terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Redução da maioridade, ou da menoridade penal?



É encontradiça na linguagem técnico-jurídica, mais por desleixo da comunidade jurídica do que por influência do linguajar comum, a locução “redução da maioridade penal” empregada, erradamente, em vez de “redução da menoridade penal”. Frequentemente, profissionais de formação superior, não raro até com pós-graduação stricto sensu, são vistos a empregar “redução da maioridade penal”, dizendo uma coisa, mas – pasme o leitor – querendo dizer outra.
O menor de 18 anos é penalmente inimputável, ou seja, não se lhe pode imputar crime. Conforme a lei, menor não comete crime, pratica ato infracional e, por conseguinte, pratique ele o ato mais hediondo ou escabroso que praticar, não será criminoso, será menor infrator. Não importa se tem 15, 16, 17 ou – o que é mais acintoso – 17 anos, 11 meses, 29 dias e algumas horas. Azar da vítima! É a lei; aliás, é Constituição, concorde-se ou não com isso. Pessoalmente, não concordo. Vejo essa particularidade da legislação brasileira como deslavada hipocrisia, incomode-se quem se incomodar.
Voltemos, todavia, à ideia central da crônica: a redução da menoridade penal, ou, em outras palavras, a ampliação da maioridade. Diante das mais hediondas infrações cometidas pelos menores – o que, infelizmente, se torna assustadoramente corriqueiro, nos pequenos como nos grandes centros urbanos – o que as pessoas querem mesmo é ver diminuída a menoridade e aumentada a maioridade. Baixar a idade mínima exigível para poder responder criminalmente é o contrário de baixar ou reduzir a maioridade penal.
O emprego equivocado de “redução da maioridade”, em vez de “redução da menoridade”, é facilmente demonstrável. Maioridade penal é o período de vida do ser humano imediatamente posterior à menoridade. Atualmente, a maioridade penal coincide com a maioridade civil, que se alcança aos 18 anos. Antes, era diferente: maioridade penal aos 18 e maioridade civil aos 21 anos. Passa-se a ser maior quando se deixa de ser menor. Aliás, o vulgo diz “de maior” e “de menor”, em vez de, respectivamente, “maior” e “menor”. Danou-se! Está errado. O correto é simplesmente dizer ou escrever “maior” e “menor”, conforme o caso.
Sendo, como é, o menor de 18 anos penalmente inimputável, a maioridade penal começa aos 18. Se baixar para 17, 16 ou qualquer outro número de anos o seu começo, ela será é aumentada e não, diminuída. É só fazer a conta. Começando aos 18, a maioridade penal de alguém que viver 100 anos será de 82 anos; se o início baixasse para os 16 anos, por exemplo, seria aumentada em dois, passando para 84. Logo, o que se quer é aumentar a maioridade; diminuí-la, não!
Outro equívoco é pensar que tudo isso se deve ao Código Penal e ao Estatuto da Criança e do Adolescente. A culpa – se existe – não é deles, pois a inimputabilidade penal do menor de 18 é fixada, acima da lei, pela Constituição, cujo artigo 228 diz: “São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial.” Babau, cachimbo de pau! Para aumentar a maioridade penal ou, em outras palavras, para reduzir a menoridade, seria necessário emendar a Constituição. E as disposições desse artigo, não constituem cláusula pétrea? Bom... Isso já é assunto para outra crônica, ou mesmo ensaio, ou artigo acadêmico.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Orçamento Participativo



A Câmara Municipal de Marabá acaba de aprovar o orçamento do município para 2011. Trata-se de uma lei que estima a receita e fixa a despesa do município para o exercício financeiro de 2011, o qual se confunde com o ano civil, vai de 1.º de janeiro a 31 de dezembro.

O orçamento anual é uma parte bem distinta do orçamento público e, por conseguinte, integra o ciclo orçamentário estabelecido na Constituição Federal (do artigo 165 ao artigo 169) e nas leis infraconstitucionais (Lei Federal n.º 4.320, de 17 de março de 1964, e Lei Complementar n.º 101, de 4 de maio de 2000), ciclo este que se divide em duas etapas bem distintas: a de elaboração e a de execução.

O ciclo do orçamento compreende o plano plurianual (PPA), a lei de diretrizes orçamentárias (LDO) e a lei orçamentária anual (LOA), as quais constituem três instrumentos importantíssimos de planejamento e gestão pública, cada uma delas com a finalidade e a vigência bem específicas. E, por essa razão, as duas etapas supramencionadas – de elaboração e de execução – devem ser acompanhadas por eficiente e bem cuidadosa fiscalização, tanto institucional quanto popular, principalmente a etapa da execução.

O orçamento participativo, em definição bem simples, porém não simplista, significa a efetiva participação dos mais diversos segmentos da sociedade na elaboração, execução e fiscalização desses instrumentos de planejamento e gestão componentes do orçamento (PPA, LDO e LOA), uma vez que a sociedade é a razão maior da existência do Estado e a destinatária final de seus serviços (ações, programas, projetos e atividades, não necessariamente nessa ordem).

