sábado, 18 de dezembro de 2010

O Escolhido de Deus e a Segurança do Povo



Muita celeuma se levanta acerca da afirmação de que Maurino é o escolhido de Deus para ser prefeito municipal de Marabá. Uns dizem que é ele que se autointitula o escolhido de Deus, outros dizem ser os evangélicos que o intitulam escolhido de Deus para o cargo. Há, certamente, quem acredite nisso, como há quem não acredite. Há, semelhantemente, quem goste de passar à frente e divulgar a celeuma, como há quem não goste. Não sei quem o diz ou quem o disse, mas, de fato, o blá-blá-blá existe.

Aqui, abro e fecho parêntesis, para lembrar ao leitor que antes do Acordo Ortográfico de 1990, que está em vigor desde 1.º de janeiro de 2009, embora seja facultativo até 31 de dezembro de 2012, escrevia-se “blablablá”. Nós, da comunidade jurídica (e as outras pessoas também, claro), escrevíamos “co-autor”, “contra-razões”, “co-réu”; agora escrevemos “coautor”, “corréu” (que o computador teima em não querer acentuar graficamente), “contrarrazões”, e assim por diante. Eita acordozinho! Aderi a ele desde o primeiro momento – embora não fosse obrigado a fazê-lo imediatamente, pois, como já disse, até o último dia de 2012 será facultativo –, mas, sinceramente, não gosto dele e o julgo desnecessário, conquanto seja obrigatório.

Pois bem. Voltemos ao escolhido de Deus para prefeito de Marabá. Muitas pessoas certamente não sabem, mas sou evangélico protestante, membro da Igreja Presbiteriana do Brasil, denominação que adota a Bíblia Sagrada como única regra de fé e prática, embora subscreva e adote como sistema expositivo das doutrinas bíblicas os chamados Símbolos de Fé ou Padrões Doutrinários elaborados pela Assembleia de Westminster, concílio que funcionou em Londres, na Abadia de Westminster (daí o seu nome), de julho de 1643 a fevereiro de 1649. Esses Símbolos de Fé são três, a Confissão de Fé de Westminster, o Catecismo Maior e o Breve Catecismo. Logo, em se falando de Deus, tenho como autoridade máxima a Bíblia e, em sendo assim, é sob o enfoque bíblico que trato rapidamente do assunto.

A Bíblia na Linguagem de Hoje, versão moderna da Bíblia publicada pela Sociedade Bíblica do Brasil, diz no livro de Romanos, capítulo 13, versículos 1 e 2: “Que todos obedeçam às autoridades. Porque não existe nenhuma autoridade sem a permissão de Deus, e as que existem foram colocadas por ele. Assim quem é contra as autoridades é contra o que Deus mandou, e os que agem desse modo vão trazer condenação para si mesmos.” Em outra versão bem moderna, a Bíblia Nova Versão Internacional, diz a mesma passagem: “Todos devem sujeitar-se às autoridades governamentais, pois não há autoridade que não venha de Deus; as autoridades que existem foram por ele estabelecidas. Portanto, aquele que se rebela contra a autoridade está se colocando contra o que Deus instituiu, e aqueles que assim procedem trazem condenação sobre si mesmos.” Há outras passagens sobre o assunto, mas essa basta para o fim aqui almejado.

Logo mais à frente, mas nesse mesmo texto de Romanos, a Bíblia deixa bem clara a finalidade do Estado, os deveres ou a razão de ser dessas autoridades governamentais, como o deixa em outras passagens: é o cuidado da comunidade, é o bem comum. Diz, aliás,  que essa autoridade governamental é serva de Deus para proteger os que praticam o bem e punir os que praticam o mal. Mas isso não é dito somente pela Bíblia, a Ciência Política e outros ramos do conhecimento moderno também o dizem. Obras como Do Contrato Social, de Jean-Jaques Rousseau, e Do Cidadão, de Thomas Hobbes, para citar apenas duas das bem conhecidas, deixam bem claro isso. Gosto particularmente desta afirmação de Hobbes, quando trata dos deveres daquele que governa: “Estão todos os deveres do governante contidos em única sentença: a segurança do povo é a maior lei.”

Existem, além disso, tanto do ponto de vista bíblico quanto do ponto de vista científico, as formas de reagir contra os que exercem mal a autoridade. O que nem a Bíblia nem as ciências humanas autorizam é a autotutela, ou seja, o fazer justiça com as próprias mãos. Não há aí, todavia, lugar para a pregação de obediência cega às autoridades; há, ao contrário disso, o despertar para a cidadania, sob os auspícios da lei e da razão, para não somente dizer que é cidadão de um Estado, mas ter também a convicção dos próprios direitos e deveres perante esse Estado. Se a autoridade não cumpre a sua função, deve ser apenada ou destituída por quem de direito, observado o devido processo legal.

Conclui-se, portanto, que, do ponto de vista bíblico, tanto Maurino Magalhães quanto Sebastião Miranda e os demais prefeitos que vieram antes e virão depois deles foram e serão escolhidos de Deus e aí postos por ele com o dever claro, preciso, determinado de cuidar do bem comum. E do ponto de vista das ciências humanas os direitos e obrigações deles são os mesmos. Em sendo assim, se não agem de acordo com as leis, devem ser submetidos ao devido processo legal e punidos, regra que vale para quaisquer outras autoridades. Eu penso assim, não sei os outros crentes.  


quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Puto me auditum

Já sei: muitos, ao lerem o título, estão pensando erradamente. E – o que é pior – estão pensando que se trata de uma frase pornográfica ou, no mínimo, de mau gosto. Puro engano até do corretor ortográfico do computador, que considerou parte dela como português. A frase está toda em latim e não apenas uma de suas palavras, como faz parecer à leitura apressada – com absoluta convicção o digo – dos mais jejunos na língua em que pontificou Cícero, o inolvidável tribuno romano, embora eu também não saiba latim.

Não sou nenhum depravado na acepção comum conhecida e empregada pelos pudibundos de plantão. Apenas gosto de fazer brincadeiras nas crônicas que, agradando a uns e desagradando a outros, escrevo por escrever. Padeço, sim, da depravação total, como também dela padecem todos os demais seres humanos, mas na acepção teológico-calvinista, o que é outra história e assunto para outra crônica. Ao dizer ou escrever “puto me auditum”, o que calha muito bem após qualquer comunicação solene ou advertência, estou simplesmente me expressando em bom latim, língua a que tanto admiro, conquanto nela não seja versado.

“Puto me auditum” é algo sério, mas dito ou escrito sempre à guisa de brincadeira, para sacudir a poluição da mente dos partidários daquela aluna da Escolinha do Professor Raimundo, a donzela que “só pensa naquilo” e, rubicunda, julga os demais a partir de si mesma. Ela é depravada e, julgando a partir daí, pensa que todos os demais também o são. Faço com essa frase – como já disse – uma brincadeira que só chama a atenção em latim, por causa da maldade latente na cabeça das pessoas. Dita em português, tem o mesmo sentido, mas não tem esse efeito.

“Puto me auditum” é bom latim e quer dizer em bom português “Julgo-me ouvido”, “Penso que fui escutado”, “Julgo que fui claro”, e assim por diante. Não é, portanto, nenhum dito pornográfico nem de mau gosto. É uma brincadeira, com que nesta crônica presto homenagem ao ilustre professor de português e de latim, advogado e gramático Napoleão Mendes de Almeida, de quem aprendi a frase. Doutor Napoleão, há anos infelizmente falecido, foi meu professor; fui aluno de seu curso de português ministrado por correspondência.

Demais disso, a crônica – que escrevi ao me lembrar de uma brincadeira do ambiente de trabalho – vem lembrar a nós todos que não devemos julgar mal os outros, açodadamente, atabalhoadamente. É bom demais conversar descontraidamente e brincar com as pessoas de quem se gosta, numa relação agradável de respeito mútuo. Faz muito bem! “Puto me auditum.”

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Por acaso, mero acaso



O leitor deve estar lembrado de que um dia desses confessei que, nem antes nem depois das eleições, procurara saber o nome do vice da agora presidente eleita, Dilma Rousseff. Não sabia nem procurei saber, mas, hoje, mesmo sem procurar saber, descobri, embora nada tenha mudado com isso, claro. E, se houvesse ficado sabendo antes das eleições, daria no mesmo: para mim, saber quem é o vice-presidente da República não influi nem contribui. Houve tempos em que ainda me preocupava com essas coisas, agora, não. Não me preocupo e tampouco me ocupo disso.

Hoje, contudo, por mero acaso, ao acessar a internet, chamou-me a atenção uma manchete que falava de Temer, Ciro e Dilma. Fui ver o que era, porque sei, embora isso também não me interesse muito, que Michel Temer e Ciro Gomes são deputados federais. Gosto mais de Michel Temer como autor de Elementos de Direito Constitucional, pena que tenha debandado para a política e abandonado a cátedra de Direito. Creio que abandonou.

Abandonando ou não, se tivera ido para a Política, tudo bem, mas não foi, até porque a cada dia mais me convenço de que essa Política, com “p” maiúsculo, quase (eu disse quase) não existe fora de algumas cabeças que se pensam cabeças de intelectuais. O que mais existe mesmo é a política, com “p” minúsculo, do pé-de-meia, da roubalheira.

Que fique bem claro para o leitor: a roubalheira de que falo é roubalheira mesmo, é o roubo de bens do Estado, do patrimônio público, do erário. É isso que os desonestos chamam de “fazer o pé-de-meia”, frasezinha que deveras me aborrece quando é dita por partidários de político ladrão. E olhe que já a ouvi muitas vezes, e sei que, vivendo no Brasil (e, mais precisamente, no Pará de Jader Barbalho et caterva, que poderia ser também o Maranhão de José Sarney et caterva, ou a Bahia de Antônio Carlos Magalhães et caterva, ou São Paulo de Paulo Maluf et caterva, ou o...), o privilégio não é somente meu.

