quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Fim ou final, frascos e comprimidos


Queria, nesta crônica, falar de O Caderno, livro de crônicas de José Saramago, que comprei recentemente e estou terminando de ler, e do livro Como os Médicos Pensam, que ganhei do meu filho Douglas, como presente do Dia dos Pais, e também estou lendo. Fica, entretanto, para outra ocasião. Hoje, responderei (sinteticamente na medida do possível) à defesa gratuita de frascos e comprimidos ou crítica ácida a um advogado que escreve para jornal.

A defesa de frascos e comprimidos, após dizer que na área jurídica “as formalidades da ortografia até podem ter sentido”, também diz que os advogados “usam latim para mostrar conhecimento, quando deveriam ater-se ao bom português”. Ledo engano da defesa em ambas as afirmações. A preocupação com a ortografia e com outros aspectos da língua fazem sentido para todo o profissional sério de todos os ramos de atividade. O emprego do latim tem razões técnicas muito além da simples e ingênua demonstração de conhecimento. Empregar final por fim, como se fossem a mesma coisa, não é bom português.

Escrevi a crônica “Fim ou final? Depende...” (Opinião, edição 1.769, 6 e 7 de agosto de 2009), de uma sentada, a partir de conhecimento próprio de português, sem consultar livro algum, porque o português aprendido no ensino fundamental e no ensino médio é suficiente para isso. E agora, para refutação resumida de “Comunicação – Eu me expresso e você entende” (Opinião, edição 1.771, 11 e 12 de agosto), não preciso ir buscar argumentos na área jurídica. Com efeito, a citação de dois jornalistas profissionais de altíssimo gabarito (com os negritos, itálicos e sublinhados originais) há de ser suficiente para mostrar ao leitor o equívoco do defensor de frascos e comprimidos. Deixo de citar outros por falta de espaço e até por ser desnecessário.

O jornalista e escritor Eduardo Martins, no livro Manual de Redação e Estilo, nada mais nada menos que o manual de redação do jornal O Estado de S. Paulo, diz o seguinte: “[...] Fim é a palavra correta para indicar o término ou a conclusão de alguma coisa: no fim da semana, no fim do mês, no fim do ano, no fim do século, até o fim de 1998, até o fim do trabalho, até o fim dos dias, no fim do jogo. [...]”

De forma ainda mais contundente, Marcos de Castro, licenciado em Letras Clássicas, e também jornalista e escritor, diz no seu livro A Imprensa e o Caos na Ortografia: “O substantivo fim, tão pequenino em sua simplicidade, vai ficando esquecido. Não se diz nem se escreve mais ‘fim de semana’, nem ‘fim de mês’. Só se ouve e se lê ‘final de semana’, etc.” E segue argumentando em cinco longos parágrafos do seu texto de seis, que – é lógico! – não dá para transcrever aqui, por falta de espaço.

É necessário, contudo, transcrever parte de um dos parágrafos:


“O simples é fim, porque o substantivo natural é fim, vem do substantivo latino finis, através do acusativo finem (latim vulgar fine). Final é um adjetivo, vem do latim finalis, e. Pode ser usado como substantivo, em português, é bem verdade, mas será sempre o adjetivo substantivado, carregará sempre esse ranço. Quem usa final como substantivo parece que gosta precisamente do ranço, como há quem goste de caça faisandé. A imprensa, entretanto, deve evitá-lo. O normal é que no fim (substantivo) da missa o padre dê a bênção final (adjetivo) – a redundância vai como reforço do exemplo. Quando está no minuto final (adjetivo), o jogo está chegando ao fim (substantivo). Esse é o emprego natural, despojado, distante de ostentações. Comunicar-se é simplificar. Enveredar pelas complicações, buscar o pomposo, é sempre má comunicação.”

Eduardo Martins, que faleceu recentemente, era do jornal O Estado de S. Paulo. Marcos de Castro, jornalista profissional, trabalhou na Rede Globo, nos jornais O Globo, O Dia, Jornal do Brasil e Jornal da Tarde, e nas revistas Enciclopédia Bloch, Veja, Realidade e Manchete. Fiz a minha parte. O leitor é livre para ficar com o que eles escreveram em obras de nomeada ou com o que escreveu a defesa de frascos e comprimidos. Quanto a isso, doravante, calar-me-ei. E, por questão de espaço, em crônica futura tratarei da afirmação de que o latim só vive no meio jurídico, afirmação também equivocada, para dizer o mínimo.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Meu pai é o cara!


