sexta-feira, 17 de outubro de 2008

ESQUECIMENTO INVOLUNTÁRIO

Pego na minha biblioteca um exemplar do livro Retalhos de Poesias, de Aziz Mutran Filho, poeta marabaense que se foi do nosso meio, deixando tristeza e saudade. Releio mais uma vez, com um misto de saudade e dor pelo sentimento da perda irreparável, a dedicatória que ele fez para mim, um dia de manhã quando cheguei à Câmara Municipal, onde trabalhávamos e ainda trabalho: “Para o ‘crânio’ desta Casa, Valdinar, meu estimado colega, com humildade. Em, 05-05-00.” Embaixo a sua rubrica.

São 23 horas de um dia qualquer da minha vida: quarta-feira, 15 de outubro de 2008, para ser mais preciso. Fico parado por algum tempo, lucubrando, pensando nas conversas que tivemos como colegas de trabalho, na admiração que ele bondosamente demonstrava pelos meus pobres artigos e crônicas, na sua inesquecível camaradagem, no seu peculiar empenho em servir, na sua hipossuficiência, na sua indisfarçável revolta pela ingratidão de muitos, pelas agruras da vida. De repente me dou conta de que esqueci o dia de seu falecimento e, por conseguinte, tenho de consultar anotações para relembrar que foi o dia 5 de março de 2003. Faz, portanto, mais de cinco anos que ele se foi e nos deixou a todos, parentes e amigos. Que coisa!

Não é ingratidão minha nem descaso, é a realidade da vida: esqueci a data da morte de Aziz porque o homem é falho, falível, imperfeito e se esquece de fatos, pessoas e acontecimentos com naturalidade. É o efeito da perecividade, que é ínsita a todo o ser vivente, a ânsia de morte que persegue o homem e o acompanha do berço à sepultura. Esquecer é também matar e morrer ao mesmo tempo: morrem por um só ato, consciente ou inconscientemente, quem esquece e quem é esquecido. E, como diz o médico e escritor Genival Veloso de França, “a morte não é um momento ou instante, mas um processo gradativo que não se sabe quando se inicia ou quando termina”.

É certo que determinados indivíduos são lembrados pela posteridade durante séculos e séculos, mas isso não é a regra. A regra é o esquecimento com o passar de poucos anos. Para ser lembrado ou, se alguém assim prefere, para não ser esquecido é indispensável fazer por deixar algo que seja mais duradouro do que a própria vida, a qual é muita curta. Nem todo dia, porém, nasce um Sócrates, ou Platão, ou Aristóteles, para não sair da Grécia Antiga; ou um Duque de Caxias, ou Rui Barbosa, para ficar em nosso arraial.

Sic transit gloria mundi! Traduzindo, para quem não sabe: “Assim passa a glória do mundo!” O comandante de hoje será o inativo sem comando de amanhã. Tudo é efêmero, tudo é passageiro, tudo é transitório. Os homens passam, os amigos e parentes os esquecem, e só as instituições ficam, mas também as instituições morrem e, mortas, desaparecem.

Aziz, como ele mesmo dizia, foi um dedicado servidor dos interesses alheios, típica escada humana, sem tempo e sem espaço para se dedicar a si mesmo. Talvez seja por isso que, macabramente, doentiamente, sempre foi um enamorado da morte, que a buscava com paixão e tinha plena consciência disso. Pobre Aziz, de tanto buscar a morte morreu cedo, tresloucadamente!

Dizem muito da sua personalidade, por exemplo, o inédito poema “Amanhã”, de outubro de 2001, e o curriculum vitae, escrito em prosa mais poética do que muitos e muitos poemas e posto à guisa de prefácio do livro Retalhos de Poesias. Analisar isso, no entanto, é outra história e, mais do que a insignificância literária desta crônica, exigiria um longo artigo acadêmico. Oxalá alunos e professores do curso de Letras da Universidade Federal do Pará ainda o façam!

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