Mas, voltando, em matéria de vice, como da política eleitoral como um todo, há muito tempo ando mesmo desinteressado, porque desanimado. Ou seria desanimado, porque desinteressado? Seja uma coisa ou a outra, que me aproveitaria ser informado? Mudaria alguma coisa? Claro que não: a eleição do titular importará sempre a do vice. E pronto.

Mas não é só isso. O vice é substituto, nos casos de impedimento, e sucessor, no caso de vaga, bem o sabemos, mas, salvo acidente de percurso, não sucede. E, dependendo dos desentendimentos com o titular, também não substitui. Danou-se!

Falando nisso, lembrei-me agora mesmo de que não sei o nome do vice de Simão Jatene, governador eleito do Pará em 2010. Caramba! Mas, que me aproveitaria saber? Mudaria alguma coisa? Sinceramente, penso que não. Aliás, esse caso aí é indiferente, penso. Há, contudo, muitas coisas da política, dessa do pé-de-meia, que é melhor mesmo a gente nem saber.

sábado, 11 de dezembro de 2010

Atos, fatos, leituras


Sebastião Ferreira Neto, o Ferreirinha, é meu conhecido desde o dia 1.º de abril de 1998, quando, nomeado e empossado, entrei no exercício do cargo de Técnico Legislativo, do quadro de pessoal permanente da Câmara Municipal de Marabá, Estado do Pará. Ferreirinha era vereador e foi presidente da Casa. Trabalhamos muito tempo juntos, principalmente nas comissões temáticas permanentes, antes e depois da minha atuação como procurador jurídico-legislativo.

Cerca de 10 para 11 horas de 10 de dezembro de 2010. Na rua (mais precisamente, dentro de um táxi-lotação), ouço, pelo rádio, que Ferreirinha foi preso pela Polícia Federal. Prisão provisória decretada pela juíza federal Hind Ghassan Kayath, de Belém. Entrevista do advogado de defesa, Dr. Antônio Quaresma. Mais tarde, já na Câmara, novamente pelo rádio, ouço entrevista do delegado de Polícia Federal, Antônio Carlos Beaubraun Júnior, que cumpriu o mandado de prisão. Vou à internet e leio no Quardouro, blogue do Ademir Braz, que Ferreirinha já está no Centro de Recuperação Agrícola “Mariano Antunes” (Crama).

Inquieto-me. Não me omito e, não me contendo, deixo um comentário no blogue. Ressalvo, por dever da formação jurídica, que desconheço o processo, mas não deixo escapar a oportunidade de expressar minha crença na inocência do acusado e, de público, hipotecar a ele e sua família minha solidariedade. Bem ao depois, já quase às 18 horas, encontro um colega blogueiro no Banco do Brasil, que faz alusão ao meu comentário do Quaradouro. Em seguida, na banca de revista, mais alusões à prisão. Em ambos os lugares, no banco e na banca, reafirmo minha defesa intransigente do princípio de presunção da inocência. Não gosto de esconder o que penso em situações como esta.

À noite, em casa, leitura do Alcorão, para variar. Falam-me alto os versículos 42 a 44 da sura 10: “E entre eles, há os que te escutam. Mas podes fazer ouvir os surdos? E há os que olham para ti. Mas podes guiar os cegos? Deus não oprime os homens: eles se oprimem a si mesmos.” Texto fora do contexto, lógico. Mas... Lembro-me de Ferreirinha e da situação em que, não sei, injusta ou justamente se encontra.

Depois, leitura de crônicas (Diogo Mainardi, Iris Abravanel, Carlos Heitor Cony, José Sarney, Rubem Braga). A crônica – sempre gosto de dizer – é meu gênero e passatempo preferido. Leio crônicas, se não todos, quase todos os dias, no site da Academia Brasileira de Letras e nos muitos livros do gênero que possuo. Escrever crônica é narrar jornalisticamente o que se vivenciou de forma literária. É isso que diz o jornalista Caio Mario Britto, no prefácio do livro Recados Disfarçados, de Iris Abravanel. Leitura também de Direito Penal e Processual Penal. Leitura da Bíblia, as bem-aventuranças (Mateus 5.1-11).

Não pude, contudo, deixar de escrever alguma coisa, daí esta crônica. As crônicas “Estranhas Sensações” e “Gostinho de Aventura”, da Iris Abravanel, chamaram-me bastante a atenção pela simplicidade, beleza e profundidade. E do muito que sublinhei com a caneta vermelha na leitura do Mainardi, estas palavras dispensam comentários: “É muito mais difícil não escrever do que escrever. [...] Duro mesmo é ficar deitado no sofá, sem escrever nada. Requer uma aceitação filosófica da própria transitoriedade.”

Por último, porque mais importante. Acredito, até prova em contrário, na inocência de Ferreirinha. Concluo com Carlos Heitor Cony: “A natureza é arrogante em sua fecundidade, os homens é que são estéreis em sua finitude.”   

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

A VIDA CONTINUA...

Sempre me preocupei com a brevidade da vida, embora calado o fizesse. Nascemos, crescemos, nos reproduzimos e morremos. Isso quando não ocorre um acidente de percurso, visto que, não muito raramente, esse iter do ser humano, como de todo ser vivo, sofre solução de continuidade antes do tempo natural. A vida é curta, com ou sem acidente de percurso: mal nascemos já estamos morrendo. E, porque a vida é curta, é preciso que nos dediquemos a fazer o bem, a viver bem cada momento, a fazer feliz o próximo, a, pelo menos, não prejudicar deliberadamente os outros. Já dizia Machado de Assis: “O melhor modo de viver em paz é nutrir o amor-próprio dos outros com pedaços do nosso.”



É fato. A vida é curta, mas é bela, embora também seja dura, a depender da perspectiva. O começo pode ser o fim, como o fim pode ser o começo, dependendo de onde se olha. Sei, é claro, que isso é óbvio, mas não é tão óbvio assim. É? Que há de errado em dizer ou escrever o óbvio? Nunca me preocupei com isso, embora faça parecer o contrário. Não tenho a preocupação e, menos ainda, a pretensão de fazer escola. Dizer ou escrever o óbvio deve ser mais proveitoso do que dizer ou escrever o obscuro, o indecifrável, o incompreensível ou enigmático. Quero escrever, falar, viver, só isso.


Vivo doente, uma doença cardíaca, que é crônica e, assim, pelo menos aos olhos da medicina de hodierna, tenho de conviver com ela. Isso, ora me incomoda, me entristece, me desilude, me assombra; ora, não. Melhor assim, claro. E, como se não bastara, hoje tomei conhecimento de algo não muito auspicioso: uma retinografia digital levanta indícios de glaucoma. Sou leigo no assunto (só entendo de direito; não de olho direito, mas da ciência jurídica, o direito com “d” maiúsculo, que também pode, principalmente agora depois do Acordo Ortográfico de 1990, ser escrito com “d” minúsculo), mas sei, como sabe qualquer pessoa, que glaucoma não é coisa boa e pode até levar à cegueira total, conforme o caso, ou, como presumo e espero, o descaso. Logo, de auspicioso aí, em vindo a se confirmar a suspeita, apenas o diagnóstico precoce.


Fiquei preocupado, claro. Logo eu, que sou apaixonado pelo rio, pela praça, pelas árvores, pelos animais, pela natureza, que não consigo ficar sem ler, sem escrever. Meu Deus! Comentei isso com minha mulher, tão logo voltei para casa. Não tenho preconceito com a cegueira, tenho mesmo é medo. Será que alguém não tem? Quero dizer, contudo, que não estou escrevendo isso com tristeza, estou simplesmente aproveitando para reiterar minha paixão pela vida, pelas coisas boas e dizer da minha confiança em qualquer tratamento levado a efeito com disciplina.


Mas não é só isso. A vida continua, até após a morte, ainda que de morte não esteja tratando. Aliás, eu e tantos outros cremos nisso. Há, entretanto, os que não creem, uns expressando sua descrença e outros, não. É fato. Pensemos, contudo, séria e desapaixonadamente: se não existir vida após a morte, como tanto esperamos existir, tudo fica mais sem sentido ainda. “Os céus manifestam a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra das suas mãos”, diz a Bíblia (Salmos 19.1).


“A vida continua, somos nós que não prosseguimos”, disse Valfredo Melo e Souza, na crônica “Vazio existencial”, publicada no jornal maçônico Liberdade e União, de Goiânia (GO), edição de maio-junho de 2009. É verdade, embora não nos acostumemos com a ideia e vivamos mesmo sem nos preocupar com isso. De fato, a vida continua, mas nós passamos. As pessoas passam e as instituições ficam, mas as instituições também passam; somente a vida continua. É preciso viver cada momento como se ele fosse o último, até porque um deles, que não sabemos qual é, o será. E aí... babau, cachimbo de pau!