Se ninguém me admirasse, como há pessoas de ambos os sexos e diferentes faixas etárias que me admiram, ainda assim eu seria admirado. Sim, seria, porque eu me admiro. Não é narcisismo, nem falsa modéstia, nem falta de autocrítica, é admiração e autoestima. Com efeito, há, por certo, quem pense diferente, mas creio que minhas virtudes cobrem meus defeitos. E, sem prejuízo da razão, da autocrítica e da modéstia, azar de quem pensa diferente. É! Sem arrogância, mas com a firmeza necessária: azar deles. Eu sou assim e muitas das coisas que sou não pedi para ser.

Não falo dos atributos físicos, é óbvio, pois gostaria de ser fisicamente diferente do que sou: um pouco mais alto, músculos mais avantajados e farta cabeleira no lugar da carequinha, muito embora se diga ser dos carecas que elas gostam mais. Certamente pegaria bem. Mas, fazer o quê?... Falo das outras características, de atributos morais e intelectuais. Gosto de ser corajoso na medida do possível, de demonstrar gratidão, de não ser covarde, de não ser omisso, de não ser desleal, de dizer a verdade, não obstante saiba que, segundo a Bíblia, todo homem é mentiroso. Odeio a omissão, a covardia, a ingratidão e a deslealdade. O mundo seria, com efeito, muito melhor se não existissem os milhões de covardes, omissos e canalhas de outras categorias que existem.

Talvez o leitor esteja a se perguntar por que estou escrevendo isso. Bom, respondo que é por vários motivos, alguns dos quais não declinarei explicitamente. Um deles é querer registrar em crônica, como registro agora, que, quando posso, assisto a algumas telenovelas da Globo. Sim, assisto. E daí? Não vejo nisso nenhum prejuízo para minha intelectualidade. Logicamente, alguém pode até dizer que não sou intelectual, mas eu acredito que sou e isso é o que importa. Outro motivo é dizer que gosto de reler meus textos e admirar coisas que escrevi neles. E outro – o principal deles – é para repudiar, sem citar nomes, a existência de muitos covardes, omissos e canalhas de Marabá.

Como telespectador de telenovela, gosto, por exemplo, da admiração que o personagem João Manoel, da novela Senhora do Destino, tem pelo pai, o ex-bicheiro Giovanni Improtta. Percebo aí beleza e sagacidade na ironia do autor da telenovela ao demonstrar a lei natural que diz que quem ama não vê os defeitos, ou, se vê, prontamente os releva. João Manoel esbanja, em gestos e palavras, admiração pelo pai. Guardei, por exemplo, esta tirada: “Faço minhas as palavras do meu pai. Ele é o cara!” Puxa vida, achei o máximo! Talvez porque eu também admirava muito, como ainda admiro meu falecido pai, que não foi bicheiro; foi, por toda a vida, lavrador honesto e pobre.

Quanto aos canalhas que infestam postos importantes em Marabá, deixo este trecho retirado da interpretação que escrevi de uma instrução maçônica recebida: “Não quero, sinceramente, apontar o dedo acusador para ninguém. [...] Até porque a consciência de cada um é sempre, queiramos ou não, o maior juiz, o árbitro cujas decisões calam fundo e falam alto no silêncio eloquente.” É. Eu escrevi isso, porque assim acredito e, por isso, defendo. Fica, todavia, a pergunta: Canalha tem consciência? Eis a questão.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Fim ou final? Depende...


A imprensa, mas não somente ela, confunde-se no emprego das palavras fim e final, e quase sempre emprega erradamente a palavra final, pondo-a no lugar de fim. Na linguagem oral também se verifica a mesma confusão. As pessoas (muitas delas até muito críticas) gostam de falar ou escrever final de semana, quando deveriam dizer ou escrever fim de semana; final do dia por fim do dia, e coisas similares. Pois bem, seu moço. Acontece frequentemente, mas não deveria acontecer. Nem tudo é normal por acontecer com muita frequência.

Trata-se, no caso, de uma simples questão morfológica. O problema é que a maioria dos falantes de hoje (e escreventes também) não se preocupa com morfologia nem com sintaxe nem com coisa alguma da língua e sai por aí escrevendo e falando erradamente, por mero desleixo. O Português suficiente para falar e escrever bem consta dos programas do ensino fundamental e do ensino médio. Quem não aprendeu aí dificilmente aprenderá no ensino superior, só se fizer um bom curso de licenciatura em Letras. E muitos nem assim, uma vez que o aprendizado depende muito da pessoa, não somente do programa estudado. Conheço licenciados em Letras quem não sabem Português.

