, como de costume, jogavam bola na Rua Maranhão, já bem próximo da Avenida Antônio Vilhena. Quando me aproximei, pararam o jogo e, de forma respeitosa, uma delas ordenou bem alto às outras: “Deixa o padre passar.” Um gesto simples, mas de valor inestimável nos dias de hoje! Lembrando o estágio degenerado por que passamos, em que ninguém respeita a ninguém, fiquei deveras admirado e feliz com a humilde reverência daquelas crianças.

Não lhes agradeci formalmente o gesto para mim tão nobre, conquanto com ele até me tenha comovido. Passei calado e continuei meu percurso, mas feliz e sorrindo comigo mesmo: feliz, porque a deferência das crianças me fez sentir que nem tudo está perdido; sorrindo, por ver que, misturando as confissões religiosas, as crianças me confundiram com um padre.

De volta à minha casa, achando graça e fazendo brincadeira, contei o episódio a minha mulher. Passei, demais disso, a autonomear-me “o tal de doutor Valdinar, advogado que é maçom e também é padre”. Brincadeira, claro. É apenas um pouco de irreverência, embora sem desrespeito algum, para mexer com algumas pessoas cujo preconceito e intolerância me incomodam.

Preciso esclarecer, aliás, que tais pessoas a quem acima me refiro, se concentram em três grupos, a saber: católicos que não admitem nem sequer que se discuta o celibato; evangélicos para quem os padres e demais pessoas de confissão católica romana não são cristãos; e, na vala comum, católicos e evangélicos que dizem haver incompatibilidade entre a Maçonaria e a fé cristã. Ainda bem que nem todos os católicos e evangélicos se enquadram em tais grupos. Dizer que católico não é cristão constitui crime de injúria qualificada por preconceito de religião, tipificado no art. 140, § 3.º, do Código Penal.

Não sou padre: sou casado, e tenho mulher e filhos, além de ser crente presbiteriano e maçom. E, como já logrei ultrapassar a barreira dos cinquenta anos, ainda bem disposto, embora tomando remédios, gosto de dizer – com alguma ironia, mas sem querer ofender a ninguém – que sou maçom, sou batizado e já estou chegando à idade de dar bananas para todo o mundo.

É brincadeira, lógico, mas que também é verdade, isso é. Não sou debochado nem gosto de quem quer que seja que ande com deboches, mas não estou nem aí para baboseiras, parvoíces e similitudes! Viva a pureza e a simplicidade das crianças: “Deixa o padre passar!”

sábado, 9 de julho de 2011

A arte de cronicar e o jornal

Cronicar é escrever crônicas em jornais. Logo, eu cronico, tu cronicas, ele ou ela cronica, nós cronicamos, eles ou elas cronicam, vós cronicais, e assim por diante. O verbo existe, embora não seja comum empregá-lo. Não consta no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa nem no Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, mas consta, por exemplo, no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa e no Dicionário da Língua Portuguesa, da Editora Porto (da cidade do Porto, Portugal).

O verbo existe, tudo bem. E a crônica, é arte? É, sim, como eu já o disse da tribuna da Câmara Municipal de Marabá, na sessão solene de homenagem aos artistas da terra. A Câmara realiza essa sessão solene todos os anos, em dezembro, encerrando o segundo período da sessão legislativa anual, conforme proposição de autoria da Vereadora Vanda Régia Américo Gomes, como também o faz em agosto, comemorando o Dia do Maçom, por decreto legislativo de autoria do Vereador Miguel Gomes Filho.

Pois bem. José Sarney, a quem muito admiro como cronista, poeta e romancista, também o disse (mais do que isso, escreveu). E, logicamente, muitos outros também o fizeram. Eu, porém, gostei das frases que Sarney fez insculpir na crônica “Sexta-feira, Folha”, que publicou no jornal Folha de S. Paulo, agora, dia 8 deste mês. Talvez porque o que ele escreveu coincide com o que penso e, por isso, defendo.

“A crônica é uma arte difícil. É literatura e é jornalismo”, escreveu Sarney. Concordo plenamente. A crônica, a um só tempo jornalismo e literatura, é arte, e arte difícil. Embora nem todo cronista seja jornalista e vice-versa, todos os grandes literatos escreveram em jornais. Segundo Barbosa Lima Sobrinho, citado no prefácio do livro Jornalismo e Literatura: a Sedução da Palavra, dificilmente se encontraria um escritor que não tivesse recebido influência do jornalismo.