terça-feira, 30 de novembro de 2010

O PODER POLÍTICO E O BEM DA COMUNIDADE

Sou um crítico ferrenho do Estado, não porque o julgue desnecessário, mas porque o considero tão necessário, que a sua omissão não pode jamais ser tolerada. A Bíblia – mas, diga-se de passagem, não somente ela – deixa bem claro que a razão de ser principal do Estado é o cuidado da comunidade. Eis por que, quando ele se omite ou negligencia de outra forma qualquer o cumprimento de suas funções, o povo padece.
O Estado incentiva a violência, quando permite a impunidade. O policial corrupto, o magistrado omisso ou injusto, o mau legislador, o administrador malversador são tão criminosos quanto o arrombador, o estuprador, o assassino e outros tipos de transgressor. Nada é mais violento do que a sentença injusta, omissa ou tardia. O juiz que absolve, quando deveria condenar, ou vice-versa, é o mais execrável dos homens, se é que como homem pode ser classificado. O advogado que, a desandar da missão impoluta da defesa, envereda pela senda imunda e malcheirosa do crime, também. O policial que, ao arrepio da razão de sua existência, sequestra, extorque, tortura ou mata, também. E que dizer dos governantes e parlamentares que, na essência, não passam de bandidos pomposamente disfarçados de autoridades?
Acabo de ler Fundamentos do direito, de Léon Duguit, livrinho que bela e significativamente discorre sobre a origem, formação, fim e funções do Estado ou, como se queira, do poder político. Exatamente agora, quando a convergência de todas as vontades, no combate aos criminosos do tráfico no Rio de Janeiro, mostrou a todos nós que o Estado, quando quer funcionar, funciona. Mas, que é o Estado? Estado é povo, governo e território. E destes, convictamente o digo, inocente é apenas o território. O povo, em quase tudo, é tão culpado quanto o governo. Aliás, governantes e governados, na expressão mais simples, são povo. Nada mais ingênuo do que pensar que o povo é o coitadinho. O povo escolhe o governo que tem e tem o governo que merece.
Há perguntas que, a despeito de tão incômodas, não querem calar. Quem suborna o agente de trânsito? Quem ultrapassa o sinal vermelho? Quem pensa que fazer o pé-de-meia, pejorativamente falando (ou seja, desviar recursos públicos), é mesmo o que deve fazer todo aquele que chega ao poder? Por que existe traficante? Quem consome o crack, a maconha, a cocaína? Quem compra o aparelho celular ou qualquer outro bem roubado? Quem é pior, o que rouba e vende ou o que compra o bem roubado? Não são igualmente criminosos os dois? Quem é, em última análise, o responsável pelos carros incendiados e demais danos à pessoa e ao patrimônio que foram perpetrados no Rio de Janeiro, nos últimos dias?
“O Estado, no Brasil, é um brincalhão”, escreveu Rubem Braga, em 1958, na crônica “Um mundo de papel”. Eu digo hoje: O Estado, no Brasil, pela sua omissão, é o maior dos criminosos. Odeio a omissão do Estado, na mesma proporção em que dela tenho medo! Mas, quem é o Estado?... Ah, sei: o Estado é o outro! Somos quase todos hipócritas, não todos! Ainda bem.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Ele, o leitor; ela, a leitora

Pela manhã, a leitura da minha crônica “Herança filológica”, no Correio do Tocantins. À tarde, após o expediente na Câmara Municipal de Marabá, a visita sempre agradável do carteiro (que já se tornou meu amigo). Correspondência, tudo de bom: impressos, malas-diretas, revistas e livros (dois de crônicas e um de contos), Diogo Mainardi, Lula é minha anta; Rubem Braga, 50 crônicas escolhidas; e Fernando Sabino, Os melhores contos. Sempre gostei dos Correios, como gosto da rede mundial de computadores. Receber, abrir e ler a correspondência – antes, só física; agora, física e virtual – é um deleite, um prazer sui generis. À noite, a releitura da crônica “O leitor”, da Ana Miranda, que li a primeira vez na revista Caros Amigos, faz alguns anos (1997 ou 1998); também a da crônica “Talvez o último desejo”, de Rachel de Queirós.

Sobre a crônica publicada no Correio, a apreciação de uma leitora muito especial, minha mulher. Os comentários do leitor, ainda quando contrários – que não foi o caso – têm um valor inestimável para quem escreve, daí o carinho que tenho pelos meus leitores. Muitos deles são amigos virtuais, moram em outros Estados (São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo); outros moram em Marabá e outros, ainda, moram em outras cidades paraenses e brasileiras: a mulher, colegas advogados, colegas de trabalho, irmãos de fé, membros da família maçônica (irmãos, cunhadas e sobrinhos), dentre outros segmentos. Uns leem o jornal impresso, outras leem os blogues. São eles a razão do meu escrever, o incentivo maior das minhas crônicas.

Minha homenagem sincera a você, caro leitor, caríssima leitora, tanto do jornal impresso quanto dos blogues. Não posso enumerar todos aqui, porque a lista é grande e, principalmente, porque poderia omitir involuntariamente alguns. Meu pedido de licença, portanto, para prestar esta homenagem na pessoa dos que vou citar. Leitores do jornal impresso: Carlos Rosa, irmão da vereadora Júlia Maria Ferreira Rosa Veloso; Ademar Rafael Ferreira, Wagner Spindola de Ataíde e Santino Pereira Gomes, meus irmãos de ideal maçônico; Lúcio Virgínio Ribeiro, meu irmão de fé cristã, e seu sobrinho Ismael, protéticos da Rua 5 de Abril, 1.305; Dr. Antônio Quaresma, Dr.ª Marli Fronchetti e Dr.ª Joziani Bogaz Colinetti, colegas advogados; Juliano Juks Costa Souza, contemporâneo do curso de Direito e servidor da Justiça Federal. Leitores dos blogues: Andrea Ferreira Pinheiro Carvalho, contabilista de Campinas, São Paulo; Domício Brasil, de Marabá; Prof. Gerson Pigatto, de São Paulo; Prof. Dr. Gutemberg Guerra, de Belém; Prof. Dr. Guilherme José Purvin de Figueiredo, presidente do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública (Ibap), de São Paulo; Prof.ª Luz Marina de Alcântara, de Goiânia; Rafael Porto, meu irmão de ideal maçônico, acadêmico e estagiário de Direito, do Rio de Janeiro; Rev. Hideraldo Cordeiro de Melo, pastor presbiteriano, de Macapá, meu irmão e amigo.

Esses leitores, afora muitos outros que deixei de citar, cada à sua maneira, têm-me me incentivado a viver e a escrever. Por vezes, sentindo-me cansado e desanimado, tenho sido arrebatado do meu torpor com palavras como estas do meu amigo Carlos Rosa: “Doutor, continue a escrever. Gosto de ler todos os seus artigos do jornal. Não deixe de escrever, não!”

Alguém, um dia desses – criticando-me, reservada, mas asperamente –, disse que, certamente, não vivo somente de ficção. É verdade, claro. Prova é tanto que meu gênero literário preferido é a crônica, nada mais nada menos, que realidade tratada literária e jornalisticamente ao mesmo tempo. Peço licença ao cronista amigo Abilio Pacheco, para fazer minhas estas suas palavras: “A crônica para mim ainda é um prazer que vale mais pelo texto que pelas ideias.”

domingo, 21 de novembro de 2010

Herança filológica

Tenho carinho por tudo que me lembra a pessoa, os falares e costumes do meu avô materno, José Monteiro da Silva – que, aliás, foi o único avô que conheci – e meu pai, João Belizário de Souza, ambos já falecidos. Eram homens diferentes entre si em muitos sentidos; tinham, contudo, muitas características em comum também, dentre elas o serem ambos nordestinos, naturais do Estado do Piauí, não obstante de cidades diferentes.

Paraense nascido em São Domingos do Araguaia e radicado em Marabá que até agora nem sequer viajou para lugar algum do Nordeste, tenho, por paradoxal que pareça, paixão pelo nordestino, até porque meus ancestrais, maternos e paternos, são do Nordeste (Ceará, Piauí e Maranhão). Seu linguajar, característico por palavras em si e pelo sotaque bem acentuado, sempre despertou minha atenção desde criança. Ficava embevecido ouvindo o tio Américo, marido da tia Hosana, contar histórias e mais histórias, enquanto enchia talabardões e cuidava de outros petrechos das suas tropas de burros.

A tia Hosana é irmã da minha mãe, Antônia Monteiro de Souza, e o tio Américo, marido dela, era um cearense pé-rachado, mas muito trabalhador, que chegou ao Pará através do Maranhão. Era tropeiro – chegou a ter várias tropas, de cinco burros cada uma – e atuava no transporte de cargas, de produtos da lavoura (arroz, feijão, milho e farinha) a castanha-do-pará. Muito brincalhão e contador de piadas e histórias espirituosas (às vezes pornográficas), gostava de, brincando, dizer ao meu irmão José, um ano mais novo do que eu: “Vou pegar meu revólver, arredondar seus pés de bala e lhe deixar calçando ouriço.” E eu amava ouvi-lo dizer isso com seu sotaque forte de cearense. Ah, quanta saudade do tio Américo! Ele faleceu em fevereiro de 2007, um mês após o falecimento do meu pai.

Pois bem. Recebi dos meus pais e demais parentes próximos nordestinos (minha mãe e os irmãos dela são de Pedreiras, Estado do Maranhão) rica herança filológica, a despeito de muitos deles – meus pais, por exemplo – serem analfabetos. Alegra-me sobremaneira lembrar-me de palavras do meu tempo de criança e adolescente, na zona rural, como já disse em outras crônicas. Fiel e apegado às minhas raízes, quero falar dos meus antepassados sempre com admiração e muita saudade, notadamente do meu avô e do meu pai, homens pobres e humildes dos quais tenho boas lembranças. Eles se foram deste mundo, mas estarão sempre comigo, no coração.

“Entica”, “emboança”, “semodeza” e tantas outras palavras que me lembram deles, quando nos repreendiam, a mim e meus irmãos. Eis a razão desta crônica: a saudade imensa que tomou conta de mim ao ler, na página da Academia Brasileira de Letras, a crônica “A República, filosoficamente”, de João Ubaldo Ribeiro, também nordestino. É que ele, nessa crônica, com ironia e brincadeiras, fala da sua querida Itaparica e, referindo-se ao emprego do termo “factoide”, afirma tratar-se de um “furto filológico” de que Itaparica foi vítima, pois factoide era palavra empregada já pelo padre Vieira, quando xingava os hereges nas suas prédicas da catedral.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Encabulado, aliás, quase...

O salmista Asafe diz, no versículo 2 do Salmo 73, que quase se lhe resvalaram os pés e, por pouco, não se lhe desviaram os passos. Aliás, vou transcrever. Na edição revista e atualizada no Brasil da tradução de João Ferreira de Almeida, ele diz exatamente: “Quanto a mim, porém, quase me resvalaram os pés; pouco faltou para que se desviassem meus passos.” E, em seguida, confessa o porquê do seu escândalo ou quase fraquejar: a prosperidade dos ímpios.

Não sou salmista na acepção bíblica nem meu nome é Asafe: sou um crentinho fracote, um cronista de meia-tigela e meu nome é Valdinar. Confesso, contudo, que, muitas vezes, quase se me têm resvalado os pés e, por muito pouco, não se têm desviado meus passos em muitos sentidos. Sinto-me, quase sempre, na contramão. Vou dizer por quê. Dentre outras idiossincrasias ou anormalidades, eu tenho medo dos donos da verdade, eu me sinto profundamente incomodado com a santidade dos crentões e santarrões da minha denominação e das outras denominações também, eu leio a revista Veja, eu gosto das crônicas dos colunistas Diogo Mainardi e Lya Luft, eu assisto, às vezes, a telenovelas da tevê Globo.