Isso me lembra o advogado e gramático de nomeada Napoleão Mendes de Almeida. Ele dizia (e nisto concordo plenamente com ele): “Como respeitar a ideia de quem não respeita o idioma em que a expõe?” E, logo em seguida: “A própria narração jornalística de um fato afigura-se falha de crédito quando o relator mostra inverdades de linguagem.” Caramba, meu: escreveu errado! Como posso acreditar que a notícia está certa?

Como posso acreditar que o advogado, o representante do Ministério Público ou o juiz, nas manifestações dentro do processo, empregou corretamente a lei e o Direito, se ele empregou erradamente o Português? Como dizia o mestre Napoleão, não dá para acreditar. Quem se desleixa no falar e no escrever o vernáculo também o faz na aplicação da lei e do Direito. Não aprendeu corretamente o Português. Aprendeu e lei e o Direito? Como? Jamais, meu caro leitor. E o raciocínio vale para qualquer outro segmento da atividade humana. Quanto a isso, que ninguém se engane.

O jornalista que troca, erradamente, fim por final também pode, por incapacidade de raciocínio e de interpretação, trocar e truncar os fatos. O médico que erra no falar e no escrever também erra no diagnosticar a enfermidade e prescrever o medicamento. E por aí vai, meu caro leitor.

Fim é substantivo, final é adjetivo. O emprego de final só será legítimo quando o oposto for inicial. Quando, em vez de inicial, couber início ou começo, tem-se que escrever ou dizer fim e não final. Já, ao contrário disso, o antônimo de inicial não é fim, é final: petição inicial, petição final; pedido inicial, pedido final; decisão interlocutória, decisão final, e assim por diante. Também é correto o emprego de a inicial, porque, neste caso, equivale a petição inicial. Se é, no mínimo, estranho dizer ou escrever inicial da semana, por que, então, final da semana? Somente por erro decorrente do desleixo. “Finis coronat opus” (o fim coroa a obra), diz a máxima em latim. É o fim que coroa a obra, não é o final!

domingo, 2 de agosto de 2009

Eu, as apostilas, o correio e o instituto



Sou paraense, de São Domingos do Araguaia (que pertenceu a Marabá até a emancipação de São João do Araguaia em 1961), onde nasci em 6 de março de 1960, filho de pai e mãe analfabetos. E aprendi a ler e escrever aos dez anos, em 1970, com professor particular em casa, o Sr. Rossi Francisco Barros, um homem a quem meu pai pagou para que ensinasse “ler, escrever e contar” a mim e a meus irmãos, José e Raimundo (hoje falecido).

Não estudei quase nada em escola convencional, presencial. Tive formação irregular: aprendi a ler em 1970, estudando em casa, durante oito meses. Cursei a distância, por correspondência, o 1.º e o 2.º graus, hoje, ensino fundamental e ensino médio, respectivamente. Depois de ser alfabetizado em 1970, fiquei sem estudar formalmente até 1976, muito embora, ao longo desse tempo, lesse tudo que encontrava pela frente, de livros a bulas de remédio e tudo mais. Em 1976, após fazer um teste, fui matriculado na 4.ª série do 1.º grau, hoje ensino fundamental, na Escola Municipal "José Luiz Cláudio", de São Domingos do Araguaia, e passei em primeiro lugar. Naquele ano, fui o aluno mais bem colocado, em todas as disciplinas, de todo o corpo discente da escola.

Em 1977, devido a São Domingos – ainda um distrito muito atrasado e sem qualquer infraestrutura – não oferecer a 5.ª série, matriculei-me, em abril, no supletivo de 1.º grau por correspondência, do Instituto Universal Brasileiro, por necessidade e por influência da propaganda levada a efeito pelo programa de rádio “Edgar de Sousa”, cujo locutor tinha o mesmo nome.