Em jornal, escrevem hoje Carlos Heitor Cony, João Ubaldo Ribeiro, Luís Fernando Veríssimo, Zuenir Ventura, por exemplo, como em jornal escreveram no passado Almeida Garret, Euclides da Cunha, João do Rio, José de Alencar, Machado de Assis, Mário Quintana e Rubem Braga, dentre tantos outros nomes de realce da Literatura. A crônica é notícia do cotidiano, mas posta no jornal com viés literário. É agradábilíssimo, por exemplo, ler hoje as vinte crônicas que Machado de Assis publicou de 12 de outubro de 1861, um sábado, a 5 de maio de 1682, uma sexta-feira, no jornal Diário do Rio Janeiro, sob o título de “Comentários da Semana”.

Sarney, que escreveu, às sextas-feiras, durante vinte anos (1991 a 2011) na Folha de S. Paulo, noticia que resolveu parar exatamente com a citada crônica “Sexta-feira, Folha”, que publicou dia 8 de julho de 2011. Segundo ele informa, o material escrito nesse período rendeu-lhe oito livros de crônicas, dos quais tenho, por sinal, a satisfação de possuir vários. Para mim, Sarney, como cronista, é excelente. Comprei muitas vezes o jornal Diário do Pará de sexta-feira por causa da crônica dele.            

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Marabá na Câmara Brasileira de Jovens Escritores

 
Dia 20 de agosto de 2011, a Câmara Brasileira de Jovens Escritores (CBJE), do Rio Janeiro, fará o lançamento de três livros: Grandes Contos de Autores Brasileiros, volume 79; Crônicas do Cotidiano, edição 2011; e Antologia de Poetas Brasileiros Contemporâneos, volume 79. O período de inscrições, em âmbito nacional, foi de 12 a 30 de junho de 2011, e cada autor só podia inscrever uma obra para cada um dos gêneros literários em questão (poema, crônica e conto).

A CBJE, cujo Conselho Editorial é presidido atualmente pelo escritor Luiz Carlos Martins, foi fundada em 1986 e tem como proposta pedagógica definida estatutariamente o incentivo à produção literária de jovens autores, publicando em livro suas poesias, contos, crônicas, romances ou qualquer outra forma de expressão literária. E faz questão de registrar que tem publicado obras de autores cuja idade varia de 7 a 92 anos, uma vez que seu paradigma da jovialidade não é uma questão cronológica, mas de expressão vital.

A Comissão de Avaliação, presidida pelo Prof. Leo Martins, é composta pelos seguintes membros: professor e escritor Leo Martins, jornalista Leonardo Ach, jornalista Bruna Gala, jornalista Arthur Henrique dos Santos, pedagoga Fernanda Redon, professora Carina Rodrigues, advogada Milena Ramos, sociólogo e escritor Arteiro de Miranda e professor Wagner Lázaro. E a seleção das obras inscritas é rigorosa, haja vista que foram inscritas 4.665 obras, entre poemas, crônicas e contos, e apenas 199 (108 poemas, 46 contos e 45 crônicas) foram selecionadas e serão publicadas.

Inscrevi-me nos três gêneros, dia 28 de junho, e tive a satisfação de ter selecionadas as três obras inscritas: o soneto “Obreiro da Arte Real”, o conto “A Família do Morto, ou Agruras Oníricas de Um Quase Réquiem” e a crônica “O Tempo e a Coisa”. Aliás, esta é a segunda vez que tenho obras selecionadas e publicadas pela CBJE. Da primeira vez – que foi em junho de 2010 –, participei do livro Os Mais Belos Poemas de Amor, com o poema “Meu Silêncio”, e do livro Antologia de Poetas Brasileiros Contemporâneos, volume 65, com o poema “Angústia da Finitude”, logrando, à época, ver selecionadas e publicadas as duas obras com que me inscrevera.