Lógico que não gosto de ler as reportagens políticas da Veja, aliás, nem as leio. Não as leio na Veja nem na internet nem em qualquer outro veículo ou meio de comunicação. Vou confessar uma verdade (talvez para vergonha do meu leitor e profunda indignação, vontade de me linchar, ou mesmo quase suicídio de alguns intelectuais meus conhecidos): tenho o orgulho de, por exemplo, não ter ficado sabendo ao longo de toda a campanha, e até hoje ainda não saber, o nome do candidato a vice-presidente da República e agora vice-presidente eleito na chapa da Dilma Rousseff, e de ter ficado sabendo por mero acaso o nome do vice-presidente na chapa de José Serra. Só peço aos meus leitores que não me abandonem por isso.

Tenho amigos sinceros que não gostam da Veja e muito menos do Diogo Mainardi. Um deles, colega do curso de Direito, a quem muito estimo, me disse uma vez, muito zangado, que não aceita o absurdo de Mainardi publicar um livro de crônicas intitulado Lula é minha anta. E disparou, sério: “Que que é isso? Com o presidente da República, rapaz?... Não, é demais!” Mesmo assim, eu disse a ele, na mesma hora, que gosto de quase todas as crônicas de Mainardi. Gosto, sim. Mas eu também gosto das crônicas do imortal da Academia Brasileira de Letras José Sarney, embora não goste do político. Como políticos, não gosto de Jader Barbalho nem de Sarney e tampouco de Ana Júlia, ou de Jatene, para citar apenas alguns nomes.

Quando penso que quase a metade do eleitorado paraense votou em Jader Barbalho para senador da República, fico realmente atormentado e sem saber o que dizer. E o que dizer dos que votaram no Tiririca? Sem palavras, sinceramente, meu caro leitor! Vejo, quase amedrontado até, que sou mesmo um anormal, moral e politicamente falando. Estou, quase sempre, na contramão, discordando da maioria. Tomara que você esteja comigo! Não entendo os brasileiros, assim como não entendo muitas e muitas coisas. Ainda bem! É bom mesmo não saber de certas coisas e situações, como fez o presidente Lula.

Diogo Mainardi, na crônica “Com Dilma, o PT chega em quinto”, publicada na edição 2.191 de Veja, diz sabiamente: “Quem compreende a mente e o comportamento dos brasileiros é Valdemar Costa Neto. Quem compreende a mente e o comportamento dos brasileiros é a Mulher Melancia. Quem compreende a mente e o comportamento dos brasileiros é Chico Buarque. Eles sabem o que os brasileiros querem.” Concordo plenamente. Acrescentaria, no entanto, Paulo Rocha, Jader Barbalho, José Roberto Arruda, João Paulo Cunha, José Sarney, José Dirceu e, enfim, uma lista enorme, que não dá para enumerar. Encabulado, eu? Quase. Mas não estou nem aí para a maioria, embora tenha medo dela. Paradoxo? É mesmo?... Sei lá!

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Orelhas de cão vadio e devido processo legal

Gosto de ler, de vez em quando, versões da Bíblia em inglês e em latim, embora não seja versado nessas línguas. Tenho duas Bíblias em inglês e, na internet, há boas versões latinas, inglesas e de várias outras línguas. Também tenho versões inglesas do Código Civil Brasileiro e da Constituição Federal. É que gosto de comparar versões de uma mesma língua, bem como versões estrangeiras entre si, seja da Bíblia, de clássicos gregos ou de qualquer outra obra. Acho agradável e proveitoso fazer isso. E gosto – como se diz – não se discute. Sem problemas. Nada tenho, portanto, contra quem não gosta.

Pois bem. Andei lendo hoje a Nova Vulgata Bibliorum Sacrorum Editio, versão latina que muito aprecio, e resolvi registrar em crônica, porque as passagens lidas representam regras para um bom relacionamento intersubjetivo e, ainda, princípios do Direito moderno.

Comecei ler pelo versículo 17 do capítulo 26 do livro de Provérbios, Liber Proverbiorum, porque citei em português na crônica anterior, “A utilidade do direito e de seu profissional”, essa passagem bíblica, que na versão latina em questão diz: “Apprehendit auribus canem, qui transiens commiscetur rixae alterius.” Como regra de comportamento, a Bíblia diz aí que quem se mete em conversa alheia é como quem toma um cão qualquer pelas orelhas. Ora, pegar um cão desconhecido pela orelha é se expor a perigo previsível, qual seja, a possibilidade de uma ou várias mordidas violentas e de contaminação pelo vírus da raiva canina. Expõe-se, portanto, a desavenças e atrai complicações para si todo aquele que se intromete em discussão dos outros.

Como regra de comportamento, essa aí me fez lembrar de outra contida no mesmo livro de Provérbios, o versículo 13 do capítulo 18, que diz: “Qui prius respondet quam audiat, stultitia est ei et contumelia.” Sabedoria em palavras simples: para responder, é preciso ouvir! “Quem responde antes de ouvir comete estultícia para sua vergonha”, é isso, em tradução livre, que a Bíblia está dizendo. Simples demais, porém indispensável: primeiro ouvir, depois, se necessário, responder correta e seguramente, sem escorregões nem atropelos.

Com o sincero pedido de desculpas a quem não gosta de latim ou de língua estrangeira, mais um versículo também em latim – porque da versão latina estou tratando. É uma passagem bíblica que, como advogado, tenho citado muitas vezes (capítulo 7, versículo 51, do Evangelho Segundo João, Evangelium Secundum Ioannem): “Numquid lex nostra iudicat hominem, nisi audierit ab ipso prius et cognoverit quid faciat?” Foi a célebre pergunta feita a respeito de Jesus Cristo pelo doutor da lei Nicodemos, assim traduzida na edição contemporânea da tradução de João Ferreira de Almeida: “Condena a nossa lei alguém sem primeiro ouvi-lo para descobrir o que faz?” É a exigência bíblica, sem tirar nem pôr, do devido processo legal e do contraditório. Ninguém pode ser condenado sem antes ser ouvido em processo regularmente instaurado, instruído e julgado. Está na Bíblia também, não é só na Constituição da República Federativa do Brasil.

Conclusões à luz da Bíblia. Não se intrometer na discussão dos outros é uma boa receita para evitar prejuízos e dissabores. Há, todavia, quem gosta de entrar em conversa para a qual não foi chamado, como há, no outro extremo, quem gosta de envolver os outros nas próprias confusões. Tanto um tipo quanto o outro são detestáveis e devem ser evitados. Mas existem, ainda, os que exaram decisões injustas ou criam involuntariamente situações embaraçosas para si e para os outros, pela negligência de não seguirem a regra de ouro das relações intersubjetivas: só responder depois de ouvir.

sábado, 13 de novembro de 2010

A Utilidade do Direito e de seu Profissional

Andando pela Praça Duque de Caxias, logo após terminar meu expediente na Câmara Municipal, passei por duas mulheres jovens que, em frente à Inspetoria Litúrgica do Supremo Conselho da Maçonaria, conversavam entre si sobre não sei o quê. Pude, contudo, ouvir nitidamente quando uma delas disse para a outra: “A mesma coisa é direito, curso de advogado: não tem utilidade nenhuma para as pessoas.” Passei calado, é óbvio, até porque elas não sabiam que sou advogado. Demais disso, diz a Bíblia (Provérbios, capítulo 26, versículo 17): “O que, passando, se mete em questão alheia, é como aquele que toma um cão pelas orelhas.” Fiquei, todavia, pensando nos equívocos e preconceitos dessa afirmação da moça (dita, a seu ver, com laivos de sabedoria). Puxa vida, são tantos, que o espaço de uma crônica é muito pequeno para dissecá-los! Darei aqui, no entanto, umas pinceladas de leve.

Para inicio da conversa, curso de Direito não é curso de advogado, pois Advocacia não é formação acadêmica, é profissão jurídica, como profissão jurídica também é, por exemplo, a Magistratura. Ninguém vai para a faculdade estudar Advocacia, vai-se estudar o Direito. Quem conclui o bacharelado em Direito – também chamado de bacharelado em Ciências Jurídicas e Sociais – não é advogado; advogado é somente o bacharel em Direito que, após ser aprovado no exame de ordem, é inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil. É bom que se diga, entretanto, que essa confusão do leigo não se dá por acaso, sua razão de ser é a importância do advogado entre os diversos profissionais do Direito (juízes, promotores, delegados e assim por diante). Partindo desse raciocínio, um a zero para os advogados.

Outra coisa. Onde houver sociedade, onde houver gente, haverá regras de comportamento, ou seja, haverá necessariamente o Direito. Como ensina Antonio Junho Anastasia, na apresentação do livro Técnica Legislativa, de Kildare Gonçalves Carvalho, “é a norma jurídica que impõe os padrões normativos de conduta humana, permitindo o convívio entre os homens”. Logo, o curso de Direito em si e todos os profissionais do Direito – não só os advogados – têm sim muita utilidade para as pessoas. Não é sem razão que, no seu artigo 133, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a mais democrática das constituições brasileiras, diz que “o advogado é indispensável à administração da justiça”. Sem advogado, não se faz justiça. E o anseio por justiça vem de Deus. “Não há justiça sem Deus”, já deixou imortalizado Rui Barbosa, na Oração aos Moços.

“A lei é dura, mas é lei”, diz a máxima bem conhecida e ora invocada com boas, ora com más intenções. É verdade, a lei é dura, mas é lei. Existem, contudo, leis boas e leis ruins, umas feitas com boas intenções, as outras, com más intenções. E, se não bastasse disso tudo, a lei nem sempre coincide com a vontade do legislador, uma vez que, não muito raramente, por desconhecimento ou até inobservância voluntária da técnica legislativa, o legislador pensa em escrever uma coisa e acaba escrevendo algo diverso ou mesmo oposto do que desejava. Isso acontece muito mais do que o leigo pode imaginar, infelizmente, nos casos de boa intenção e felizmente, nos demais casos. Logo, não pode nem deve jamais prevalecer toda e qualquer lei, simplesmente por ser lei. Os romanos já diziam que nem tudo que é legal é também moral. Quase todo o mundo sabe disso, não é privilégio só dos profissionais do Direito.