Estudei com dificuldades de toda a ordem, principalmente financeira (meu pai, hoje falecido, pagou as mensalidades com extrema dificuldade). Venci obstáculos quase insuperáveis, pois estudar a distância naquele tempo era muito diferente dos dias de hoje. Éramos eu, as apostilas e o correio precaríssimo de então, no Pará; o instituto, em São Paulo, e os milhares de quilômetros que nos separavam. Comunicação com os professores, nem por telefone, só por carta. Se eu tinha alguma dúvida, era obrigado a escrever uma carta e esperar cerca de trinta dias para receber a resposta. E, se discordasse da resposta ou persistisse a dúvida, teria que escrever outra carta e esperar outros trinta dias ou mais. Havia, demais disso, a discriminação e o desestímulo, pois a maioria das pessoas dizia que eu não aprenderia e que o curso não teria validade.

Não obstante tudo isso, aos trancos e barrancos, cego às dificuldades e surdo às críticas, não me demovi, não me deixei abater e concluí o curso. O certificado, que ainda hoje guardo com carinho ao lado do diploma de bacharel em Direito e dos muitos outros diplomas e certificados que possuo, é assinado por Mara Maria Rabelo e datado de 12 de janeiro de 1979.

Era, contudo, apenas o começar de uma longa e árdua caminhada, porquanto a pobreza impedir-me-ia de prestar o exame de suplência e receber o certificado de conclusão com direito a seguir estudos regulares. O certificado recebido era apenas de preparo; o de conclusão deveria ser expedido por estabelecimento de ensino oficial (autorizado, fosse público ou particular). E o exame para essa certificação era realizado somente duas vezes por ano, na capital do Estado. Não tive condições de fazê-lo e fiquei, por muitos anos, sem documentação escolar.

Malgrado tudo isso, não desanimei. De 1979 a 1991, matriculei-me em vários cursos por correspondência, concluindo uns e outros não. Do Instituto Universal Brasileiro, Matemática Moderna, Supletivo de 2.º Grau e Contabilidade Prática, e, conquanto não os tenha concluído, aprendi muito. Do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), do Centro de Ensino Tecnológico de Brasília (Ceteb – Escola Aberta) e de muitas outras entidades, os cursos – que concluí – de Português, Matemática Comercial, Orientação para o Trabalho, Auxiliar de Escritório, Legislação Trabalhista, Contabilidade Pública, Revisão de Língua Portuguesa e muitos outros.

Aprendi muito em todos os cursos. Prova é tanto que, em 1992, já em Xinguara, prestei o exame de suplência de educação geral em nível de 2.º grau (chamado popularmente “exame de massa”) e fui aprovado logo da primeira vez, recebendo, com muita emoção, o certificado de conclusão, que me isentava de histórico de 1.º e 2.º graus e me dava direito a seguir formação regular em qualquer faculdade ou universidade do país. Quase chorei de alegria naquela hora de um dia qualquer já do ano de 1993. Era demais, era a tão sonhada documentação dos meus estudos e conhecimentos! Parecia um sonho!

O certificado de conclusão do 2.º grau, expedido pelo Departamento de Ensino Supletivo da Secretaria de Estado de Educação do Pará, isentava-me, na forma da lei, do histórico de 1.º e 2.º graus. Mesmo assim, fiz questão de me submeter ao exame de massa em nível de 1.º grau. Não era necessário, mas eu queria fazer, por mero capricho. Queria ter um certificado de 1.º grau, como tinham as demais pessoas. E fiz. Daí adveio mais um fato inusitado: meu certificado de conclusão do 1.º grau é posterior ao de conclusão do 2.º grau.

Em 1996 – sem fazer cursinho preparatório – prestei vestibular para o curso de Direito da Universidade Federal do Pará – Campus de Marabá, logrando ser aprovado em quinto lugar, à frente de muitos que estudaram nas melhores escolas de Marabá e da capital, além de terem feito cursinho pré-vestibular. Formei-me em 2002 e tive a alegria de ser aprovado no exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) antes da colação de grau. Sou advogado: meu número de inscrição na OAB – Seção do Pará é 11.121.

Hoje, além de exercer a advocacia em Marabá, escrevo artigos e crônicas, que publico nos jornais Correio do Tocantins e Opinião, na revista Foco e nos meus blogues (http://valdinar.zip.net, http://valdinar.blogspot.com e http://vms.uniblog.com.br). Restam-me ainda, dentre outros, os sonhos do mestrado e do doutorado. Sonhos concretizáveis? Sim, por distantes que estejam. Ah!... Para quem ainda não sabe, a forma aportuguesada blogue, da forma inglesa blog, é dicionarizada. Mas isso será assunto de outra crônica.