O jovem poeta marabaense Airton Souza, professor de História da rede municipal de ensino de Marabá, que começou a publicar pela CBJE, em 2010, logo depois da publicação dos meus poemas citados, também já teve várias obras selecionadas e publicadas. Airton, aliás, é um jovem promissor, como professor e literato, entusiasta da Literatura, que se sente orgulhoso dessas publicações e promove na escola em que trabalha a divulgação das minhas crônicas e das obras de outros autores marabaenses publicadas na imprensa local (jornal Correio do Tocantins e revista Foco Carajás).

segunda-feira, 4 de julho de 2011

A Mulher



Mulher,
fêmea,
alma gêmea,
metade,
companheira,
auxiliadora,
guarida,
beleza da vida!

O ser mais belo e amável da natureza.
Sem ela, o homem seria incompleto.
Sim, inconcluso,
confuso,
obtuso.

Quisera eu nesta hora,
expressar com profusão
toda a sua beleza.
Mas, que pena! Debalde, desejo vão,
como sempre foi outrora!
Embora o deseje tanto,
sou incapaz dessa grandeza!

Mas, ainda bem,
Nem é preciso falar,
Basta contemplar e amar,
O que ela é, o que ela tem,
Pois igual a ela não há ninguém!
  
Metade ou, como queiram, nossa alma gêmea,
Mais belo é dizer, carinhosamente: a fêmea.
Vejo-a como o que há de mais belo
E mais amável entre tudo que nos apraz.

domingo, 3 de julho de 2011

A mensagem de um amigo



Desperto, cansado, pelo toque do celular. Domingo, 3 de julho de 2011, 8h51, manhã de mais um dia de luto para minha família: Amaro Neto, de 44 anos, irmão de dona Ana, minha falecida sogra, vítima de acidente automobilístico ocorrido dia 30 de junho, quinta-feira passada, em Paragominas, está sendo sepultado agora, em Conceição do Araguaia! É a Câmelha, minha mulher, quem me liga para avisar-me de que o sepultamento está sendo feito. Dor, muita dor!

Estou em casa só com meus filhos, Douglas, de 24 anos, Daniel, de 13, e Samuel, de 6. A Câmelha viajou para Conceição do Araguaia ainda na sexta-feira, e hoje, domingo, a empregada descansa, como recomenda a Constituição da República. Puxa vida, que dia triste! Antes, até pensara em convidar minha irmã Ednalva e meu cunhado Zeca, marido dela, para irmos à vila Consulta, Município de São João do Araguaia, visitar meu irmão Valdener, comer carne assada e tomar banho no Rio Taurizinho, como gostamos de fazer aos fins de semana. Não o fiz, contudo, por causa do luto.

   Cansado, volto a dormir e só acordo depois das 10 horas da manhã. Os filhos, que despertaram bem antes de mim, estão ocupados (cada um à sua maneira): Douglas, com o notebook, navega na internet; Daniel assiste à tevê e Samuel joga no meu  computador. Estou superdesanimado, triste e ainda cansado, pensando em preparar o almoço. Preparo o café e ligo para minha tia Maria do Carmo, a tia Neguinha, mulher do meu tio Hiram, em Xinguara. Depois, refletindo um pouco, resolvo cozinhar arroz, temperar feijão e dizer ao Douglas que vá comprar churrasco e refrigerante: está resolvido o problema do almoço!

Uma mensagem pelo celular me faz sacudir a tristeza e pensar em escrever essa crônica, meu gênero literário preferido. É que, às 12h22, o poeta e escritor marabaense Airton Souza enviou-me uma mensagem alegre, dando-me parabéns pela seleção de minhas obras (um soneto, um conto e uma crônica) para publicação em antologias da Câmara Brasileira de Jovens Escritores (CBJE), do Rio de Janeiro. Airton, que também teve obras selecionadas, envia-me mensagem de parabéns, abraços de bom dia e comunica-me que publicou no seu blogue, http://airtonsouzza.blogspot.com/ (assim mesmo, com “z” duplicado), a notícia da seleção das obras.

Airton Souza, professor de História da rede municipal de ensino de Marabá, pessoa de fino trato, é um jovem de futuro promissor como poeta e escritor, ninguém tenha dúvida. Assim como eu, não é a primeira vez que teve outras obras selecionadas e publicadas pela Câmara Brasileira de Jovens Escritores, com repercussão nacional, como, contente e orgulhosamente, ele gosta de ressaltar. Orgulho-lhe, sem soberba, da sua amizade desinteresseira, Airton! Sua amizade, para mim, vale ouro, meu querido.