Mas não é só isso. A lei é fruto da técnica jurídica e fonte direta ou imediata do Direito, conquanto não se confunda necessariamente com ele, da mesma forma que o direito não se confunde com a justiça. Lei é lei, direito é direito, justiça é justiça, não necessariamente nessa ordem. A técnica jurídica se divide em técnica legislativa, que é a arte de fazer a lei, e hermenêutica, que é a técnica de interpretá-la e aplicá-la. Aprender o Direito não é decorar o texto da lei, saber a lei não é decorar-lhe as palavras, como ingenuamente muitos pensam e alguns, mais do que isso, preconceituosamente o dizem. Decorar a lei qualquer um pode, mas para interpretá-la e aplicá-la é necessário ser um profissional, acadêmica e legalmente habilitado. É por isso que existem os profissionais do Direito e o advogado é indispensável para a administração da justiça.

Bona est lex, si quis ea legitime utatur” (“boa é a lei, se alguém a utiliza legitimamente”), ou seja, se a aplica com retidão. Isso, aliás, é bíblico e tem, por isso, valor incalculável para os cristãos. É uma redução do versículo 8 do capítulo 1 da Primeira Epístola de Paulo a Timóteo, em latim: “Scimus autem quia bona est lex, si quis ea legitime utatur” (Epistula I ad Timotheum, I.VIII). É isso. Tenho orgulho de ser advogado, porque sei da nossa utilidade para o bom convívio entre os homens (e as mulheres também, claro).

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Preço e valor

Na crônica “Bienais”, Carlos Heitor Cony diz que “tirante a própria vida, nada é gratuito na vida. Não há almoços grátis”. Achei interessante essa tirada conyana! Dá até para, à guisa de um ditado, escrever assim: “Tirante a própria vida, nada é gratuito na vida. Não há almoços grátis.”

Ler isso me fez lembrar a diferença entre preço e valor, embora a crônica de Cony não trate do assunto. Simples assim. Muitos confundem preço com valor, o que, com efeito, embora seja natural, não é bom. Não quero formular conceitos ou definições. Só quero escrever algumas considerações sobre ambos, até porque entendo que o preço de tudo quase sempre está aquém do valor, conquanto o contrário disso, às vezes, também ocorra.

Preço é preço, valor é valor: preço e valor não se confundem, são diferentes. É lógico que isso é óbvio, mas eu gosto, não raro, de discutir o óbvio. Que eu saiba, discutir o óbvio não é proibido, pode ser chato ou sem graça, mas proibido não é. Beleza, isso basta. Quem gostar gostou, obrigado! Quem não gostar não gostou, desculpe-me! Às vezes pode parecer que sou chato propositadamente, mas garanto que não o faço por querer. Cuidado, leitor, com o óbvio!

A não ser do ponto de vista meramente vulgar, não se deve jamais ou, pelo menos, não se deveria confundir preço com valor ou vice-versa. A confusão, contudo, existe e, pode até parecer que não, mas muitos problemas também existem por causa dela. Logo, é preciso conhecer o valor da vida e das coisas, para lhes atribuir o preço justo. Mas não somente por isso e para isso.

Há coisas cujo preço é irrisório, mas o valor é inestimável. Será que a recíproca é verdadeira? Sei lá!... Penso que não. A vida, por exemplo, não tem preço, mas o seu valor é inestimável. Claro que isso é óbvio e, certamente, todos o sabem. O que, todavia, também é óbvio e muitos não sabem é que a omissão de quem deixa de pagar o preço, às vezes até muito baixo, impõe sofrimento desnecessário a pessoas inocentes, quando não as leva à morte.

“Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo propósito debaixo do céu” (Eclesiastes 3,1). Estamos em 2010, que é ano de eleições em todo o Brasil. É, portanto, o tempo propício ao eleitor para analisar bem o que vê, lê e ouve, a fim de distinguir o preço e o valor atribuídos a isto ou aquilo por este ou aquele candidato postulante deste ou daquele cargo. O eleitor, agora mais do que nunca antes, deve utilizar bem os seus sentidos: abrir os olhos, limpar os ouvidos, raciocinar, decidir e agir.

Birds of a feather flock together” (“Pássaros da mesma pena voam juntos”), já diz um provérbio em inglês. “A onça não é dialética”, alguém já o disse com muita sabedoria. Eu, contudo, na luta entre a onça e o ser humano, estarei com este, ninguém duvide. É claro. A onça que se dane!

O eleitor precisa pagar o preço, sem se esquecer de pensar no valor. E o candidato não deve pagar por coisa alguma do eleitor, principalmente pelo voto, porque a lei o proíbe e porque a lei tem a sua razão de ser, embora candidatos e mais candidatos, eleitores e mais eleitores pensem diferente. A omissão é o refúgio dos fracos, quando não dos covardes, mas é também arma letal quando praticada pelo Estado, na pessoa do legislador, do administrador, do juiz ou de qualquer outro agente público.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Certeza? Talvez, sei lá!...


Não sei por que me deu vontade de escrever isto. Sinceramente, não sei, mas o faço. Talvez seja porque não me acode no momento outro assunto, outra ideia para uma crônica. Não, não é. Não é isso, porque ideias e assuntos até os tenho demais. Talvez seja esse o problema. Talvez, mas não é certeza. E aqui vem à memória o que escreveram sobre certeza Pasquale Cipro Neto e Lygia Fagundes Telles, que, aproveitando o ensejo, compartilho com meu leitor, por julgar muito interessante. “Ouça, leitor: tenho poucas certezas nesta incerta vida, tão poucas que poderia enumerá-las nesta breve linha” (Lygia Fagundes Telles, “Então, adeus!”). “Em tudo na vida, a certeza quase sempre não passa de mero engano” (Pasquale Cipro Neto, “Vezeiro, sicrano, supetão”). Caramba!

Algum leitor, a esta altura, talvez esteja a pensar que pretendo dizer ou discutir os conceitos de certeza e de verdade ou até mesmo o de preconceito. Talvez! Enganou-se, todavia, quem o fez. Não os quero conceituar e tampouco discutir-lhes os conceitos existentes. Também não quero, por incrível que pareça, ser amargo. Eu só queria registrar aqui e agora, hic et nunc, o ter muitas incertezas nesta vida incerta, como disse a imortal Lygia Fagundes Telles. Daí usar tanto neste texto, deliberadamente, propositadamente, o advérbio talvez. Eu tenho dúvidas, medos e angústias. Quem não os tem?

Pretendia, demais disso (e ainda não desisti do intento), concitar o leitor a duvidar de certas verdades e certeza absolutas que são apresentadas nos mais variados aspectos da existência e do agir humano. The benefit of doubt, o benefício da dúvida. Não no sentido juridicamente empregado, do in dubio, pro reo, mas filosoficamente. A dúvida, quando sincera, é benéfica e produz bons resultados. O mundo é movido por dúvidas e perguntas, que levam à investigação, embora não necessariamente à verdade ou à certeza absoluta. A Bíblia, para quem nela crê, dá o exemplo da dúvida sincera e benéfica de Tomé.

Duvide, meu leitor, questione, investigue, perquira, pergunte e avalie a resposta! Mas, antes e acima de tudo, saiba ouvir. Seja simpático para com a verdade, a crença e a justiça do outro, pois simpatia, longe de significar concordância, significa negação da discordância cega ou obstinada. Gosto muito, por isso, da “Canção ecumênica”, de autoria do padre Zezinho, interpretada pela cantora Faride, que nos manda “respeitar os ateus”.

Não sou ateu nem cético nem coisa que o valha, mas, há muito, ando a desconfiar e mesmo a desgostar da certeza de muitos. Não raro, verdades, certezas e preconceitos se têm confundido nas sendas tenebrosas da mente obscurecida de quem se julga o suprassumo da sumidade. Como Sócrates, cada dia mais, só sei que nada sei, e tenho medo, muito medo, das certezas e verdades dos que tudo fazem para negar ou fazer calar a certeza ou verdade dos outros. Tenho medo, muito medo, dos donos da verdade.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Fora do ar, desconectado e com saudade

É noite de 24 de agosto de 2010, 19h29, para ser exato. Em casa, na minha sala de estudos, como de costume, estou sozinho. Tudo está diferente, porque estou sem net, (damo-nos o direito de já usar essa redução para internet, que poucos ainda chamam de rede mundial de computadores). Emprestei meu modem a minha mulher, que o levou para a escola e só retornará após as 22h30. Não estou gostando nem um pouco da situação: estou desligado (desconectado, para ser coerente como internauta) das pessoas com quem costumo conversar a esta hora, se não todos, quase todos os dias. Fazer o quê? Estou fora do ar, desconectado e só me resta esperar!

Caramba, como está ruim! Dou-me conta, de repente, do quanto estou viciado em internet e, mais do que isso, de como nós, todos os humanos, nos fazemos dependentes dessa coisa, às vezes boa e às vezes ruim, chamada tecnologia. A tecnologia, não resta dúvida, facilita demasiadamente a nossa vida e, por isso, quando nos vemos privados, ainda que momentaneamente, de certos hábitos proporcionados por ela, ficamos incomodados, impotentes até, e sofremos sobremaneira. Como pode? Eu hein!... Que coisa mais preocupante e assustadora!

Lembrei-me de que antes, ainda não faz muito tempo, desgostava a não mais querer da geringonça engenhosa e utilíssima inventada por Graham Bell. É verdade! Eu simplesmente detestava o telefone e, por isso, resisti até não mais poder a pôr telefone em casa e a usar o celular, embora hoje não viva sem eles. Carrego dois aparelhos celulares o dia inteiro e durmo com eles ligados ao pé da cama. Como pode? Os homens mudam (e as mulheres também, óbvio)! E veja o leitor que, com dois celulares apenas, ainda sou modesto, pois conheço pessoas que não se apartam jamais de três, quatro ou cinco. É mole, ou quer mais?