A Constituição Federal de 1988, que valorizou muito a ideia de associativismo, cooperativismo, sindicalismo e outras formas de atuação comunitária (conselhos, plebiscito, referendo, iniciativa popular de projetos de lei), fez aflorar com mais vigor essa ideia de participação na elaboração, execução e fiscalização do orçamento, qualquer que seja a denominação que se lhe dê (orçamento participativo, orçamento cidadão, ou coisa que o valha). A Constituição de 1988 valorizou, sobremaneira, o orçamento público, como instrumento de planejamento e ação.

A prova maior disso, além das disposições constitucionais específicas sobre orçamento dos artigos 165 a 169, foi a edição da Lei Complementar n.º 101, conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal, que foi editada por força do artigo 163 e seguintes da Constituição. Essa lei estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, vale dizer, na gestão financeira e orçamentária.

A Lei de Responsabilidade Fiscal obriga o Poder Público, nas três esferas da Federação (União, estados-membros, Distrito Federal e municípios), a adotar o orçamento participativo, independentemente de matiz partidário, na medida em que para isso estabelece comandos de observância compulsória quanto à transparência da gestão fiscal (entenda-se arrecadação eficiente e aplicação correta dos recursos públicos) nos artigos 48, 48-A e 49.

Os benefícios advindos dessa participação, além do exercício responsável da cidadania, são os efeitos redistributivos do orçamento, na medida em que, ouvida efetivamente a população (por meio de reuniões de bairros, audiências públicas e outras formas que podem ser acrescentadas a estas), será possível a eleição de prioridades nem sempre vistas e contempladas pelos agentes do Poder Executivo e pelos parlamentares.

A Constituição da República e as leis infraconstitucionais disciplinaram e continuam disciplinando muito bem o ciclo do orçamento público, da elaboração à execução. O mais negativo em tudo isso ainda é a pequena participação popular, pois o povo, talvez por falta da experiência democrática, não raro tem acudido muito timidamente a esse chamado para a participação. Falta vontade de cidadania. O povo precisa aprender a participar e fiscalizar o governo que instituiu e mantém para gerir seu destino. A LOA de cada um dos entes federativos precisa deixar de ser a única loa que o povo conhece: lorota.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

O exame de ordem e as profissões jurídicas


Mais uma vez chegou ao Poder Judiciário, mediante ação, a discussão sobre a obrigatoriedade do exame de ordem (a denominação correta é essa mesma, não é exame “da” ordem), para ser advogado. Mais uma vez um magistrado, decidindo à revelia da lei, disse que o exame não é obrigatório e mais uma vez, como não poderia deixar de ser, sua decisão foi cassada em instância superior, mediante recurso interposto pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

As profissões jurídicas são bem diferentes das demais profissões de nível superior, como a Medicina, a Engenharia, por exemplo. Nenhuma delas pode ser exercida pelo graduado em Direito, diretamente logo após a graduação, sem que este tenha passado pela aprovação prévia em concurso público específico. É necessário que seja assim. Vejamos isso com imparcialidade, sem paixão.

Ninguém vai para a universidade cursar Advocacia, vai cursar Direito e tornar-se bacharel em Direito, após a conclusão do curso. As profissões jurídicas são a Advocacia, a Magistratura, o Ministério Público, as quais são exercidas, respectivamente, pelo advogado, pelo juiz e pelo promotor (ou cargo equivalente, como o de procurador da República, por exemplo). Também é profissão jurídica o exercício do cargo de delegado de Polícia Civil ou de Polícia Federal. E todas essas profissões exigem como requisito para seu exercício o título de bacharel em Direito, além da aprovação no respectivo concurso público de provas e títulos.

Exemplos de concurso público da área jurídica (todos eles com a exigência do título de bacharel em Direito) são o exame de ordem (para ser advogado), o concurso de juiz substituto (para ser juiz), o concurso de promotor ou de procurador da República (para ser membro do Ministério Público), o concurso de delegado de Polícia Civil ou de Polícia Federal (para ser delegado), e assim por diante.
  
"Bacharel em Direito" não é profissional jurídico. Sim, não é. E não é, porque bacharelado em Direito não é profissão, é apenas uma graduação de nível superior, a qual não autoriza, por si só, o exercício das diversas profissões jurídicas.

Logo, o exame de ordem, promovido pela OAB, na forma da Constituição Federal e do Estatuto da Advocacia, que é lei federal, é um concurso público sui generis ou singular, o qual, a despeito de ser sui generis, é indispensável, como indispensáveis são os demais concursos públicos da área jurídica (para juiz, para delegado, para promotor etc.).

O advogado, conquanto, quando atua como profissional liberal, seja remunerado diretamente pelo constituinte a quem presta o seu serviço, como de fato é, presta múnus público, eis a razão por que a Constituição da República diz expressamente, no artigo 133, que ele é indispensável à administração da justiça.

À guisa de conclusão, para quem ainda não sabe, a Lei Federal n.º 8.906, de 4 de julho de 1994, é o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (EAOAB), e, por disposição expressa dessa lei, o exercício da Advocacia é – até parece uma redundância – privativo de advogado. E advogado não é todo aquele que se graduou em Direito, mas tão somente o graduado em Direito que foi aprovado no exame de ordem, inscreveu-se no Conselho Seccional respectivo da OAB e recebeu, por isso, a carteira de advogado, único documento que o credencia para exercer a profissão em todo o território nacional. Praticar ato de advocacia sem estar regularmente inscrito na OAB é infração penal.