Para terminar de sacudir a tristeza, enquanto aguardo minha amada mulher chegar de Conceição do Araguaia, vim escrever esta crônica ouvindo o cedê Coisas Lá de Casa, de Edinho Nascimento, excelente presente que recebi recentemente do grande amigo Prof. Dr. Gutemberg Armando Diniz Guerra. Aliás, a quarta faixa desse cedê é a minha preferida, a lindíssima canção “Carta ao Gutemberg”,  que foi feita pelo Edinho Nascimento especialmente para ele, Gutemberg, quando este cursava o doutorado em Paris, na França, sobre o que deverei em breve escrever outra crônica. Pois é. Foi assim que, graças a Deus, a despeito de tudo, ganhei o dia hoje. Como diz uma das minhas canções preferidas, “um amigo de verdade não se encontra por aí”.    

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Ameaça à esperança do povo diretamente interessado

Não, não é a população de todo o Estado que deverá votar no plebiscito para criação dos Estados de Carajás e do Tapajós. Não, não é! Entre o constituinte originário de 1988 e o congressita (ou mesmo constituinte derivado) de 1998, estou e estarei sempre com o primeiro. Jurei solenemente defender a Constituição e as leis, mas – entenda-se – as leis constitucionais, porque lei inconstitucional não é lei. Pode ser tudo, mas lei não é e, não sendo lei, a ninguém obriga. Não pode criar nem modificar ou extinguir direitos e obrigações. Não obriga a fazer ou deixar de fazer (Constituição, artigo 5.º, inciso II).

O legislador constituinte originário de 1988 disse  que, para a criação de Estado, deve ser consultada a população diretamente interessada (Constituição Federal, artigo 18, parágrafo 3.º). A mesma expressão – “população diretamente interessada” – empregou para a criação de Município (Constituição Federal, artigo 18, parágrafo 4.º). E o Supremo Tribunal Federal, em ações julgadas em 1992 e em 1994, disse que população diretamente interessada é a população da área que se quer desmembrar e que somente ela deverá ser chamada a votar. Os deputados federais e senadores, por conseguinte, não poderiam jamais, sem antes alterar a Constituição, dizer em 1998, como disseram no artigo 7.º da Lei de Plebiscitos e Referendos, que quem deverá votar é a população das duas áreas: área que se quer desmembrar e área que sofrerá o desmembramento.

 Eles disseram, mas não vale, não haverá de prevalecer. O mesmo infortúnio  – a saber, o da invalidez – haverá de ter a decisão administrativa do Tribunal Superior Eleitoral tomada em 30 de junho de 2011, na parte que diz que a população de todo o Estado do Pará deverá ser chamada a votar. É inconstitucional essa decisão administrativa do Tribunal Superior Eleitoral, como inconstitucional foram, em 1998, a decisão do Congresso Nacional, que aprovou, e a do presidente da República, que não vetou, a parte da Lei de Plebiscitos e Referendos que diz ser a população de todo o Estado que deverá votar. O Tribunal Superior Eleitoral não deveria ter feito o que fez agora, assim como o Congresso Nacional não deveria ter feito o que fez em 1998. Lei inconstitucional não é lei, porque não está inserta no ordenamento jurídico, uma vez que, para ser inserta no ordenamento jurídico, é imprescindível que a lei seja constitucional. A constitucionalidade da lei ou ato normativo, em sistemas jurídicos como o nosso, é condição “sine qua non” para sua validade.

A decisão do Tribunal Superior Eleitoral, conquanto seja administrativa, tinha, antes de tudo, que ser constuticional, juridicamente válida. Nessa parte, não foi. Mas eu já tinha alertado para isso,  nos artigos escritos anteriormente, nas entrevistas dadas à imprensa e nas manifestações orais que fiz em reuniões sobre o assunto. Eu temia que o Tribunal Superior Eleitoral fizesse o que fez, apenas torcia para que ocorresse o contrário (que, infelizmente, não ocorreu). Com a palavra, portanto, o Supremo Tribunal Federal, para defender a Constituição, como seu guardião que é,  e fazer prevalecer suas decisões. A esperança do povo diretamente interessado não pode ser aniquilada! “Limitam-me os ditames do direito” (Sófocles, Filoctetes 660).