Parado, aqui sozinho (meus filhos estão na sala ao lado), fico pensando não só na dependência tecnológica, mas também nas várias outras muletas que fazemos incorporar ao nosso ser e, uma vez sem elas, ficamos de todo atrapalhados e, não raro, impotentes, incapacitados para muitas coisas: o celular, o notebook, o pen drive e outros produtos tecnológicos do mesmo jaez, mas também os óculos (para muitos como eu) e, para não me alongar muito na lista, a chave da gaveta! O homem é mesmo um ser imperfeito. Sou homem e, por isso, um ser imperfeito. É por isso que, tal qual você, eu me faço depender, com ou sem razão, de tantas coisas.

Batem e chamam à porta. Vou ver quem é e interrompo, com alegria, minhas lucubrações, pois é o reverendo Hideraldo Cordeiro de Melo, pastor presbiteriano, meu irmão em Cristo e grande amigo, que já foi meu pastor em Marabá e hoje mora em Macapá, Estado do Amapá! Que alegria! Que coisa boa! Conversamos muito sobre muitas coisas, embora estejamos apressados e preocupados com a exiguidade do tempo, dado que ele terá de ir para o aeroporto às 22h30, retornando para Macapá.

Agora são 21h44. O pastor Hideraldo foi embora, a Câmelha ainda não chegou da escola e eu continuo sem net. Amanhã, às 10h30, tenho consulta com meu cardiologista, Dr. Cesar Antonio Rodriguez Montes, peruano, radicado no Brasil. Fica esta crônica como registro, a qual será publicada nos meus blogues tão logo me chegue às mãos o modem. Tudo valeu a pena, e muito. Só a saudade dos amigos da internet me incomoda muito e dá um aperto no coração.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Cachorro caído

Carlos Heitor Cony, na crônica “Cachorros atropelados”, lembra Manduca, irmão da escritora paraense Eneida de Morais, autora de Aruanda e Banho de Cheiro, dentre outras obras interessantes. Eneida era cronista e infelizmente foi também contemporânea de cárcere do romancista Graciliano Ramos. Tenho por ela admiração profunda, porque soube dignificar o Pará, a exemplo do maestro Waldemar Henrique, como de outros tantos paraenses ilustres.

Pois bem. Cony, com seu jeito invejável de cronicar, diz na crônica que se sente um cachorro caído e vencido na vida, razão pela qual, ainda que não houvesse aprendido de seus ancestrais que não se deve chutar cachorro atropelado, ele, por si mesmo, decerto não o faria. Não chutaria cachorro atropelado nem cachorro caído e vencido pela vida, por ser um deles. Caramba! Sou fã do cronista Cony, como o sou dos cronistas José Sarney, Moacyr Scliar, Ana Miranda e João Ubaldo Ribeiro, dentre outros. A crônica - já o disse inúmeras vezes - é o meu gênero literário preferido.

Misericórdia! Se, de verdade, o Cony, com tanto sucesso, sentir-se um cachorro caído e vencido pela vida, que dizer do cronista meia-tigela que rabisca esta insignificância literária, e de tantos outros reles desconhecidos por aí? Não pode ser. É, com efeito, mais uma das brincadeiras do estilo conyano. Ora, veja bem o leitor que cachorro, no significado etimológico da palavra, não chega nem a ser cão. Cachorro não é cão, etimologicamente falando, cachorro é filhote de cão: cão é cachorro adulto. Danou-se!

Está aí! Cony disse (aliás, disse, não: escreveu) uma coisa que muitos sentem, mas não têm a coragem de dizer: sou um cachorro, ou mesmo um cão, caído e vencido pela vida. Eu mesmo, com tristeza o confesso, tenho pensado isso várias vezes. E, o que é pior, pensei de verdade; não de brincadeirinha como penso que ele o fez. Sei, obviamente, que não sou cachorro: sou um corpo humano alquebrado e amortecido pelos anos. Mas isso, do ponto de vista material, não faz muita diferença, porquanto, biologicamente falando, homem e cachorro ou qualquer outro animal, notadamente quando mortos, são iguais.

Tudo isso me fez relembrar que, na sessão maçônica mais recente, aprendi uma lição simples, mas muito interessante: cada pessoa tem o dever de preencher com dignidade a porção que lhe cabe no Universo. Puxa vida, muitos não se preocupam com isso! E não o fazem porque, da baixeza de sua ignorância, ingenuidade ou coisa que o valha, pensam que são alguma coisa, biologicamente falando, muito além de cães, de gatos e até de outras pessoas (que também são animais). “Tudo pode acontecer na vida de uma pessoa que tem um gato e ele se chama José”, deixou perenizado em uma crônica Eneida de Morais.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Choque anafilático do organismo cibernético

Constituição Federal, aberta sobre a mesa. Olho e vejo o que está escrito: “O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas. A pesquisa científica básica receberá tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o progresso das ciências. A pesquisa tecnológica voltar-se-á preponderantemente para a solução dos problemas brasileiros e para o desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional.” É o artigo 218 (do enunciado principal, que chamamos de caput, ao parágrafo segundo, que na forma jurídica escrevemos: art. 218, caput e §§ 1.º e 2.º).

Atento para a redação do texto, pois amo a linguagem jurídica, minha ferramenta de trabalho. Amo, porque é ferramenta de trabalho e porque é realmente bela, como bela em seu todo é a Língua Portuguesa. “O advogado, trabalhando, ou escreve, ou fala”, diz Eliasar Rosa, no livro Os Erros Mais Comuns nas Petições. É verdade. Daí ser muito agradável ler uma petição, uma sentença ou qualquer outra peça jurídica bem redigida, assim como assistir à falação de um profissional do Direito ou de qualquer outro segmento que vele pela linguagem escorreita.

De repente, esqueço involuntariamente os aspectos gramaticais da linguagem jurídica e deixo-me levar por lucubrações científicas e filosóficas. São hipóteses, indagações, afirmações, negações, teses, antíteses, sínteses, conjecturas e refutações, não necessariamente nessa ordem. Aliás, Conjecturas e Refutações é o título de uma das obras mais importantes de Karl Popper, sobre Filosofia da Ciência. Leitor de histórias de ficção científica, lembro-me do “choque anafilático do organismo cibernético”, do conto “O Menino e o Robô”, de Rubens Teixeira Scavone; do cérebro positrônico de Elvex, um dos robôs do conto “Sonhos de Robô”, de Isaac Asimov; do processo mesmérico de monsieur Valdemar, do conto de Edgar Allan Poe. Penso nas especulações do pós-humano, nas indagações atuais da Filosofia da Mente.

Muitos, notadamente os fanáticos religiosos, podem até dizer que isso tudo é loucura, mas não é. Não, não é loucura: é a capacidade demasiadamente fascinante de que, na perspectiva mesma da religião, Deus dotou o ser humano, homem e mulher. A ciência e a tecnologia me assustam e me fascinam na mesma intensidade, até porque enquanto se assiste boquiaberto à quase humanização dos autômatos, sofre-se cada dia mais os efeitos devastadores da prepotência, intolerância e robotização dos humanos, cada vez mais acentuadas, embora isso tudo, por si só, nada tenha que ver com ciência e tecnologia.

A Constituição Federal manda que o progresso das ciências receba tratamento prioritário do Estado e a pesquisa tecnológica, obviamente também com esse tratamento, seja voltada preponderantemente para a solução dos problemas brasileiros, vale dizer, para o bem da humanidade e para fins pacíficos. E isso tudo tem também muito que ver com ficção científica e literatura fantástica, sim. Basta lembrar que muito da realidade científica e tecnológica de hoje, no passado não muito distante, era objeto tão somente da ficção científica.

Cronicazinha chata, desenxabida?... Bom, pode até ser. Eu, contudo, já parei. Não se preocupe, por conseguinte, o leitor que se desagradou ou que, pelo menos, não gostou. Discordar e desconcordar são a mesma coisa? Eu sei, mas não vou dizer, pelo menos por enquanto. Haverá quem goste, disso não tenho dúvida. Afinal, essas foram apenas pequenas divagações e lembranças que me vieram à mente e fiz por deixar registradas.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

O Estado Brasileiro e os Direitos Sociais

Fórum do curso de especialização em Direito Constitucional. O professor propõe para debate o tema Direitos Sociais, dirigido mais especificamente para o Capítulo VII do Título VIII da Constituição Federal, capítulo e título estes que são intitulados Da Família, da Criança, do Adolescente e do Idoso, e Da Ordem Social, respectivamente.

Afirma que, pela Constituição, o Estado deveria garantir a todos, sem distinção, educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade, assistência aos desamparados, mas o Brasil não cumpre isso porque os recursos são poucos. E faz indagações: Como equilibrar necessidade das pessoas em efetivamente ter serviços dignos e orçamento disponível do Estado? Numa eventual demanda requerendo o fornecimento de um medicamento, por exemplo, o Poder Judiciário poderia determinar o fornecimento do medicamento pelo Estado mesmo com a alegação governamental de falta de recursos? Não teríamos uma atitude antidemocrática em que um poder estaria interferindo em outro (neste caso Judiciário versus Executivo)? E, por fim, convida para o debate. Eis, a seguir, minha participação.

“O Estado, no Brasil, é um brincalhão”, escreveu Rubem Braga, em 1958, na crônica “Um mundo de papel”. Exatamente por isso, o Poder Judiciário, não raro, entre pompas e sobrepelizes, rapapés e salamaleques de juízes e outros magistrados, se esquece de outra afirmação importantíssima trazida pelo ilustre escritor naquela mesma crônica: “Não basta despachar o papel, é preciso resolver o caso.”

O Poder Judiciário é um aparelho ideológico do Estado, como ensina Louis Althusser, na obra Ideologia e Aparelhos e Ideológicos do Estado. Aliás, Althusser, aí na mesma obra, defende a tese de que a ideologia tem uma existência real e uma existência material, o que parece muito ser a mesma coisa, mas não é, uma vez que o imaginário também é real. E, assim, pode-se dizer, sem cometer injustiça nem exagero, que por grande parcela de culpa do Poder Judiciário os direitos e garantias estabelecidos na Constituição da República são postergados, muito notadamente culpa dos tribunais superiores, os quais, com acentuada frequência, adotam em suas decisões um viés desbragadamente político, passando muito ao largo do jurídico. As decisões sobre mandado de injunção, ao longo de décadas, são exemplo disso. Com a palavra os tribunais superiores da República, para que demonstrem o contrário.

Eis aí a explicação, em parte, por que os direitos sociais, embora sejam garantias fundamentais dadas a toda a sociedade pela Constituição, são reais, mas nem sempre são materiais, para falar no linguajar althusseriano. O provimento ou efetivação dos direitos sociais, dada a sua dimensão essencial de prestações positivas do poder público, sempre esbarrou em diversos empecilhos da parte do Estado, nos Poderes Executivo e Legislativo, que para isso, quase sempre, contaram com a conivência do Poder Judiciário. Palavras e expressões como “precatórios”, “reserva do possível”, “ajustamento do socialmente desejável ao economicamente possível” e coisas que o valham têm lá a sua verdadeira razão de ser, mas ninguém poderá negar que, muito frequentemente, se prestam à negativa e à postergação de direitos sociais que poderiam muito bem ser, de plano, atendidos.

O indispensável equilíbrio entre o orçamento disponível do Estado e a necessidade de que as pessoas tenham efetivamente serviços dignos requer vontade política, real e material, de todos os Poderes da República, que redunda, indiscutivelmente, no cumprimento da Constituição e das leis em relação aos direitos sociais, sem desculpas, sofismas e expedientes quejandos, com o aporte material de recursos orçamentários e financeiros, fiscalização efetiva e combate intransigente à corrupção e aos desvios de recursos.

O Poder Judiciário pode sim (aliás, mais do que isso, deve), sem prejuízo do exame compulsório das peculiaridades de cada caso, determinar, em demandas judiciais, que o Estado forneça medicamento, mesmo diante da alegação governamental de falta de recursos, até porque essa alegação, instrumento corriqueiro da defesa, costuma muitas vezes não corresponder à verdade. E essa determinação não poderá ser tachada de atitude antidemocrática, de interferência de um poder em outro, porque será nada mais nada menos do que o cumprimento da Constituição Federal, base maior de todo o ordenamento jurídico. Chega de ver o Título VIII da Constituição como um aglomerado de normas programáticas relegadas a efetivação incerta e futura.

sábado, 5 de junho de 2010

A vida é uma crônica




Sábado, 5 de junho de 2010, 11 horas. Estou em casa, na minha sala, tentando estudar Direito Tributário, disciplina do curso de pós-graduação em Direito Constitucional. Apenas tento, pois, não sei por quê, estou cansado: não obstante tenha acordado, como de costume, depois das 9 horas, estou cansado e desanimado. Puxa vida, há muito que, embora involuntariamente, tenho-me deixado abandonar, com muita frequência, a um sentimento de inutilidade de tudo, uma vontade mal-agradecida, que não sei explicar. Debito isso à cardiopatia e aos medicamentos que tomo por causa dela. Talvez seja; talvez, não. Sei lá!

De repente, o Daniel, meu filho de 12 anos, abre a porta da sala e me entrega a revista Bravo!, ano 11, n.º 154, edição de junho de 2010, um dos muitos periódicos dos quais sou assinante. Deixando o Direito Tributário, peguei a Bravo! (acho estranho esse título, por ser uma interjeição; embora entenda o porquê da escolha pela editora, ouso discordar como leitor). Comecei a ler, como às vezes faço, do fim para o começo. Na última página, o conto “Chapéu-coco, saia de pregas”, da escritora Ana Santos, que li; na penúltima, o conto “Açúcar”, dela também, que deixei para ler depois.

Bem mais à frente, na página 80 (a página do conto lido é a 98), estas palavras da atriz Clarice Niskier: “Penso a vida de maneira teatral. Por isso, sinto vontade de transformar tudo o que me toca profundamente em teatro.” Achei bonito, interessante e profundo, apesar de simples. Lembrei-me de que vejo motivo para uma boa crônica em quase tudo na vida, embora ultimamente não tenha escrito coisa alguma, exceto petições e pareceres jurídicos, no âmbito profissional, e trabalhos da pós-graduação, na esfera acadêmica. Não é que não tenha tempo, o que não tenho tido é vontade de escrever. Estou de mal com quase tudo e quase todos. Calou-se, momentaneamente, a minha verve. Abrindo e fechando parêntesis, escrevo “verve”, propositadamente, porque já não considero a palavra um galicismo.

Vejo a vida como uma crônica. Claro, pode ser vista também como um conto, um romance. A vida de qualquer pessoa é uma peça literária. Umas são muito bonitas, interessantes; outras são feias, esquisitas, mas todas as vidas são peças literárias. Afinal, que é literatura, senão o mero transpor de indivíduos e fatos da vida real para a ficção? É isso sim, principalmente a crônica, gênero literário que se ocupa da vida real e explora geralmente o lado pitoresco do dia a dia.

Estou com Clarice Niskier, como sempre estive com Clarice Lispector. A vida é uma arte e como arte deve ser vivida: porque é linda, a despeito dos altos e baixos, e, acima de tudo, porque é curta, tanto a do ateu quanto a de quem crê na existência após a morte. Aliás, ser cético, ateu ou coisa parecida não acrescenta mais dias à vida de ninguém: morre fisicamente o ateu como morre quem crê em Deus. A diferença é que, para quem crê em vida após a morte, resta a esperança no plano imaterial. Eu creio na existência do Pai, do Filho e do Espírito Santo, e, por conseguinte, na vida eterna, embora eu seja tão imperfeito e tão fraco.

É isso! Sem plagiar o Pasquale Cipro Neto. É claro!

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Meus poemas na Câmara Brasileira



Dois poemas de minha autoria foram selecionados e serão publicados em livros pela Câmara Brasileira de Jovens Escritores, do Rio Janeiro: o poema “Angústia da finitude”, no livro Antologia de Poetas Brasileiros Contemporâneos – vol. 65 (preço do exemplar, para pedidos feitos até 5 de maio de 2010, já incluídas as despesas postais, R$ 22,00) e o poema “Meu silêncio”, no livro Os mais belos Poemas de Amor – edição 2010 (preço do exemplar, para pedidos feitos até 5 de maio de 2010, já incluídas as despesas postais, R$ 28,00).

O lançamento será dia 10 de junho de 2010 e os livros poderão ser adquiridos pela internet ou pelo telefone (21) 3393-2163. O livro Os mais belos Poemas de Amor – edição 2010, no link http://www.camarabrasileira.com/belospoemasdeamor2010.htm e o livro Antologia de Poetas Brasileiros Contemporâneos – vol. 65, no link http://www.camarabrasileira.com/pc65.htm.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Se os oceanos morrerem


Observo, já faz alguns dias, que a Caixa Econômica Federal passou a disponibilizar ao correntista a opção de ver o saldo em tela nos terminais eletrônicos, ao mesmo tempo em que faz constar no saldo impresso as frases de advertência: “Pense antes de imprimir, conserve o meio ambiente! Consulte o saldo em tela!” Medida simples, mas muito interessante que lembra as lições ecológico-ambientais há muito contidas nos livros didáticos, posto que sempre ignoradas. Os livros didáticos, desde que tenho entendimento, sempre disseram, por exemplo, ser prejudicial derrubar a floresta e queimar. Ninguém, contudo, levou a sério.

“Os homens não sobreviverão se os oceanos morrerem.” Se não era exatamente essa, era muito parecida a frase lida e relida muitas vezes, porque me chamava muito a atenção, no ano de 1976, quando cursava a quarta série do então ensino de primeiro grau. Constava do meu livro de Ciências, livro que era do governo e não pude guardar: tive que devolver no fim do ano. A frase, contudo, ficou comigo.

Ainda de livro da minha quarta série (por sinal, meu único ano de estudo regular do primeiro grau, hoje ensino fundamental), guardei também a lembrança de um poema que, anos depois, passei a procurar e não encontro. Era (aliás, é) um lindo poema sobre mãe, de cujo título e autor não me lembro. Foi aí que aprendi o significado da palavra “eflúvio”, pois o poema tem a locução “eflúvios do bem”. O livro, de Jairo F. Martins, era Comunicação e Expressão. Um dia, talvez ainda o encontre em algum sebo e, assim, possa resgatar o poema e outros textos dos quais tenho saudosa lembrança.

Guardei, da mesma sorte, a mensagem do ministro da Educação, Jarbas Gonçalves Passarinho, posta em fac-símile na contracapa do livro intitulado Pará ou O Pará (já não sei ao certo), que também não pude guardar. Era uma mensagem linda, que falava à mente e ao meu coração do adolescente apaixonado por seu Estado. Já vem daí, independentemente de ideologia político-partidária, a inabalável admiração devotada a Jarbas Passarinho, pela sua invejável intelectualidade (sem dúvida, um intelectual de primeira grandeza entre os nossos) e honestidade pessoal a toda a prova.

A mensagem dizia (salvo algum erro ou involuntária omissão): “Criança paraense: Tu, que neste livro aprenderás a bem amar o Estado do Pará, verás que ele é um dos maiores Estados da Federação. Aceita o desafio. Jarbas G. Passarinho.” Posso involuntariamente ter omitido ou acrescentado, como antes ressalvei, alguma coisa. Já se passaram tantos anos e não anotei nada à época nem me acudiu a ideia de memorizar o texto. Simplesmente o amava, achava bonito, mas eu era apenas um adolescente, sem as preocupações acadêmico-intelectuais de hoje. Creio, todavia, que aceitei o desafio, conquanto tudo o que tenho feito até agora talvez seja tão pouco, insignificante mesmo, para o desenvolvimento do Pará.

Para encerrar o registro dessas gotinhas do meu mar de reminiscências, a lembrança da minha professora daquele ano (aliás, minha única professora do ensino fundamental, uma vez que, por ter tido formação foi irregular, estudei apenas um ano na escola, a quarta série): Senhorita Anelita Barbosa Crisóstomo, que era de Abel Figueiredo, e, na época, morava no convento de São Domingos do Araguaia, juntamente com as freiras (a irmã Odete, supervisora das escolas municipais, a irmã Liliosa e a irmã Lina). Ai, que saudade da professora Anelita! Alguém a conhece e sabe onde ela está?

Ah!... Se os oceanos morrerem, muito antes o homem terá desaparecido, terá ido para o beleléu, com suas irresponsabilidades, inconsequências e maluquices.

domingo, 28 de março de 2010

Angústia da finitude


Ah, quem me dera olvidar
A angústia da finitude!
E, assim, não me atormentar
Com o temor da decrepitude!

Como sujeito percipiente,
Viver a experiência sensível,
Mas, com um olhar percuciente,
Ver muito além do visível.

Que dizer do simples vácuo filosófico
Que separa a ação da omissão,
Não raro tão catastrófico,
Na humana contradição?

Que é a vida? Que é o amor? Que é a morte?
Ah, indagações que me assolam a mente!
Que é o homem? E a mulher, sua consorte?
Sei lá!... Que ser mais contradizente!

Posso, de novo, evocar Camões?
“Calar-me-ei somente,”
– disse ele, por certo, a amargar desilusões –
“que meu mal nem ouvir se me consente.”

domingo, 21 de março de 2010

A professora


Enamorado pela rara beleza dela,
Tão bela quão cheia de vida,
Mais que a professora, a fêmea envaidecida,
Via o garoto que a contemplava da janela.

Utopia, quimera ou ilusão do menino?
Sim, deveras. Mas ela, dama envolvente,
Voluntária ou mesmo involuntariamente,
Encantava a todo o universo masculino.

Jovem meiga e mulherão fascinante,
Era casada, e tinha marido e filho.
Airosa era em tudo, mas em nada, arrogante.

E, como que por um halo de magia,
Nada lhe diminuía o ofuscante brilho,
A protegida de todos (marido, igreja e Maçonaria).

domingo, 14 de março de 2010

Meu silêncio


É preciso saber calar nas ocasiões
de falar pelo silêncio eloquente.
“Calar-me-ei somente,” – disse Camões –
“que meu mal nem ouvir se me consente.”

Sim, calar-me-ei – também o digo.
Nemo tenetur se detegere.
Meu mal?... Ah, guardá-lo-ei para comigo!
Se é ilícito referir, não se refere.

Disse em prosa, muito sábio, Rubem Alves:
“... é preciso estar meio distraído
para ver a verdade.”

Dessarte – a menos que tu me salves –
estarei, para sempre, retraído,
na prisão que me tira a liberdade!

quinta-feira, 11 de março de 2010

Nostalgia



Marabá, Pará, Amazônia, Brasil: um lugar no cosmos, um pontinho obscuro no Universo. São 10h do dia 11 de março de 2010. Acabo de chegar à Marabá Pioneira – que, para mim, será sempre apenas Marabá – uma das minhas muitas paixões. Chego, precisamente, ao Palacete “Augusto Dias”, sede da Câmara Municipal, também um dos meus amores, onde exerço a minha doutrina, como operador do Direito. Estou chegando, cheio de ânimo, para mais um dia de expediente.

O táxi-lotação me deixa na Renovar, onde, sempre que tenho mais tempo, gosto de descer, pegar a Travessa Carlos Leitão, que me leva à Praça Duque de Caxias, tão linda, tão gostosa, tão amada, como não me canso de dizer. Pego a praça, encosto rapidamente na banca de revistas do Edvan, para cumprimentá-lo e olhar os jornais do dia.

Somente depois disso é que sigo, devagar, para o prédio da Câmara, como de costume o faço. Olho – embevecido como sempre – a praça e seus transeuntes, suas árvores e seus prédios (minha loja, a Loja Maçônica “Firmeza e Humanidade Marabaense”, a Caixa Econômica Federal, o Banco do Brasil, os Correios, a Igreja Evangélica Assembléia de Deus, o Baratão e tantas outras casas comerciais e prestadoras de serviço). Sei que para muitos isso não tem qualquer sentido, é besteira, tolice ou coisa que o valha. Tudo bem, não há problema, mas para mim tem um sentido especial. É muito gostoso, um deleite mesmo, contemplar (no iniciar do dia, mas pode ser no findar também) a mistura inebriante do urbano com o bucólico, uma simbiose da beleza com a vida, que me reconforta sempre. Gosto de começar assim o meu dia!

No Palacete, a alegria, como sempre, do encontro diário com a Alda Maria, a dona Turmalina (também minha cunhada de Maçonaria, mulher do meu irmão João Alberto Arraes), o Fontes, o Aquiles, a doutora Rose (Rose Clair Abbady), o Degas (Dr. Sebastião de Jesus Souza Castro, procurador jurídico como eu) e tantos outros colegas, por quem tenho profunda estima. São pessoas que fazem parte da minha vida, desde 1.º de abril de 1998, quando assumi a vaga conquistada no, para mim, memorável concurso de agosto de 1997, que logrei vencer em primeiro lugar.

Tomando o cafezinho na sacada do primeiro andar que dá para a praça (há outra pequena sacada, na direção do templo da Matriz), encontro o Degas e o amigo comum João Clésio Sales Moreira, o Cabeça Branca ou Cumpade Cabeça, acompanhados de um desconhecido, que me foi apresentado: Joaquim Rodrigues da Silva, seu Mozinho, irmão do Antônio Caboclo, lá da zona rural de São Domingos do Araguaia, hoje morando em Santarém. Ele e o Cumpade Cabeça foram vítimas da repressão política, na Guerrilha do Araguaia. Mozinho ficou preso durante meses e chegou a sofrer um tapa e coronhadas de fal, desferidos por um torturador (fal, se não engano, é a sigla de fuzil automático leve), e o Cumpade Cabeça foi demitido do emprego no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), depois Grupo Executivo das Terras do Araguaia-Tocantins (Getat).

Da apresentação e conversa com seu Mozinho, a nostalgia profunda: ao longo de mais ou menos trinta minutos, relembramos episódios de São Domingos do Araguaia e o nome de várias pessoas ligadas aos anos da minha infância na zona rural de São Domingos, tempos que, irremediável e teimosamente, me abandonam e ficam cada dia mais distantes. Depois da conversa, o rabisco apressado desta crônica! Não poderia deixar guardada no coração tanta nostalgia, porque seguramente me faria mal. Ele, seu Mozinho, que é 21 anos mais idoso do que eu, conheceu meu pai, meu avô, meus tios e muitos outros parentes e amigos da minha família, naqueles tempos e lugares!

Mozinho e Cumpade Cabeça, como muitas outras pessoas da época, ainda esperam por processos de anistia que, tais quais as tartarugas, se arrastam morosamente, na esfera administrativa, perante o Ministério da Justiça do Brasil. Esperam, reabilitados perante a nação, um dia receber a recompensa financeira que ao menos lhes amenize a dor dos danos morais pelos sofrimentos do passado. Tomara que consigam! O número do processo do Cumpade Cabeça, o qual me pede que o consulte pela internet quase todos os dias, é 2002.01.06565. Ufa!... Haja coração para tantas lembranças!

segunda-feira, 8 de março de 2010

Mulher



Mulher,
fêmea,
metade perfeita,
alma gêmea,
guarida,
carinho.
Consolo, paixão e conforto,
beleza da vida!

O ser mais belo e mais amável.
Sem ti, o homem seria incompleto.
Sim, seria inconcluso,
confuso,
obtuso.

Ah!... Nem é preciso falar,
Basta contemplar e amar,
O que ela é, o que ela tem,
Mulher, igual a ti não há ninguém!

domingo, 7 de março de 2010

Angústia existencial


recesso remoto do altar das minhas convicções
foro íntimo da consciência, somente Deus o pode julgar.
um composto heterogêneo de muitas indefinições,
lugar inóspito, desconhecido, ninguém o pode habitar.
na angústia existencial perante o fluir dos anos,
o que é mesmo – alguém me diga! –
a convivência entre os humanos?
aporia ou paradoxo?... a vida é só fadiga?...
é um redemoinho de angústias? ou é um mar de ilusões?
não, não é só isso! é também alegria, gozo e satisfações.
ah, então já sei! meu problema é a labilidade!
será?... não seriam, por acaso, a intolerância e a maldade?
os preconceitos e tantas convenções?... sei lá!
só sei – ninguém precisa me dizer –
que a vida não é para explicar.
é para viver.

domingo, 28 de fevereiro de 2010

Diálogo de amor

conquanto em parte me repetisse,
sagaz e sensualmente, você me disse:
– mas... basta sentir.
lógico! muito arguta, bem me entendera,
pois, antes de lhe ouvir,
resignado, lhe dissera,
a sucumbir pelo sofrer que me devasta:
– é suficiente. isso basta!
depois, a refletir sobre o assunto,
ansioso e triste, lhe pergunto:
– será?...
usando a força que esconde,
resoluta, você me responde:
– não sei! só o tempo dirá...
e, dizendo não à dúvida atroz,
o sussurrar concomitante que vem de nós:
– amemo-nos! para que esperar?

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Sentimentos

sentimentos, coisas que sinto, mas...
não sei ou não as posso dizer
eloquência muda do instinto
inato
que, de fato, fala alto e faz acontecer
basta sentir,
viver!

vida que é o livro
(e que lindo livro!...)
que não pude nem posso ler...
(opa! alguém já disse e também cantou isso antes)
contudo, eu,
posto que não saiba cantar,
também posso dizer.
escrever,
declamar...

absit omen! (essa não!)
não diga que o digo!
(absit invidia verbo)
indigno seu ato
como se atreve?...
calar-me-ei, cale sua verve

não!... não me calarei
embora meu falar pareça enjoo
mantê-lo-ei
ainda que como um pássaro triste –
um já quase de cujus – desiludido!
sem canto nem voo...
que – ao menos isso – me seja permitido